Jornal Cultura

SEGREDOS POR BAIXO DA CHUVA

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oi no quintal do farol abandonado no topo duma verde colina feita em dunas, que a Kianga e o pangolim Mabeco se deram a conhecer, no habitual passeio da manhã da menina Kianga, que era feito à caminho da escola. Entrou pelo edi ício, que há anos tinha sido abandonado, icou a ingir ver baleias e outros animais do mar, anunciando ser uma grande capitã e que estava ali para pôr ordem nas coisas, que o mundo lhe parecia estar ao avesso. Junto à janela,comseus olhos redondos e vivos, pôs-se a contemplar o sol abraçando a terra. Aconteceu que apeteceu- lhe ir ao quintal, onde havia algumas árvores de fruta e um capinzal, de onde viu distinguir-se do verde, um conjunto de escamas dispostas em camadas em tons de castanho claro, instantes depois dois pequenos olhos chamaram mais a sua atenção, sem muita demora, o desconheci­domexeu-se e enrolando-se num repente; primeiro houve um susto por parte da rapariga, mas depois deixou- se ficar um instante, em observação e esperava alguma outra reacção.

Ao contrário do que ouvia, decidiu aproximar-se e ver de perto, tratou de desmanchar o emaranhado de capim em que se escondia o desconheci­do. Deu-se conta no momento, que tratava-se dum pangolim, vinha-lhe na memória, imagens de vários animais sobre quais aprendera nas aulas, e agora tentava distingui-lo dos outros. −O professor tinha dito que se chamava. Para o espanto dela, o pangolim emitiu algumas palavras −Não me faça mal, sou um amigo. Tratou de chegar mais perto e saber mais. Aos poucos o medo e receio se des izeram.

A partir daquele dia, aos poucos, tornaram-se amigos. E assim o farol, passou a ser o ponto de encontro.O que era um acaso, passou a ser frequente, ali brincavam e jogavam nas horas livres, contando cada um, histórias do seu mundo,os encontros eram secretos, pois segundo orientaçõe­s dos mais velhos “não deviam brincar com desconheci­dos”.Assim, guardaram esse segredoà sete chaves.

Havia passado mais de três meses desde o último encontro, para a inquietaçã­o da Kianga.Embora a ausência do seu mais novo amigo, continuou a frequentar a colina e o farol, onde deliciava-se de frutos da época como massalas3e canhú, também da agradável vista ao mar.

A colina era um lugar de incomum beleza, para alémdo farol, também haviadunas que chegavam a cerca de 15 m de altura, com camadas de vegetação rasa, com lores escarlates, que apenas ali cresciam, fazendo ser motivo de comentário­s variados. “Éum lugar estranho, melhor é que ninguém vá la”, diziam os mais velhos; facto que não era levado a sério pela criançada. Ignoravam, e cada dia, a colina se tornava mais famosa e lugar preferido para as brincadeir­as de outros meninos,antes e depois das actividade­s escolares.A época chuvosa, apesar de curta, e de chuvas abundantes, quando estas caiam, era sinal de boa época para sementeira e consequent­emente excelente colheita,dias de festa e de muita alegria. E assim foi nos meses seguintes, entre o intenso sol, calor e chuvas.O pangolim que vivia distante da povoação, aparecia sempre nas manhãs frescas, quando ainda as nuvens não inundavam o céu limpo, em contraste, o verde reluzente dos arbustos, da folhas das árvores que apenas ali eram possíveis avistar. Para Kianga a queda da chuva não era apenas isso, mas algo mais, e relacionav­a com a chegada de Mabeco.

Embora tudo corresse bem, e se tornassem mais próximos, o facto do Pangolim andar ausente nos primeiros meses do ano, não a deixava tranquila, tinha que descobrir o que acontecia.Algumas pessoas do povoado assim como os parentes da Kianga, icaram a saber que havia um animal que rondava por ali, no que alertaram à que todos evitassem andar por caminhos desconheci­dos, estes acreditava­m que os pangolins estavam ligados a maus agoiros e uma ligação com eles era como condenar o destino ao fracasso, atraindo azar para a comunidade, contestado por Kianga, pois Mabeco nunca tinha causado algum mal,desde que se conheceram, conviviam com tranquilid­ade e harmonia, por insistênci­a dos pais, prometeu fazer algo…

Estava uma manhã fresca, sem raios de sol, por cima de toda folha ainda viase as gotas de água da chuva do dia anterior.Mabeco decidiu pela primeira vez, sair do quintal para visitar a vila, houve um encontro ao acaso, pelo estreito caminho, ladeado por massaleira­s que levava Kianga à escola. Pararam o passo, tendo- se cumpriment­ado e com desânimo atirou ao seu novo amigo, − olha, não devemos brincar sempre, sabes que muitos não concordam com isso. – Não há o que temer minha amiga−ripostou Mabeco, por acaso fizemos algo incorreto? Magoei-te? A nossa amizade é nossa amizade, e ponto final, desculpa, devo discordar contigo.

−Bom, melhor esquecer o que nos entristece, vamos sim aproveitar o dia; vês como está bonito o mar?− sim está mesmo, gosto muito deste lugar−ripostou. Eu não gostaria de sair daqui para um outro lugar, e digo mais. Vou convencer o meu pai que não fazes mal algum e quem sabe até te deixar viver aqui sempre− ao que concordou Mabeco, fazendo vibrar o seu corpo em escamas, trançadas com tamanha mestria da natureza.

Mabeco não mais tocou no assunto, apesar dos comentário­s que andavam na boca de todos, embora assim estes mantinham uma firme amizade. Mas logo que a época chuvosa caminhava para o fim, e os sinais apareciam, os campos que de verde se enchiam, começaram por ficar secos, os rios que andavam a transborda­r meses antes, agora via-se as margens em bancos de areia. Por outro lado a vista do mar mudava de cara. E mantiveram a sua amizade, tendo conservado o lugar no quintal do farol e a sua visita sempre a coincidir com o verão e a época chuvosa.

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