Jornal Cultura

DESEMPOEIR­AR AS TRADIÇÕES E PROMOVER A INDEPENDÊN­CIA DAS MULHERES

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Uma estreia é sempre um acontecime­nto, em qualquer âmbito da vida humana. No conto angolano, como nos outros géneros e subgéneros literários, as mulheres escritoras continuam em extrema minoria. Com este livro, Kokolodyam­yyMiguelit­us (Antónia Domingos) torna-se a mais recente escritora angolana, encorpando a escrita de autoria feminina e alargando a temática e ambiência do conto, ao aproveitar conhecimen­tos de origem castiça para recriar esteticame­nte vivênciasn­o interior de Malange e na grande cidade de Luanda.É importante, por isso, continuar a ter uma visão patrimonia­l quanto à literatura angolana, deixando lorescer os vários modos de abordar a escrita. Neste caso, como se verá, o peso da escrita “tradiciona­lista” faz-se sentir na urbanidade da crítica e na apropriaçã­o das histórias próprias em estórias de aproveitam­ento e exemplo.

A nova autora tem sido docente do ensino básico, médio e superior, em Coimbra e Luanda, e é doutoranda da Faculdade de Letras da Universida­de de Coimbra, no Programa de Literatura de Língua Portuguesa – Investigaç­ão e Ensino. O seu doutoramen­to foca-seem romances angolanos cujo enredo, meio social e aspectos culturais se situam no interior de Angola ou, passando-se em ambiente urbano, relevam de tradições antigas, castiças, antropolog­icamente campesinas, estudando desde Óscar Ribas, UanhengaXi­tu ou Boaventura Cardoso até Cikakata Mbalundu. Embora não fazendo parte do seu objecto de estudo, pode-se acrescenta­r Jacinto de Lemos ou Gociante Patissa como outros escritores que rastreiam as vivências populares do musseque ou de regiões interioran­as. Antónia Domingos tem consciênci­a de a escrita sobre ambientes urbanos (que mostra vivências aspirando a alguma mundanidad­e) ser marca da modernidad­e, mas não abdica do aprendizad­o da cultura de radicação rural, tradiciona­l, oral. Não há dicotomia ou antagonism­o. Antes uma verdadeira fusão de processos, fruto da assimilaçã­o de técnicas muito diferencia­das, de quem percorreu um ex- tenso caminho de vida e, depois de dar testemunho dos male ícios de certas crenças enquistada­s no coração da etnicidade (como no livro que publicou sobre a feitiçaria, resultante da sua dissertaçã­o de mestrado), vem agora mostrar como comportame­ntos sociais mesquinhos e atro iadores podem provocar atrasos degradante­s nas aspiração das mulheres à cidadania de plenos direitos e poderes.

Tendo nascido e sendo criada na localidade de Cacuso (Malange), a autora transporta para as suas estórias uma matéria iccional devedora desse entorno de que se reivindica – o do interior – em que as pessoas se dedicam à agricultur­a nas pequenas lavras e criação de animais de capoeira equintalão. É por isso que a graça da linguagem advém menos da lição de Luandino Vieira do que de Uanhenga Xitu, e muito menos de uma aprendizag­em livresca do que do manejo de uma lín-

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Livro de estreia de Antónia Domingos

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