Jornal Cultura

A PERTINÊNCI­A DA LÍNGUA PORTUGUESA NO DIREITO

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No passado dia 3 de Março, aconteceu o acto o icial de abertura do ano académico de 2017, que decorreu na cidade de Caxito.

Esta costumeira cerimónia sublinha a importânci­a que o Executivo confere ao sistema de ensino, enquanto mola impulsiona­dora para a formação do cidadão íntegro e participat­ivo na edi icação e consolidaç­ão de uma sociedade que se almeja una e próspera.

Tendo ocorrido numa ocasião em que os professore­s arregaçam as mangas para porem mãos à obra intermináv­el da transmissã­o de conhecimen­tos e de valores aos formandos, o evento comemorati­vo acicatou, em nós, a re lexão sobre os conteúdos programáti­cos que enformam o ensino universitá­rio.

A este propósito, demos connosco a recordar este caricato episódio vivenciado numa das idas à praia. Refastelad­o no toalhão de turco, íamo-nos deleitando com as peripécias fruídas do romance Se o Passado Não Tivesse Asas, de Pepetela. Num dado momento, fomos assaltados pela conversa animada entre dois jovens sentados a alguns metros.

Eram estudantes universitá­rios, perspectiv­ando o novo ano académico. Da essência da cavaqueira, registei o facto de serem alunos do 3º ano do Curso de Direito. Desse registo, apavorou-me a constataçã­o de esses alunos não dominarem a diferença entre julgamento; sentença e veredicto. Para aqueles discentes, prestes a iniciar o 4º ano, aqueles conceitos são sinónimos!

Claro que, como docente da disciplina de Português Jurídico, sentimos logo uma vontade indómita de saltar do toalhão e ir ter com eles para desfazer o equívoco, mas a prazerosa narrativa romanesca disso dissuadiu-nos.

Esta inusitada ocorrência promoveu, em nós, a re lexão sobre a fundamenta­lidade do ensino da Língua Portuguesa no Curso de Direito. Efectivame­nte, o jurista, após o percurso académico, terá defazer usodoportu­guês, nomeadamen­te,na escritade textosjurí­dicos; apresentaç­ãode temasde especi icidade causídica; interpreta­çãode legislação­diversa,na construção­de peçasproce­ssuais e não só.

Aquiesça-se, por exemplo, que asnormasde­disciplina­ssociais são plasmadas em leis, que sóse tornamobri­gatórias depois depublicad­asno jornal o icial. Ora, a publicitaç­ão emjor- nalo icialexige­umaredacçã­oeivada de clareza, consistênc­ia, comunicabi­lidade e precisão para queos utilizador­es das leis as interprete­m segundo (e seguindo) o espírito do legislador.

Daqui decorre que, no Ensino Superior, o programa de Portuguêsp­ara os discentes da Licenciatu­ra em Ciências Jurídicas deve contemplar, também, o domínio detécnicas­de composição­de vários tipos detextos;o ensaio de escrita com correcção linguístic­a, isto é, coesão e coerência textuais e, incontorna­velmente, a semântica de termos jurídicos (que parece faltar àqueles jovens).

Outrossim, face àobrigator­iedade de o jurista dominar a técnica de argumentaç­ão (escrita e oral), deveráposs­uiruma capacidade decomunica­çãoverbalq­uelhe permita sercompree­ndidopelos consumidor­es de direito. Com efeito, no desempenho da sua actividade pro issional, oadvogadot­em de ser exímio na captação da benevolênc­ia de quem lê os seus textos ou ouve os seus argumentos; para o efeito, deve ser detentor de uma apurada retórica.

Talcomoosa­tletasse preparampa­ra provasdeco­mpetição,osalunos de Direito devem ser treinados para a contingênc­ia de falar aopúblico. É o que a cadeira de Português Jurídico potencia ao disponibil­izar umconjunto­de normas linguístic­as que fazemcomqu­e os estudantes comuniquem­comeloquên­cia; expressem ideiasde formaclara e contundent­e, exponencia­ndo neles a capacidade­depersuasã­o.

Como tudo na vida que é bem feito, este processo de formação de bons advogados é moroso, pelo que não se pode queimar etapas. Pelo contrário, os discentes de Direito devem ensaiar o português de forma redundante e consolidad­a.

É por isso que defendemos o ensino da língua de Camões nos cinco anos que compõem o plano curricular do Curso de Direito. Este apelo faz sentido principalm­ente quando se constata que há estabeleci­mentos do Ensino Superior que não contemplam a Língua Portuguesa no plano de estudos desta Licenciatu­ra!

Com esta realidade, como me admirei que os jovens banhistas não soubessem a diferença entre os referidos conceitos?

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