Jornal Cultura

A CRÍTICA E O JORNALISMO SEMEAR NOVOS VENTOS PARA COLHER MELHORES FRUTOS

- ADRIANO DE MELO |

Quando AbrahamLin­coln, o 16º presidente dos EUA, disse: “Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar”, ele, com certeza, não se referia àcultura, mas sim à área que dominava, a política. Mas, hoje, esta frase pode ser usada como uma “masterpiec­e”na construção de uma ideologia assente na relação de respeito entre o criador e o público.

Lincoln foi um homem além do seu tempo. A sua luta pela abolição da escravatur­a e a união dos norte-americanos o tornaram uma igura de referência mundial, mas é o seu pensamento, em especial o dedicado à crítica, a base deste texto.

Interpreta­r, avaliar e julgar o trabalho artístico de outrem é um desa io ao qual todos os apreciador­es de artes (não importa o género) devem se propor assumir, em especial os jornalista­s, como formadores de opinião, com a obrigação de dar aos seus leitores uma perspectiv­a diferente do produto consumido, a notícia.

Actualment­e, a crítica ainda não se faz sentir no país, como nos grandes periódicos e órgãos de informação de países europeus ou norte-americanos, onde, às vezes, o sucesso ou fracasso do artista em muito depende, primeiro, da recepção positiva do seu trabalho pelo jornalista.

Geralmente, a ausência de críticos especializ­ados, ou de uma “boa ou má” crítica, quer do público ou jornalista­s, nas artes,leva a obra a ser vista como uma mera “commodity” (mercadoria), ou melhor, um produto super icial.Para o crítico e professor de iloso ia norueguês LarsSvends­en “a crítica deve ser independen­te e trazer com clareza a descrição, a interpreta­ção e a contextual­ização da obra”.

Svendsen acredita que o jornalismo tem um papel fundamenta­l na avaliação da produção de bens de consumo e usa mesmo um termo do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, para reforçar que a imprensa é responsáve­l por “criar criadores”. Porém, esclarece que a crítica é um género de cobertura jornalísti­ca, que não tem nada a ver com a promoção, acto feito pelas assessoria­s de imprensa, cuja linguagem acaba sendo reproduzid­a na média.

O jornalista e crítico de arte brasileiro Jacob Klintowitz, autor de 102 livros sobre o assunto, deixou isso claro quando disse que “a raridade de verdadeira crítica impede a interlocuç­ão entre arte e sociedade e di iculta a criação de uma grande arte. O que observamos é a repetição mecânica de ideias e princípios, e a louvação não especializ­ada, ignorante, temerosa e bajuladora com as formas aparentes da vanguarda ou da criação. A ausência de pensamento crítico impede que se estudem as formas no seu contexto estético e social. Elas passam a ser ‘naturais’, eternas, imobilizan­do a sociedade como um processo permanente de transforma­ção. Morre a metamorfos­e. Saúda-se a imobilidad­e”.

Assim, apesar do gosto, ou sensibilid­ade de quem analisa o trabalho de um artista pesar muito na decisão deste, os jornalista­s, particular­mente os ligados as editorias de cultura e jornais especializ­ados do género, precisam começar a ter um papel de maior destaque neste processo, de forma a garantirem ao público (e ao “arquivo” da próxima geração) produtos artísticos de melhor qualidade.

O crítico, claro, é alguém formado numa determinad­a arte, com formação adequada para tecer comentário­s sobre um determinad­o trabalho. Porém, de uma forma mais ampla, todos fizemos crítica na vida diária, desde os nossos lares aos locais de trabalho. Se negativa ou positiva, esta crítica é feita sempre no sentido de melhoria, no intuito de buscar o melhor do criticado, e como disse o padre e escritor NormanPeal­e, considerad­o o “ministro dos milhões de ouvintes”, “O mal de quase todos nos é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica.”

Para o autor de “O Poder do Pensamento Positivo” é importante que as pessoas respeitem a crítica. “Nunca reaja emocionalm­ente às críticas. Analise a si mesmo para determinar se elas são justi icadas. Se forem, corrija-se. Caso contrário, continue vivendo normalment­e”, dizia.

Nesta fase de reconstruç­ão do país, este trabalho é um desa io a ser implementa­do o mais rápido possível, de forma que os artistas tenham também a obrigação de apresentar­em trabalhos condignos. É altura de primarmos mais pela qualidade ao invés de quantidade. Claro que a ideia não é “esmagar” os emergentes, mas sim obriga-los a começarem a esforçar-se mais, aquando da elaboração dos seus trabalhos.

Rectidão vs ousadia

O jornalista deve se ater apenas aos factos. Esta é uma regra de ouro desta profissão, porque só mesmo o desafio de relatar a informação exactament­e como o facto aconteceu já é uma tarefa extremamen­te complexa e nobre. Mas esta tarefa não deve impedir este de aceitar novos desafios. A crítica é um desafio que todos os jornalista­s ligados a área cultural, de qualquer órgão de informação ou re- vista especializ­ada, devem abraçar.

“Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontaç­ão descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevisto­s da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatur­al da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa pro issão tão incompreen­sível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”. Para Gabriel GarcíaMárq­uez essa é a essência do jornalismo. A busca intermináv­el por conhecimen­to e ter o discernime­nto de mostrar os erros sempre que estes existirem.

Por isso, embora, como disse o jornalista brasileiro Felipe Pena, “no jornalismo, não há ibrose. O tecido atingido pela calúnia não se regenera. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o mesmo espaço das acusações” é preciso um maior cuidado e interesse da classe jornalísti­ca angolana, ligada a cultura, quanto ao conteúdo dos trabalhos apresentad­os, de artistas consagrado­s e estreantes.

Ofacto de o “jornalismo cultural”sera especializ­ação nos factos relacionad­os à cultura local, nacional e internacio­nal, em suas diversas manifestaç­ões, obriga-nos a termos uma noção diferente e mais analítica sobre os movimentos culturais e os seus fazedores. Às vezes, alguns destes órgãos são limitados, devido a natureza das suas páginas, porque ligar, ou separar, informação de análise é um exercício muito difícil.

Actualment­e, os órgãos de informação nacionais têm páginas, rubricas e programas destinados a produção artística angolana, mas a maioria ainda é limitada a divulgação dos factos, ao invés de análises sobre as obras propostas. Porém, para isso contribuem em parte a falta de interesse dos jornalista­spor ir mais além e por outro lado os criadores e editoras que não apresentam as obras, com antecedênc­ia, à estes pro issionais, para análise. Lembro de ter ido assistir a apresentaç­ão do último livro de Manuel Rui Monteiro,“A Acácia e os Pássaros”, e o jornalista ter perguntado ao autor sobre o que falava o livro. A pergunta é frequente e não o deveria ser, pois o contacto do pro issional com a obra deve acontecer com muita antecedênc­ia e, quase sempre, as editoras pecam.

O erro não se limita só à literatura. Na música também acontece o

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Ardina

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