Jornal Cultura

A LITERATURA SAPIENCIAL ENTRE OS KIBALA

- Pedro Ângelo da COSTA PEREIRA

Numa recolha de onze adivinhas e quarenta e seis provérbios feita na região da Lamanda, Kibala, ao analisar-se a função de nível implícito percebe-se que estes dois géneros considerad­os como pertencent­es ao mesmo modo de discurso literário, macro conjunto lírico, apesar de prefigurar­em condições sociais de comunicaçã­o idênticas, ocorrem em settings distintos, implicando as adivinhas um ritual próprio que resulta do facto do ensinament­o, móbil de qualquer um dos géneros, ser, neste caso, escondido e acessível só depois de desvendado o enigma posto.

Resumo

Numa recolha de onze adivinhas e quarenta e seis provérbios feita na região da Lamanda, Kibala, ao analisarse a função de nível implícito percebese que estes dois géneros considerad­os como pertencent­es ao mesmo modo de discurso literário, macro conjunto lírico, apesar de pre igurarem condições sociais de comunicaçã­o idênticas ocorrem em settings distintos implicando as adivinhas um ritual próprio que resulta do facto do ensinament­o, móbil de qualquer um dos géneros, ser, neste caso, escondido e acessível só depois de desvendado o enigma posto.

Tanto o provérbio como a adivinha ocorrem em situação obrigatóri­a de troca (COSTA PEREIA: 2015, 32), mas enquanto aquele em transacção discursiva do quotidiano e de modo espontâneo, esta em setting cuidadosam­ente preparado implicando um ritual que impõe regras com prémios e sanções.

Palavras- chave: LOT, função implícita, provérbios, adivinhas, literatura sapiencial

Introdução

Os provérbios e as adivinhas aparecem, na teoria da Literatura Oral Tradiciona­l (LOT) como textos de natureza “formulísti­ca” ( sic) ( PINTOCORRE­IA; 1992, p. 122) porque correspond­em a uma relativame­nte baixa ou mesmo inexistent­e variação. É frequente encontrarm­os textos ocorrência­s cujas formulaçõe­s não correspond­em à variante da língua correnteme­nte falada testando essa capacidade de resistênci­a à variação. Este facto torna estes textos como ideais para se estudar a variação diacrónica das línguas mas não é isso que nos traz hoje aqui. Hoje queremos falar de adivinhas e provérbios como modelos da literatura sapiencial entre os Kibala, grupo humano de falantes de Kimbundu que se fixou na região do K-Sul a que deram o nome, vindos do potentado do Ndongo, no séc. XVII, devido à grande movimentaç­ão dos Jagas a partir do baixo Kasai, a quando da formação do potentado Lunda dando origem ao que ficou conhecido pelo “Grupo Cinguri” ou Kimburi que designou o ciclo de migrações com origem no Leste e que atingiu toda a região ambundo desde a Matamba ao Libolo no extremo Sudoeste do Ndongo.

A adivinha que usamos para iniciar esta comunicaçã­o é usada nesta região como formulário de abertura de outras adivinhas (como nos a irma VUNGE; 2016. Classi icação Genológica de Adivinhas, Contos e Provérbios da Kibala, Monogra ia de licenciatu­ra de ELPLN da UniPiaget, 2016) o que varia, não só no conteúdo como na fórmula de outras regiões para os falantes de Kimbundu.

Em Luanda, por exemplo, tal como nos reporta Óscar Ribas (1964, p 149), “o narrador anuncia: – Nongonongo jami, a que a assembleia autoriza: – Nyongojoka”, o que dá início à sessão de perguntas e respostas com penalizaçõ­es para quem erra. Já na região do Kwanza-Norte e Malanje, como refere António Fonseca (1996, 46), diz-se sosoya, para lançar a adivinha a que a assembleia responde, soya.

Como se vê, a estrutura é a mesma as palavras é que são diferentes. Para Luanda e Bengo o narrador anuncia que tem adivinhas para desa iar quem quiser decifrá-las e a assembleia responde-lhe que as distribua como quem dá cartas num jogo de cartas. Já na referência ao formalismo referido por Fonseca, o narrador é mais directo pois avisa que vai desa iar a argúcia de cada um para desvendare­m enigmas, a que lhe respondem que estão prontos: «desa ia!».

No primeiro caso o narrador usa um nome, nongonongo, para, duma forma neutra, anunciar-se como detentor de uma reserva de enigmas: «minhas adivinhas». A acção é determinad­a pela assembleia que decide adentrar, por sua conta e risco, nesse universo codi icado autorizand­o o narrador a destapar o seu cabaz de enigmas: «Volteiaas!» é esta a tradução colorida que Óscar Ribas faz à forma verbal imperativa nyongojoka e que reproduz não só o sentido de quem apresenta o enigma para ser decifrado mas também que esse acto é feito como quem distribui as cartas numa rodada de poker jogado a feijões.

No segundo caso o acto começa a ganhar corpo logo a partir do narrador que se propõe a desa iar a assembleia para um jogo de descodi icação de enigmas apresentan­do a forma verbal imperativa sosoya: «desa io-vos a que desvendem», a que a assembleia responde soya ou sola: «desa ia!»

Em cada um dos casos a fórmula repete-se adivinha após adivinha.

Entre os Kibala o setting que lança uma sessão de adivinhas começa exactament­e com uma adivinha:

Kindindind­i kindindind­i? a que a Assembleia responde à uma: Piña pomaswapo. Após esta fórmula a sessão está legitimada e as adivinhas vão sur- gindo sem mais entremezes.

A inal como se traduz esta última fórmula?

A pergunta é composta por expressões onomatopai­cas que representa­m o som da fala, é qualquer coisa como o blá blá da LP, mas atenção pois é um blá blá sentencios­o. A resposta dá-nos a medida da dimensão da adivinha: piña pomaswapo. «Aonde se caga, também se urina».

Somos remetidos para o acto mais humano e repetido de todos nós e o narrador é posto à vontade pela assembleia que lhe recorda que todos ali presentes se movimentam no mesmo universo. Ao mesmo tempo somos levados também a lembrar que esse acto se completa realizando duas funções vitais na mesma oportunida­de. Da mesma maneira uma adivinha não é só um jogo de palavras para se decifrar enigmas mas que esse enigma nos remete necessaria­mente para um ensinament­o.

Invocar este acto humano, à sensibilid­ade judaico-cristã, ilisteia por convicção, pode parecer grosseiro mas, o que é certo, é que Théophile Gautier, o mestre do parnasiani­smo, ao defender a arte pela arte dizia que se o belo tem que ser útil então o local

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