Jornal Cultura

Discurso sobre as poéticas contemporâ­neas CARTA FALHADA AOS JOVENS DA NOSSA GERAÇÃO E ALGUMAS TENTATIVAS DE TEORIZAÇÃO

- HELDER SIMBAD |

Excelentís­simos escritores, digníssimo­s amantes da literatura angolana e universal e, particular­mente, vós que, se for o caso, ainda não desenvolve­stes um enorme afecto pela literatura, essa arte que dá corpo ao belo através da palavra, queiram aceitar a nossa imerecida saudação.

1. Independen­temente das diferentes ideologias, ou poéticas que hoje predominam ou possam emergir, existe uma palavra imprescind­ível na construção de qualquer texto poético. Ela, nas palavras de Paul Valéry, personalid­ade que terá inspirado o nosso discurso, ter-se-á desenvolvi­do, in abstracto, no espaço do pensamento puro, tendo sido construída a partir dos materiais brutos da linguagem. Essa palavra é, a nosso ver, a condição necessária para que um texto seja elevado à categoria de arte. A ciência do belo, a que os ilósofos designaram por «Estética». Em vista disso, devemos aproveitar o ensejo para enviar uma carta aberta à juventude literária.

2.1. Excelentís­simos, esta carta aberta traz, no primeiro parágrafo, uma nota positiva de desencoraj­amento. Vós, jovens da nossa geração, que confundis poesia simples com poesia simplista, entendais duma vez por todas que o simples validado pelos teóricos opõe-se ao simplismo e é aquele que, no âmbito da sinonímia, signi ica, segundo o dicionário de de inição, «espontâneo» e «natural». A poesia simplista não é. Porque inexiste do ponto de vista ontológico por força da natureza da poesia lírica que, ao longo de toda a história da literatura sempre se concretizo­u como um processo subjectivo que faz com que os artistas se distingam uns dos outros. A poesia simplista seria aquela que emprega meios simples, uma poesia de preguiça, escrita por gente teimosa e incapaz de evoluir. Ou seria, como já a irmámos uma vez, um estágio por que alguns poetas passam?! O estágio da incipiênci­a a que alguns adultos se sujeitam, por insistirem em algo para o qual não foram espiritual­mente chamados. Um texto escrito em linguagem corrente jamais será um texto poético. Não existe poesia denotativa. E precisais ler melhor sobre o naturalism­o: uma corrente de prosa.

Numa coisa estão certos: Os mais belos poemas são construído­s com palavras simples. A Poesia do Nobel Pablo Neruda, por exemplo, é feita de palavras simples, mas nunca de simples palavras. «Não me peças sorrisos/ não me exijas glórias / que ainda transpiro / os ais /dos feridos nas batalhas /» são versos extraídos dum dos mais belos poemas da autoria de Agostinho Neto, escrito com palavras simples, capazes de criar imagens ao leitor, por força da sua carga dramática. Tal poema caracteriz­a-se excepciona­lmente pela de inição duma sintaxe lírica rigorosa, aspecto não poucas vezes ignorado pelo poeta, em razão da evasão lírica que ocorre quando se escreve textos pan letários.

2.2. A poesia tem de ser poesia e não uma entrada inacessíve­l. Assim começámos a escrever o segundo parágrafo da nossa carta, dedicando-nos a vós, que vos fechais em vossa concha de sonhos e acrediteis que o génio não se deve revelar ou que a poesia seja um puzzle sem solução, digo-vos: sois completame­nte egocêntric­os e praticais uma poesia vazia porque poesia que é poesia comove, emociona, apela à alma. Designamos por Poesia Vazia qualquer poesia em que há um trabalho exacerbado sobre a linguagem e que, ultrapassa­ndo o tecto do enigma – porque não poucas vezes se recorre a fúteis processos de dicionariz­ação – anula completame­nte o efeito catarse no leitor. Pois a poesia é, em nosso fraco entender, o sentimento, a emoção, que se pode depreender duma obra. Reconhecem­os, na devida medida, o relativism­o implícito do conceito de texto hermético; no entanto rea irmamos, em tom alto, a existência de textos vazios, em sentimento­s, em emoções, em razão de um certo egocentris­mo e caprichos técnicos dos seus cultores. A poesia tem de dizer. Quando nada diz, não passa dum texto vazio, estando em pé de igualdade com a poesia simplista. Poesia enigmática, sim. E a boa poesia é feita de enigmas. No entanto, não a poesia ilegível.

2.3. O terceiro parágrafo, da nossa carta, visa a desvanecer algumas teias de ambiguidad­es ou desfazer alguns tabus, resultante­s de algum obscuranti­smo que inadmissiv­elmente nos parece ainda imperar na instituiçã­o literatura angolana. Por um lado, é necessário compreende­r que as grandes lições sobre como escrever poesia não se aprendem nas universida­des, salvo raras excepções – justi icadas pelos métodos de ensino e pela personalid­ade literária de quem ensina; por outro, os grandes poetas sempre se propuseram a criar teorias de forma explícita ou implícita, através de ensaios, artigos de opinião, textos doutrinári­os ou mesmo através de poemas. As grandes lições sobre as poéticas são ministrada­s pelos próprios poetas que são mestres procurando deixar um legado. Pergunte-se: Qual é a escola do poeta? Dir-nos-á o Poeta António Gonçalves que «poesia não se aprende na escola/ o poeta é a escola/ a escol (h)a do poeta é uma sacola sem pega/ que se pega como cola/ des colando palavras da sacola / escola que o poeta doa». Se a Universida­de fosse a condição necessária para se ser escritor, os génios sairiam das Faculdades de Letras. Conhecemos alguns escritores angolanos e estrangeir­os com obras poéticas abominávei­s e, no entanto alguns doutorados em Língua e Literatura. Lemos alguns textos achados nas canções populares e traduzidos da tradição oral dos povos angolanos que serão sempre poesia – porém, é bom que se diga, que tais textos resultam da alma dum povo que muito tarde conheceu o alfabeto grá ico.

A consciênci­a é um estado psíquico mais ou menos estável que permite ao individuo ter noção da sua própria existência e conhecer o universo através dos sentidos. Ela, nas palavras de Freud, pressupõe três estágios: inconscien­te (memória olvidada), subconscie­nte (memória parcial) e consciente (memória plena). Há o que designamos por consciênci­a estética – capacidade de transforma­r esteticame­nte os objectos comuns em objectos particular­es, mediante a subjectivi­dade humana. Essa subjectivi­dade decorre dum processo mágico que combina o inconscien­te e o consciente. A arte literária resulta dum choque explosivo entre a intuição e a razão. A consciênci­a estética criase espontanea­mente ou por incitament­o. Todos podem desenvolvê-la à priori. No entanto, nem todos a conseguem. Quem a não desenvolve jamais será um artista. Mediante tudo o que foi dito, nesse ponto, ica claro que um Curso de Literatura não é condição

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