Adeus a Fernando Mourão estudioso da questão africana
ESTUDIOSO DA QUESTÃO AFRICANA E GRANDE AMIGO DE ANGOLA
Morreu no dia 30 de Setembro de 2017, o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Augusto Albuquerque Mourão, um dos maiores pesquisadores e estudiosos da questão africana e um dos raros intelectuais brasileiros com o coração dividido entre o Brasil e a África, sem deixar de estar atento à ordem mundial e aos problemas da humanidade como um todo.
Morreu no dia 30 de Setembro de 2017, o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Augusto Albuquerque Mourão, um dos maiores pesquisadores e estudiosos da questão africana. Foi em Coimbra que o professor Mourão, nascido no Rio de Janeiro em 1934, começou a se interessar pela área, especialmente por Angola, principal segmento de actuação intelectual e política na sua vida académica. Professor Titular da USP desde 1971, quando começou a leccionar no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas-FFLCH, Fernando Mourão ajudou a criar o Centro de Estudos Africanos-CEA, em 1965.
Fernando Mourão teve um papel muito activo na elaboração da edição em língua portuguesa da História Geral da África, que, em sua opinião, é um dos trabalhos mais notáveis produzidos pela Unesco. Durante a elaboração do projecto havia representantes de todo o continente africano, da Europa e das Américas. Desde o início, a ideia era criar um novo paradigma para apresentar a história da África.
No seu ensaio “Uma África que Fernando Mourão imaginou: o renascer africano no início do século XXI”, José Flávio Sombra Saraiva, professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, considera que “a melhor maneira de homenagear o professor Ferando Mourão”, fundador do segundo centro de pesquisa voltado para a África no Brasil, “é por meio da apresentação de uma África que Mourão imaginou, desejou e ajudou a criar. re iro-me a uma nova África, que não rompe com as di iculdades históricas, mas que ensaia novas formas de organização de suas sociedades e Estados nos primeiros anos do século XXI.”
José Maria Mayrink, em O Estado de S. Paulo, ao noticiar o desaparecimento ísico de Fernando Mourão, escreve que “foi em Coimbra (Portugal), que o professor Mourão, nascido no Rio de Janeiro em 1934, começou a se interessar pela área, especialmente por Angola, principal segmento de actuação intelectual e política em sua vida académica.
Os estudos e pesquisas sobre a África foram impulsionados a partir de 1967, quando a premência da actualidade política se impunha pela vivência de académicos brasileiros nos movimentos de independência e do nacionalismo africano. Mourão, que na Universidade de Coimbra teve como companheiros futuros líderes da luta pela independência, entre os quais Amílcar Cabral, de Guiné Bissau, e os angolanos Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, compartilhou de seus sonhos, embora não aderisse aos ideais marxistas, que os três professavam.
Os estrangeiros eram segregados na Casa dos Estudantes do Império pela ditadura de António de Oliveira Salazar. Muitos deles foram interrogados e torturados pela PIDE, a polícia política portuguesa. Mourão e outro brasileiro, José Maria Nunes Pereira, regressaram apressadamente ao Brasil, pouco antes do golpe militar de 1964..
Como colaborador de O Estado de S. Paulo, o também jornalista Fernando Mourão escreveu artigos que difundiam o ideal do nacionalismo africano das lutas de independência das colónias portuguesas na África. Trabalhou ao lado de Miguel Urbano Rodrigues, mem- bro do Partido Comunista Português, de outros exilados anti-salazaristas, que haviam sido abrigados pelo director do jornal, Júlio de Mesquita Filho.
ESTUDOS AFRICANOS
Integrado na USP como doutorando e professor assistente, em 1967, Mourão contribuiu para dinamizar o CEA e para consolidar a linha de pesquisa dos estudos africanos com uma inovação – a introdução de uma nova disciplina, chamada Relações Internacionais. Discutia-se a realidade das sociedade africanas no contexto de suas conexões internacionais. No Rio, o professor José Maria Nunes Pereira, colega de Mourão em Coimbra, liderou em 1978 a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, na Universidade Cândido Mendes.
Fernando Mourão saía a campo para conhecer de perto a vida das pessoas e complementar seus estudos com exemplos reais. Foi o que fez, por exemplo, no litoral de São Paulo e do Paraná, ao estudar o comportamento de pescadores que abandonaram essa profissão para trabalhar como operários. Em entrevista a Ricardo Alexino, no programa 'Trajectória', da TV USP, em 2015, Mourão disse que essa pesquisa não tinha motivação ideológica, mas somente académica.
A revista 'África', do Centro de Estudos Académicos, fez um número especial em 2012, com o título 'África Única e Plural', em homenagem a Fernando Mourão. Em uma edição de 300 páginas, 27 amigos e alunos escreveram artigos e deram depoimentos sobre a carreira e a personalidade do professor. “Os que participam desta homenagem sabem, sem exagero, que Fernando Mourão é um dos raros intelectuais brasileiros com o coração dividido entre o Brasil e a África, sem deixar de estar atento à ordem mundial e aos problemas da humanidade como um todo”, escreveu na apresentação o director do número especial da revista, Kabengele Munanga.
Mourão defendeu a adopção de uma política solidária do Brasil em suas relações com a África. Reconheceu mudanças na diplomacia brasileira desde o governo de Jânio Quadros, em 1961, em uma linha anti- imperialista que foi mantida durante o regime militar e reforçada no governo Lula. Sem nunca ter tido militância partidária, o professor da USP tornou- se colaborador do Instituto Lula, em Abril de 2012, para dar assessoria em questões voltadas para a África.
Autor de 11 livros e participação em outros 57, Mourão recebeu prémios internacionais em Angola, Costa do Mar im, Togo, Senegal e França, conforme informações constantes de seu currículo, publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).”