Jornal Cultura

CALOU-SE UMA DAS VOZES DE ANGOLA Um epitá io para Antero de Abreu

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Morreu Antero de Abreu. Pessoalmen­te não o conheci, mas os seus poemas ainda estão aqui para mostrar a toda uma geração vindoura, os sonhos de quem lutou ferrenhame­nte pela sua Pátria. Se no esquecimen­to dos anos esteve por muito tempo, com a sua morte voltamos a lembrar boa parte dos seus escritos, a inal, como escreveu em “Lamentação” “deixarei um rasto de desilusões;/ Um caminho de lágrimas choradas;/ Um pouco do que fui em cada dia./ Mas icarei seguro e a irmado,/ Com a serenidade dum Buda na loresta”.

Mas para os poucos que o conheceram, mesmo que vagamente, o seu trabalho, o melhor é lembrar o “grande homem” que foi: o sonhador e altruísta disposto a lutar pelos seus a qualquer custo e o defensor da lei. O Estado angolano já expressou o seu pesar por um dos seus ilhos ilustres, a União dos Escritores Angolanos também o fez, a inal, além de ser um membro, foi um dos fundadores da instituiçã­o.

Para o poeta que via “o que ninguém mais vê” e “coisas que ninguém descobre”, na sua “Canção da Primavera”, é preciso deixar uma homenagem por todo o seu trabalho, na literatura ou no domínio das leis, que elevou o espírito de conquista e de determinaç­ão em cada um, com a sua poesia.

“De terra e nervos, eis de que sou feito,/ Porque homem sou, homem simplesmen­te”. Sim, Antero Alberto Ervedosa de Abreu foi um homem, um destes que vemos como poucos, mas já tivemos muitos e ainda os teremos. O seu “Canto Anónimo” hoje é, e se ainda não for deve ser, um símbolo para todos, em especial os jovens.

Como não o conheci pessoalmen­te, espero que tenha vivido os seus 90 anos como quis e sonhou, porque para alguém que lutou para a independên­cia da sua terra natal e a viu se materializ­ar, a utopia é fundamenta­l. “Quero para mim a vida, vivê-la inteiramen­te./ E vós, estrelas, sabei isto que sei:/ De terra e nervos, eis de que sou feito./ E seja ou não o abismo imenso,/ Eu, homem, homem simplesmen­te,/ conquistar- vos- ei...”. Espero que o tenha feito e como escreveu com os punhos erguidos.

Se enquanto estudante, o seu empenho icou marcado como dirigente da Casa dos Estudantes do Império, como jurista, no cargo de primeiro Procurador-Geral da República de Angola, então como escritor está em cada um dos seus poemas, que criados para sua própria época espalhavam um pouco da realidade social do país, antes e depois da independên­cia.

“Das mentiras loucas que me envolvem/ Vou quebrando os liames um a um/ E da angústia da libertação/ Nascerá um dia a paz/ Do ser e do não ser./ Das mentiras vãs que me amordaçam/ Os véus arrancarei a um e um/ Tristes despojos dum passado velho/ Que em mim se quis perpetuar”. Quando escreveu em 1948/1949, “Libertação”, o escritor preparava as pessoas para o futuro e mostrava a importânci­a de se quebrar as amarras do jugo colonial.

A realidade da época, em que os natos eram descrimina­dos, apenas ajudou a moldar o seu carácter. As críticas foram constantes, assim como o seu interesse em defender os seus e o projecto de Nação livre e independen­te.

As suas chamadas de atenção estão expressas em vários poemas, como “Aqui não há Esperança”, onde deixa claro que era preciso combater o colonialis­mo. “O que se vê são sombras não as árvores/ São imagens não as coisas/ … Sente-se o decompor dos corpos mortos/ E a cada passo - uma barreira/ E a cada luz - um véu de trevas/ … Na luta somos desiguais/ … Aqui tudo é dúbio e vacilante/ … Tudo o que se come tem sabor a mastigado/ Tudo o que se ouve é como já ouvido/ O presente é um fruto descascado/ E o futuro é um canto repetido/ … Tudo aqui é derrota sem batalhas/ … E não nos dêem uma alma/ Para que sobreviva.”

Perdemos o homem, mas icou o legado. Uma herança repleta de esperança e de sonhos, que precisa de ser mais divulgada, de forma a deixar claro os feitos de toda uma geração, como a de 50 e 60, que criou os moldes e as condições para hoje vivermos num país independen­te.

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