A CRÍTICA E O JORNALISMO SEMEAR NOVOS VENTOS PARA COLHER MELHORES FRUTOS
Quando AbrahamLincoln, o 16º presidente dos EUA, disse: “Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar”, ele, com certeza, não se referia àcultura, mas sim à área que dominava, a política. Mas, hoje, esta frase pode ser usada como uma “masterpiece”na construção de uma ideologia assente na relação de respeito entre o criador e o público.
Lincoln foi um homem além do seu tempo. A sua luta pela abolição da escravatura e a união dos norte-americanos o tornaram uma igura de referência mundial, mas é o seu pensamento, em especial o dedicado à crítica, a base deste texto.
Interpretar, avaliar e julgar o trabalho artístico de outrem é um desa io ao qual todos os apreciadores de artes (não importa o género) devem se propor assumir, em especial os jornalistas, como formadores de opinião, com a obrigação de dar aos seus leitores uma perspectiva diferente do produto consumido, a notícia.
Actualmente, a crítica ainda não se faz sentir no país, como nos grandes periódicos e órgãos de informação de países europeus ou norte-americanos, onde, às vezes, o sucesso ou fracasso do artista em muito depende, primeiro, da recepção positiva do seu trabalho pelo jornalista.
Geralmente, a ausência de críticos especializados, ou de uma “boa ou má” crítica, quer do público ou jornalistas, nas artes,leva a obra a ser vista como uma mera “commodity” (mercadoria), ou melhor, um produto super icial.Para o crítico e professor de iloso ia norueguês LarsSvendsen “a crítica deve ser independente e trazer com clareza a descrição, a interpretação e a contextualização da obra”.
Svendsen acredita que o jornalismo tem um papel fundamental na avaliação da produção de bens de consumo e usa mesmo um termo do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, para reforçar que a imprensa é responsável por “criar criadores”. Porém, esclarece que a crítica é um género de cobertura jornalística, que não tem nada a ver com a promoção, acto feito pelas assessorias de imprensa, cuja linguagem acaba sendo reproduzida na média.
O jornalista e crítico de arte brasileiro Jacob Klintowitz, autor de 102 livros sobre o assunto, deixou isso claro quando disse que “a raridade de verdadeira crítica impede a interlocução entre arte e sociedade e di iculta a criação de uma grande arte. O que observamos é a repetição mecânica de ideias e princípios, e a louvação não especializada, ignorante, temerosa e bajuladora com as formas aparentes da vanguarda ou da criação. A ausência de pensamento crítico impede que se estudem as formas no seu contexto estético e social. Elas passam a ser ‘naturais’, eternas, imobilizando a sociedade como um processo permanente de transformação. Morre a metamorfose. Saúda-se a imobilidade”.
Assim, apesar do gosto, ou sensibilidade de quem analisa o trabalho de um artista pesar muito na decisão deste, os jornalistas, particularmente os ligados as editorias de cultura e jornais especializados do género, precisam começar a ter um papel de maior destaque neste processo, de forma a garantirem ao público (e ao “arquivo” da próxima geração) produtos artísticos de melhor qualidade.
O crítico, claro, é alguém formado numa determinada arte, com formação adequada para tecer comentários sobre um determinado trabalho. Porém, de uma forma mais ampla, todos fizemos crítica na vida diária, desde os nossos lares aos locais de trabalho. Se negativa ou positiva, esta crítica é feita sempre no sentido de melhoria, no intuito de buscar o melhor do criticado, e como disse o padre e escritor NormanPeale, considerado o “ministro dos milhões de ouvintes”, “O mal de quase todos nos é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica.”
Para o autor de “O Poder do Pensamento Positivo” é importante que as pessoas respeitem a crítica. “Nunca reaja emocionalmente às críticas. Analise a si mesmo para determinar se elas são justi icadas. Se forem, corrija-se. Caso contrário, continue vivendo normalmente”, dizia.
Nesta fase de reconstrução do país, este trabalho é um desa io a ser implementado o mais rápido possível, de forma que os artistas tenham também a obrigação de apresentarem trabalhos condignos. É altura de primarmos mais pela qualidade ao invés de quantidade. Claro que a ideia não é “esmagar” os emergentes, mas sim obriga-los a começarem a esforçar-se mais, aquando da elaboração dos seus trabalhos.
Rectidão vs ousadia
O jornalista deve se ater apenas aos factos. Esta é uma regra de ouro desta profissão, porque só mesmo o desafio de relatar a informação exactamente como o facto aconteceu já é uma tarefa extremamente complexa e nobre. Mas esta tarefa não deve impedir este de aceitar novos desafios. A crítica é um desafio que todos os jornalistas ligados a área cultural, de qualquer órgão de informação ou re- vista especializada, devem abraçar.
“Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa pro issão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”. Para Gabriel GarcíaMárquez essa é a essência do jornalismo. A busca interminável por conhecimento e ter o discernimento de mostrar os erros sempre que estes existirem.
Por isso, embora, como disse o jornalista brasileiro Felipe Pena, “no jornalismo, não há ibrose. O tecido atingido pela calúnia não se regenera. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o mesmo espaço das acusações” é preciso um maior cuidado e interesse da classe jornalística angolana, ligada a cultura, quanto ao conteúdo dos trabalhos apresentados, de artistas consagrados e estreantes.
Ofacto de o “jornalismo cultural”sera especialização nos factos relacionados à cultura local, nacional e internacional, em suas diversas manifestações, obriga-nos a termos uma noção diferente e mais analítica sobre os movimentos culturais e os seus fazedores. Às vezes, alguns destes órgãos são limitados, devido a natureza das suas páginas, porque ligar, ou separar, informação de análise é um exercício muito difícil.
Actualmente, os órgãos de informação nacionais têm páginas, rubricas e programas destinados a produção artística angolana, mas a maioria ainda é limitada a divulgação dos factos, ao invés de análises sobre as obras propostas. Porém, para isso contribuem em parte a falta de interesse dos jornalistaspor ir mais além e por outro lado os criadores e editoras que não apresentam as obras, com antecedência, à estes pro issionais, para análise. Lembro de ter ido assistir a apresentação do último livro de Manuel Rui Monteiro,“A Acácia e os Pássaros”, e o jornalista ter perguntado ao autor sobre o que falava o livro. A pergunta é frequente e não o deveria ser, pois o contacto do pro issional com a obra deve acontecer com muita antecedência e, quase sempre, as editoras pecam.
O erro não se limita só à literatura. Na música também acontece o