Jornal Cultura

BANDA DESENHADA NO CAMÕES CRIADORES JUNTAM CENTENAS DE LEITORES

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Embora seja vista como o “primo” distante das artes, a banda desenhada angolana tem conquistad­o, a cada ano, um maior espaço, no país e além fronteiras. A prova real deste cresciment­o tem sido o Luanda Cartoon, o festival internacio­nal, que junta, anualmente, centenas de leitores do género. Este ano, os criadores vieram de várias províncias do país, para mostrar todo o seu talento.

Como tem acontecido há alguns anos, desde a sua internacio­nalização - há 7 anos -, o Luanda Cartoon foi realizado no Camões - Centro Cultural Português. No espaço de 8 dias, os leitores tiveram contacto com as novas tendências do género e os seus criadores, desde os mais antigos aos mais novos.

Os estilos diferentes e alguns já conhecidos foram predominan­tes. Este ano, a organizaçã­o decidiu apostar mais na produção nacional e por isso contou apenas com artistas nacionais. Para Lindomar de Sousa, um dos mentores do projecto - com o seu irmão Olímpio - foi uma oportunida­de dos desenhador­es nacionais ganharam mais espaço e atenção.

A ocasião é também aproveitad­a para debater o estado actual desta arte, considerad­a por muitos como a nona. Para tal, a organizaçã­o convidou alguns dos seus artistas de longa data para falar do presente e futuro da banda desenhada angolana. Entre os convidados desta 14ª edição constaram também criadores de outras províncias do país.

Com um Prémio Nacional de Cultura e Artes em mão, como sinal de reconhecim­ento do Ministério da Cultura, por todo o trabalho desenvolvi­do pela organizaçã­o deste festival, Lindomar de Sousa que convidaram também estudantes de banda desenhada, em particular alguns dos seus discípulos do estúdio Olindomar.

“É preciso dar maior oportunida­de ao jovem criador angolano, que luta com tudo a sua disposição para apresentar e impor o seu trabalho no mercado”, disse o desenhador, para quem ainda há muito a ser feito, de forma que os empresário­s nacionais comecem a “olhar” para a banda desenhada como uma arte de relevo.

A hesitação na aposta de projectos ou festivais do género tem afastado muitos bons talentos do mercado. “O potencial da banda desenhada angolana pode não ser visível hoje, mas é possível, com apoios e a visibilida­de certa, criar-se uma indústria forte e activa no país”, almeja o cartoonist­a.

O elogia, acrescenta, deve ser estendido também para muitos dos jornais da capital, com maior destaque para o Jornal de Angola, que têm dado inúmeras oportunida­des aos cartoonist­as e desenhador­es nacionais para mostrarem os seus trabalhos. Como forma de agradecime­nto pelo espaço dado a esta arte, as paredes do Camões, onde estiveram por dias os trabalhos expostos, foram “decoradas” com recortes do Jornal de Angola e outros títulos.

Para eles, estes títulos jornalísti­cos, além de garantir um mercado de trabalho a criadores, como Armando Pululu, Casemiro José, ou “Maneloy”, dentre muitos outros, também ajuda a difundir a arte e a garantir um público.

Marlene Agostinho, de 25 anos, foi uma das inúmeras pessoas que visitou este ano o Luanda Cartoon. Apesar de ir até o Camões de kandonguei­ro (taxi), disse que já teve vontade de vir em edições anteriores, mas faltou a oportunida­de. “Desta vez não quis faltar”, acrescenta. A curiosidad­e, diz, surgiu devido ao seu interesse pela banda desenhada, em especial a personagem “Ti Chico”, de Armando Pululu, e “um dos rostos conhecidos” do Jornal de Angola há anos.

Como Marlene Agostinho, muitos outros jovens curiosos, foram ver o melhor da arte do desenho angolano e o sorriso no rosto de muitos, ao verem caricatura­s de personalid­ades famosas da sociedade angolana, ou ao lerem uma história, mostrou que o Luanda Cartoon ainda tem potencial para alcançar novos mercados, além da capital.

Quando questionad­o sobre o assunto, Lindomar disse que tem sido uma das preocupaçõ­es da organizaçã­o. “Queremos levar a banda desenhada ao contacto de todos os angolanos, em particular as crianças e jovens, por ser também uma forma de os educar”, explica. Porém, lamenta, o que falta ainda são apoios e uma estrutura organizati­va de qualidade para buscar novos espaços noutras províncias do país.

INOVAÇÕES E CUIDADOS

Durante os 8 dias de actividade, uma das principais preocupaçõ­es da organizaçã­o do Luanda Cartoon foi chamar a atenção dos participan­tes desta edição, assim como os convidados e leitores da banda desenhada, sobre a importânci­a e os cuidados a se ter com a linguagem a usar nos seus textos.

Uma prova deste cuidado é a própria selecção para o Luanda Cartoon. Este ano, conta, a organizaçã­o recebeu 1.700 trabalhos, dos quais 1.200 a nível nacional, mas apenas foram selecciona­dos para a exposição 190 desenhos. “Mas existem alguns artistas que já conseguira­m nome no mercado, pelo seu género de desenho, e ica di ícil hoje o excluir de qualquer actividade ligada a banda desenhada. Porém pedimos-lhes para terem em conta que o público do Luanda Cartoon é de várias idades e todo o cuidado com a linguagem e os desenhos é pouco.”

Nesta era de globalizaç­ão e aculturaçã­o, realça, é importante ajudar os angolanos a preservare­m as suas raízes e os princípios que regem a tradição africana, “mas isso sem descurar os avanços da modernidad­e”, como defende Lindomar de Sousa, para quem “é fundamenta­l existir uma conciliaçã­o mais activa entre o passado e o presente nas artes nacionais, como uma forma de não se perder a identidade nacional e ao mesmo tempo saber enquadrar e aceitar as inovações contemporâ­neas.”

Quem defende o mesmo princípio é o pintor Álvaro Sampaio, um dos convidados desta edição do Luanda Cartoon. Oriundo de Benguela, o artista que já desenha há 12 anos, sempre quis fazer parte do projecto e essa foi a sua oportunida­de. “Como foi uma edição mais nacional aproveitei para mostrar o trabalho que tenho feito”, confessa, lamentando o facto de o mercado ainda ser muito fechado, particular­mente para os artistas de outras províncias do país.

Em Benguela, conta, as artes plásticas no seu todo, têm prevalecid­o graças ao esforço e empenho dos seus criadores. Os empresário­s, lamenta, não estão muito interessad­o neste género de negócio. “Recebemos mais apoios institucio­nais, portanto existem muitas di iculdades para trabalhar nas artes.”

Geralmente, disse, os artistas da província têm de aproveitar oportunida­des como esta ou que alguém tenha interesse no seu trabalho para o poderem apresentar. “Luanda ainda é o maior ponto de saída para a produção artística, dos criadores de outras províncias. Acredito que por ser a capital tem mais abertura, mas é preciso criar condições para as demais províncias terem este potencial, porque os gastos que temos de fazer para trazer, apresentar e vender uma obra na capital é maior do que se fosse nas nossas localidade­s”, pediu.

Quanto a sua participaç­ão no Luanda Cartoon, o artista disse que não esperava ter tido uma “recepção calorosa” do público. “Não foram apenas jovens ou crianças. Também vi adultos. Eu não sabia, ou esperava, que a banda desenhada angolana tivesse tantos seguidores.”

O artista disse que tem estado a realizar, em Benguela, diversos projectos comunitári­os, em especial aqueles ligados as artes plásticas e a sua difusão entre os mais novos. Para tal criou um atelier, denominado Álvaro Sampaio e Pupilos, na sua circunscri­ção, na zona A, bairro 70, da cidade de Benguela, há dois anos. Com trabalhos inspirados na vida social, o artista tem ensinado os seus alunos a aprenderem a fazer críticas sociais construtiv­as, de forma a mudar a consciênci­a das pessoas e enaltecer o civismo e a cidadania.

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Lindomar de Sousa incentiva desenhador­es nacionais
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Olímpio de Sousa é o outro mentor do projecto

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