POEMAS DE MÁRIO QUINTANA
Recordo ainda…
VIII (Para Dyonelio Machado)
Recordo ainda… e nada mais me importa… Aqueles dias de uma luz tão mansa Que me deixavam, sempre, de lembrança, Algum brinquedo novo à minha porta…
Mas veio um vento de Desesperança Soprando cinzas pela noite morta! E eu pendurei na galharia torta Todos os meus brinquedos de criança…
Estrada afora após segui… Mas, ai, Embora idade e senso eu aparente Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente! Sou um pobre menino… acreditai… Que envelheceu, um dia, de repente!
Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las… Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!
As mãos de meu pai
As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já da cor da terra - como são belas as tuas mãos pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos… Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predilecta, uma luz parece vir de dentro delas… Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo, como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento? Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos! E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas… essa chama de vida – que transcende a própria vida… e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.
Mario Quintana nasceu em 1906, na noite muito fria de 30 de Julho, na cidade de Alegrete, Rio Grande do Sul.
Obras publicadas: A Rua dos Cataventos, Canções, Sapato Florido, Espelho Mágico, O Aprendiz de Feiticeiro, A Vaca e o Hipogrifo, Esconderijos do Tempo, Pé de Pilão, poesia infanto – juvenil. Na Introdução de Erico Veríssimo, lê-se: “…Descobri outro dia que o Quintana na verdade é um anjo disfarçado de homem. Às vezes, quando ele se descuida ao vestir o casaco, suas asas icam de fora. (Ah! Como anjo seu nome não é Mário e sim Malaquias)…”.
Publicou ainda Baú de Espantos, Da Preguiça Como Método de Trabalho, colectânea de crónicas, Preparativos de Viagem, caderno de con idências, re lexão do poeta sobre o mundo, Porta Giratória, escritos em prosa, sobre o quotidiano, a infância, a morte, o amor e o tempo, A Cor do Invisível e Velório sem Defunto.
Falece no dia 5 de Maio de 1994.