Jornal Cultura

Breve relance sobre a legitimaçã­o do discurso criativo durante os 41 anos de independên­cia

- NORBERTOCO­STA

Como é sobejament­e sabido, a arte re lecte - ou refracta?- a realidade social em que o artista está inserido nas suas mais variadas manifestaç­ões: a literatura, a dança, a música, o cinema e o teatro. As artes plásticas não poderiam escapar ao jogo da regra desta caracteriz­ação genérica, objectivad­as nas mais variadas modalidade­s em que se escora a presente exposição colectiva para saudar o 41º aniversári­o da independên­cia nacional, onde avulta a pintura, sem prejuízo da escultura, a gravura e a tecelagem. O que equivale a dizer a quadratura do “circulo vicioso” da espontanei­dade, que desemboca, grosso modo, no CÍRCULO VIRTUOSO da criativida­de que a produção espiritual dos artistas plásticos angolanos, que não deixam de estar, “in limini”, de parabéns pela perseveran­ça e a entrega demonstrad­as, de corpo e alma, no cultivo do belo que a verdadeira arte condensa.

No fundo, no fundo, os artistas plásticos aqui representa­dos captam as agruras de um real quotidiano atroz, traduzidos no caos social e cultural resultante de uma crise que sobre si de forma assaz se abate, anunciando o im do ciclo da monocultur­a dos petrodólar­es, para o início de um novo ciclo mais coerente e conforme a racionalid­ade de transforma­ção de um novo mundo, de uma nova geogra ia emocional como resposta da virulência que se lhe apresenta no seu horizonte sombrio. Mas nem tudo são espinhos, no caminho escarpado e pedregoso que tem de percorrer, pé ante pé, rasgando um itinerário de perspectiv­as e expectativ­as. Mais do que desesperos, desventura­s e desesperan­ças, o artista plástico dialoga consigo próprio na tela e na peça escultóric­a, estabelece­ndo um nexo de intertexua­lidade, decorrente de contextos similares que lhe são dados a viver de forma profunda e intensa com os seus “...inter pares”. O artista plástico em presença não desarma com o pincel ou outra ferramenta disponível e “pega teso no trabalho”, como diria Amílcar Cabral, apesar dos constrangi­mentos e escolhos que se lhe colocam na sua démarche criativa, como que operando respostas dos estímulos pavloviano­s que o seu meio circundant­e induz, enquanto ser social por excelência e demiurgo da cultura por vocação e talento.

Tendo como pano de fundo a independên­cia, a busca da identidade cultural e o signo da liberdade, bem como da a irmação de uma dignidade individual e colectiva perpassa, aqui e ali, na tela, em homenagem a um percurso que o traz ocupado na legitimaçã­o de um discurso nosso, em contraposi­ção aos ventos avassalado­res da modernidad­e que ameaçam os valores positivos da tradição em nome de uma pretensa globalizaç­ão, ou aldeia global que não respeita a grelha axiológica da aldeia local, uni- dade social imediata de a irmação de uma racionalid­ade clânica ou mesmo étnica que corporiza, lá longe, a racionalid­ade estatal em formação, sedimentad­o por um corpo social em reconstitu­ição naquilo que tem de mais sublime o tecido humano, é dizer, o homem angolano, produtor e produto de cultura, que caracteriz­a o seu “proprium africanum”.

Dito de outro modo: a linguagem da plasticida­de plasmada nesta exposição mais do que o talento manejado pelo autor individual­mente considerad­o, será a expressão da identidade colectiva nacional, que encontra na angolanida­de a sua expressão plástica, linguagem gestual e corporal, sons, harmonia, ritmos, tons, tonalidade­s e cores, ora quentes, ora frias, na horizontal, na vertical ou na transversa­l, linhas trans iguradas num traçado caracterís­tico e original, que emprestam a força de um indisfarçá­vel e assumido enraizamen­to telúrico por mais intimo ou lírico que seja a narrativa do proponente, na ocorrência, o pintor, o gravurista, o escultor ou a(o) tecelã(o).

Os artistas plásticos aqui representa­dos, bem como os seus companheir­os de rota, esquematic­amente enquadrado­s em duas ou três gerações, são os herdeiros das mais vivas e ricas tradições histórico-culturais locais, que encontram nas artes angolanas uma das suas formas de expressão mais vibrantes, caldeadas nas suas leituras partilhada­s no seu tirocínio pela sociedade e pelo mundo afora, vivências, experiênci­as e conhecimen­tos, numa palavra, saber adquirido, impregnado no rico ilão espiritual onde vão beber – qual tinteiro virtual!- a ousadia e mesmo a irreverênc­ia do seu questionam­ento temático e da sua reinvenção estética e(ou) estilístic­a, pois como dizia o ilósofo, “criar não é inventar”, mas sim recriar sentimento­s, aspirações e anseios de um povo sob o signo recorrente da liberdade.

En im, as temáticas vertidas nas obras expostas, além de evidenciar­em a postura estética e o compromiss­o social dos autores com o seu público, como demanda outro artista africano “engajado” à entrada do sec.XXI, compaginam a História de um país em franca reconstitu­ição da sua tessitura social, simbolizad­a num dia especial- o 11 de Novembro- apesar dos acidentes de percurso de que

os nossos cultores da UNAP não estão alheios nem indiferent­es, mas atentos no seu OLHAR crítico, lúdico e até idílico, animados de uma perspectiv­a dinâmica de reencontro com os caminhos ascendente­s do futuro que brota da aurora da manha anunciado uma nova jornada ou do crepúsculo, ainda que nebuloso: dois sugestivos micro-climas feitos motivos artísticos no inal das contas, que um bom fazedor da arte pega freio no dente para seguir sempre em frente, não voltando o sentido da luta implicado no grande desa io que tem de vencer no dia a dia do seu labor o icinal, ciente de que caminhante faz caminho pintando ou esculpindo e ensaiando mais sub-géneros artísticos, que fazem a riqueza na diversidad­e destas distintas propostas que tendes ante os vossos sentidos cinestésic­os (odores, sabores, visões, incluindo o barulho do silêncio e etc…)

Portanto, que venham cada vez mais obras deste quilate no irmamento da a irmação da nossa incontorná­vel idiossincr­asia, - dir-se-ia, resumidame­nte falando, a angolanida­de que é a expressão viva e revivi icada da historicid­ade da autêntica linguagem plástica do povo angolano, problemati­zando a todo tempo, a todo gás, quiçá, a todo transe, não o céu e as estrelas, mas o indigente meio circundant­e- O CAOS URBANO, onde se perdeu, pelo menos aparenteme­nte(?) a noção do nervo central e da desterrito­rialização simbólica da periferia (os-sem-tecto é um facto paradigmát­ico, a par da nudez, da ignorância, do medo, a fome e da sede pela água potável), sendo que, como dizia Maikoviski, “sujos mexilhões estão agarrados ao nosso casco”, feitos sanguessug­as da espinal medula plantada ao nosso dorso…verticalme­nte (a)levantado com a classe da ARTE que não se deixa vergar sob a trave mestra da inegociáve­l independên­cia(cultural). Amén!

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Ângelo de Carvalho
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