DIONÍSIO ROCHA NA TRIENAL UMA VÉNIA TARDIA MAS MERECIDA
Uma chave de ouro para uma das iguras incontornáveis da música angolana. Assim se pode de inir a homenagem, que já tardava, da organização da III Trienal de Luanda ao músico Dionísio Rocha. Momentos únicos que justi icaram a escolha do artista para o encerramento do ciclo de homenagens do mês de Julho.
Músico, investigador, promotor e agente cultural, Dionísio Rocha é um dos nomes de referência das artes angolanas. Para tal, o artista decidiu não decepcionar o público e os deu o melhor das suas criações. Com Joy Artur e Nicinha Rocha, a sua ilha, Dionísio Rocha justi icou, pela recepção positiva da audiência, ter sido o indicado para completar o trio de “grandezas” de Julho do projecto, que já levou ao palco da Trienal o “rei” Elias dya Kimuezo e Carlos Lamartine.
Na proposta que apresentou ao público que acorreu ao Palácio de Ferro no dia 28, sexta-feira passada, Dionísio Rocha abriu o espectáculo com “Luandos ao Luar”, acompanhado por Miguel Correia na percussão, Romão Teixeira na bateria, Masoxi Kim na dicanza, Xico Madne e Nino Groba nos teclados, Quintino na viola ritmo, Mias Galheta na viola baixo, Tedy Nsingui na guitarra solo e coros de Mister Kim, Beth Tavira e Dorgan Nogueira.
Apesar do ritmo contagiante, proporcionado pelos instrumentistas, era o homenageado que ao soltar a voz ganhava mais a admiração do público. “Casacos de Fardo”, com as memórias do Marçal, “Madi Madi”, tema em kimdundu que dispensa apresentações, “Lamento 1970”, sobre a situação política antes da independência, foram os escolhidos antes da pausa.
Depois da Banda Movimento ter feito o público dançar com “Ngana António”, Dionísio Rocha regressou ao palco para brindar o público com “Mamã Negra”, “Eu Quero Mar” e “Mulher Angolana”, este último acompanhado por Nicinha Rocha, que também deu voz ao registo “Ai Compadre”, levando o público a levantar-se e a arriscar toques de dança.
Após o frenesim, nova pausa. Minutos depois o homenageado volta ao palco e dá aos fãs “Minha Cidade”, um samba-canção à nossa maneira, “Pemba Laka”, um registo folclore, “Xico Mocito Negro” e “Wábetele Wanguibetele Kiá”, a última da noite.
A VOZ E O PERCURSO
“Nunca é tarde para homenagear alguém e mais vale tarde do que nunca. São muitos anos de trabalho árduo. Portanto, não é pura vaidade, mas sim mérito próprio. Hoje, de certa forma, tardam as homenagens, as considerações e outros respeitos e vénias que de facto não são sentidos aos que muito izeram pela música angolana. Agora, de repente um grupo de amigos recordou o que venho fazendo há muitos anos, ao que agradeço à equipa da trienal”, destaca Dionísio Rocha.
Com 65 anos de carreira musical, o artista chama atenção para a importância de um músico explorar mais as expressões nas suas exibições, não só através da letra, mas também do gesto.
Dionísio Rocha, autor de “Muconda Lemba”, “Semba Sambado”, “Cidade Linda”, “Mulher Angolana”, “Rumba Negra” e o dançante “Pemba Lata”, é natural de Benguela, onde deu os primeiros passos no mundo da música.
Na terra das “acácias rubras” fez parte do grupo infantil “Ngola Estrela de Benguela”. Em Luanda, aos 11 anos, ingressou no “Bota Fogo”, depois “Os Kimbandas do Ritmo” e “Os Negoleiros do Ritmo” e mais tarde apostou na carreira individual. “Luandos ao Luar” (2000) e “Mulher Angolana” (2013) são os seus trabalhos publicados a solo.
Como integrante dos Negoleiros do Ritmo, participou no single “Ai Compadre” (1964) e em temas como “Riquita”, “Mukonda Diá Lemba” e “Minha cidade”. Em 2006, o conjunto grava o CD “Sei que Queres Partir”. Ao longo da sua carreira trabalhou com nomes de referência da música angolana, da sua e outras gerações, com destaque para Carlitos Vieira Dias, Ru ino Cipriano, Eduardo Paim, Betinho Feijó, Zé Fininho e Esaú Baptista.
DEPOIMENTOS
No inal, a satisfação era visível no rosto de todos, artistas convidados e público. Para Nicinha Rocha “foi uma homenagem merecida”. “Como ilha e fã é sempre uma honra estar ao seu lado. Hoje se notou uma coisa diferente, talvez por ser uma homenagem individual. Ele continua o mesmo, não mudou muito em palco nem como pessoa nestes anos todos de convivência enquanto músico e igura ligada aos meios de comunicação social”, disse.
Dionísio Jr., ilho do homenageado, acrescenta que foi um gesto certo da III Trienal lembrar os feitos do seu pai e em boa hora, porque já tem mais de 60 anos de carreira. “Foi um show que correspondeu as expectativas, apesar de ser apenas em uma hora. Agora precisamos é de empresários quem invistam mais em músicos com potencial”, convida.
JULHO NA TRIENAL
Com voz e violão, Ângelo Boss foi uma das surpresas deste mês da Trienal de Luanda. Sábado e pela primeira vez naquele espaço, o músico recriou os sucesso que ao longo de décadas o tornaram um dos nomes de referência do mercado nacional.
Embora pouco visto nos palcos nacionais, Ângelo Boss provou que ainda consegue encantar os fãs, em temas como “Paula Sexy”, “Big Boss”, “Gato Preto”, “Kimbo Kuia”, “Cupido” e “Bebedeira”. Apesar de alguns temas terem sido interpretados com violão, o músico foi acompanhado noutros por Mayo Snake (teclado), K.D ( guitarra baixo), Yarke Spin ( guitarra solo), Dalú Rogée (percussão), Sílvio Nascimento “Vivito” (dikanza), Dorgan Nogueira e Betty Tavira (coros).
Outra referência do mês é o encerramento do projecto “Música Angolana”, que icou sob a responsabilidade do grupo Kamba Dya Muenho, que na quinta-feira última, dia 27, terminou em grande uma iniciativa de três meses.
Desde a sua ciração, em Maio, participaram no projecto, além do Kamba Dya Muenho, os grupos Kituxi, Nguami Maka e Semba Muxima. O objectivo foi resgatar e valorizar mais a música de raiz. Os espectáculos eram realizados todas as quintas-feiras, de forma que este segmento musical alcançasse, não apenas o seu público, mas também uma plateia menos familiarizada com esta rítmica.
Lutuima Sebastião (hungo, puíta e voz), Agostinho António (ngoma solo), Martinho Fernando (dikanza), Manuel Cariongo (ngoma base) e António Nunes (mukindo) foram os protagonistas do concerto, que se centrou nos álbuns “ITA” (1996), “Kangoia” (1998) e “Ua Jiza” (2004).
Além da música, o palco da Trienal também foi marcado este mês pelo teatro, que ganhou vida no “frio do cacimbo” com as actuações de vários grupos. Um dos destaques foi o Núcleo Artes Pitabel, que apresentou, na quinta-feira última, o drama “O Preço do Fato II”, a sequência da peça “O Preço do Fato”, espectáculo que já tem mais de dez anos.
VALORIZAR A MEMÓRIA
No inal do espectáculo, com o público a deixar o espaço, começa a incerteza de quem durante meses foi a Trienal de Luanda assistir a conceituados e novos nomes da música angolana mostrarem o seu melhor.
Com estes últimos “suspiros” da Trienal ica a preocupação de que poderemos voltar ao vazio de uma quase total falta de memória da música angolana feita até antes da década de 90.
O projecto, criado exactamente para acudir que grandes da música angolana icassem fora de um circuito de inclusão como tem sido a trienal, por Sindika Dokolo, Fernando Alvim e Marita Silva, que não mediram esforços nem tão pouco pouparam bolsos ao de inir, a nível da música, para estas homenagens darem “vida” ao slogan “resgatar a memória”.
O objectivo era claro: Dar à juventude a oportunidade de reaprender o seu conceito de música angolana.