A LITERATURA SAPIENCIAL ENTRE OS KIBALA
Numa recolha de onze adivinhas e quarenta e seis provérbios feita na região da Lamanda, Kibala, ao analisar-se a função de nível implícito percebe-se que estes dois géneros considerados como pertencentes ao mesmo modo de discurso literário, macro conjunto lírico, apesar de prefigurarem condições sociais de comunicação idênticas, ocorrem em settings distintos, implicando as adivinhas um ritual próprio que resulta do facto do ensinamento, móbil de qualquer um dos géneros, ser, neste caso, escondido e acessível só depois de desvendado o enigma posto.
Resumo
Numa recolha de onze adivinhas e quarenta e seis provérbios feita na região da Lamanda, Kibala, ao analisarse a função de nível implícito percebese que estes dois géneros considerados como pertencentes ao mesmo modo de discurso literário, macro conjunto lírico, apesar de pre igurarem condições sociais de comunicação idênticas ocorrem em settings distintos implicando as adivinhas um ritual próprio que resulta do facto do ensinamento, móbil de qualquer um dos géneros, ser, neste caso, escondido e acessível só depois de desvendado o enigma posto.
Tanto o provérbio como a adivinha ocorrem em situação obrigatória de troca (COSTA PEREIA: 2015, 32), mas enquanto aquele em transacção discursiva do quotidiano e de modo espontâneo, esta em setting cuidadosamente preparado implicando um ritual que impõe regras com prémios e sanções.
Palavras- chave: LOT, função implícita, provérbios, adivinhas, literatura sapiencial
Introdução
Os provérbios e as adivinhas aparecem, na teoria da Literatura Oral Tradicional (LOT) como textos de natureza “formulística” ( sic) ( PINTOCORREIA; 1992, p. 122) porque correspondem a uma relativamente baixa ou mesmo inexistente variação. É frequente encontrarmos textos ocorrências cujas formulações não correspondem à variante da língua correntemente falada testando essa capacidade de resistência à variação. Este facto torna estes textos como ideais para se estudar a variação diacrónica das línguas mas não é isso que nos traz hoje aqui. Hoje queremos falar de adivinhas e provérbios como modelos da literatura sapiencial entre os Kibala, grupo humano de falantes de Kimbundu que se fixou na região do K-Sul a que deram o nome, vindos do potentado do Ndongo, no séc. XVII, devido à grande movimentação dos Jagas a partir do baixo Kasai, a quando da formação do potentado Lunda dando origem ao que ficou conhecido pelo “Grupo Cinguri” ou Kimburi que designou o ciclo de migrações com origem no Leste e que atingiu toda a região ambundo desde a Matamba ao Libolo no extremo Sudoeste do Ndongo.
A adivinha que usamos para iniciar esta comunicação é usada nesta região como formulário de abertura de outras adivinhas (como nos a irma VUNGE; 2016. Classi icação Genológica de Adivinhas, Contos e Provérbios da Kibala, Monogra ia de licenciatura de ELPLN da UniPiaget, 2016) o que varia, não só no conteúdo como na fórmula de outras regiões para os falantes de Kimbundu.
Em Luanda, por exemplo, tal como nos reporta Óscar Ribas (1964, p 149), “o narrador anuncia: – Nongonongo jami, a que a assembleia autoriza: – Nyongojoka”, o que dá início à sessão de perguntas e respostas com penalizações para quem erra. Já na região do Kwanza-Norte e Malanje, como refere António Fonseca (1996, 46), diz-se sosoya, para lançar a adivinha a que a assembleia responde, soya.
Como se vê, a estrutura é a mesma as palavras é que são diferentes. Para Luanda e Bengo o narrador anuncia que tem adivinhas para desa iar quem quiser decifrá-las e a assembleia responde-lhe que as distribua como quem dá cartas num jogo de cartas. Já na referência ao formalismo referido por Fonseca, o narrador é mais directo pois avisa que vai desa iar a argúcia de cada um para desvendarem enigmas, a que lhe respondem que estão prontos: «desa ia!».
No primeiro caso o narrador usa um nome, nongonongo, para, duma forma neutra, anunciar-se como detentor de uma reserva de enigmas: «minhas adivinhas». A acção é determinada pela assembleia que decide adentrar, por sua conta e risco, nesse universo codi icado autorizando o narrador a destapar o seu cabaz de enigmas: «Volteiaas!» é esta a tradução colorida que Óscar Ribas faz à forma verbal imperativa nyongojoka e que reproduz não só o sentido de quem apresenta o enigma para ser decifrado mas também que esse acto é feito como quem distribui as cartas numa rodada de poker jogado a feijões.
No segundo caso o acto começa a ganhar corpo logo a partir do narrador que se propõe a desa iar a assembleia para um jogo de descodi icação de enigmas apresentando a forma verbal imperativa sosoya: «desa io-vos a que desvendem», a que a assembleia responde soya ou sola: «desa ia!»
Em cada um dos casos a fórmula repete-se adivinha após adivinha.
Entre os Kibala o setting que lança uma sessão de adivinhas começa exactamente com uma adivinha:
Kindindindi kindindindi? a que a Assembleia responde à uma: Piña pomaswapo. Após esta fórmula a sessão está legitimada e as adivinhas vão sur- gindo sem mais entremezes.
A inal como se traduz esta última fórmula?
A pergunta é composta por expressões onomatopaicas que representam o som da fala, é qualquer coisa como o blá blá da LP, mas atenção pois é um blá blá sentencioso. A resposta dá-nos a medida da dimensão da adivinha: piña pomaswapo. «Aonde se caga, também se urina».
Somos remetidos para o acto mais humano e repetido de todos nós e o narrador é posto à vontade pela assembleia que lhe recorda que todos ali presentes se movimentam no mesmo universo. Ao mesmo tempo somos levados também a lembrar que esse acto se completa realizando duas funções vitais na mesma oportunidade. Da mesma maneira uma adivinha não é só um jogo de palavras para se decifrar enigmas mas que esse enigma nos remete necessariamente para um ensinamento.
Invocar este acto humano, à sensibilidade judaico-cristã, ilisteia por convicção, pode parecer grosseiro mas, o que é certo, é que Théophile Gautier, o mestre do parnasianismo, ao defender a arte pela arte dizia que se o belo tem que ser útil então o local