Teorias relativas às “raças” e história da África
A admirável variedade dos fenótipos africanos é sinal de uma evolução particularmente longa desse continente. Os fósseis pré-históricos de que dispomos indicam uma implantação semelhante às encontradas no sul do Sara.
O teO conceito de raça é um dos mais di íceis de de inir cienti icamente. Se admitirmos, como a maioria dos especialistas posteriores a Darwin, que a espécie humana pertence a um único tronco1, a teoria das “raças” só pode ser desenvolvida cienti icamente dentro do contexto do evolucionismo.
Com efeito, a raciação se inscreve no processo geral da evolução diversificadora. Como observa J. Ruffie, ela requer duas condições: em primeiro lugar, o isolamento sexual, frequentemente relativo, que provoca pouco a pouco uma paisagem genética e morfológica singular. A raciação, portanto, baseia- se num estoque génico diferente, causado quer por oscilação genética ( o acaso na transmissão dos genes faz com que um deles se transmita com mais frequência que outro, ou, ao contrário, que seu alelo seja o mais largamente difundido),quer por selecção natural. Esta conduz a uma diversificação adaptativa, graças à qual um grupo tende a conservar o equipamento genético que o adapte melhor a um certo meio. Na África, ambos os processos devem ter ocorrido. De fato, a oscilação genética, que se exprime ao máximo em pequenos grupos, operou em etnias restritas, submetidas a um processo social de cissiparidade por ocasião das disputas de sucessão ou de terras e em virtude das grandes áreas virgens disponíveis. Esse processo marcou particularmente o património genético das etnias endógamas ou florestais. Quanto à selecção natural, ela teve a oportunidade de entrar em jogo em ecologias tão contrastantes como as do deserto e da floresta densa, dos altos planaltos e das costas recobertas de mangues. Em resumo, do ponto de vista biológico, os homens de uma “raça” têm em comum alguns factores genéticos que num outro grupo “racial” são substituídos por seus alelos; entre os mestiços, coexistem os dois tipos de genes.
Como era de esperar, a identificação das “raças” se fez em primeiro lugar a partir de critérios aparentes, para em seguida ir considerando, pouco a pouco, realidades mais profundas. Aliás, as características exteriores e os fenómenos internos não estão absolutamente separados. Se certos genes comandam os mecanismos hereditários que determinam cor da pele, por exemplo, esta também está ligada ao meio ambiente. Observou- se uma correlação positiva entre estatura e temperatura mais elevada do mês mais quente e uma correlação negativa entre estatura e humidade. Da mesma forma, um nariz fino aquece melhor o ar num clima mais frio e humidifica o ar seco inspirado. É assim que o índice nasal aumenta consideravelmente nas populações subsaarianas, do deserto para a floresta, passando pela savana. Embora possuindo o mesmo número de glândulas sudoríparas que os brancos os negros transpiram mais, o que mantém seu corpo e sua pele numa temperatura menos elevada.
Existem, portanto, diversas etapas na investigação cientí ica no que diz respeito às raças.
A ABORDAGEM MORFOLÓGICA
Eickstedt, por exemplo, de ine as raças como “agrupamentos zoológicos naturais de formas pertencentes ao género dos hominídeos, cujos membros apresentam o mesmo conjunto típico de caracteres normais e hereditários no nível morfológico e no nível comportamental”.
Desde a cor da pele e a forma dos cabelos ou do sistema piloso, até os caracteres métricos e não métricos, a curvatura femural anterior e as coroas e os sulcos dos molares, foi construído um verdadeiro arsenal de observações e mensurações. Deu- se atenção especial ao índice cefálico, por estar relacionado à parte da cabeça que abriga o cérebro. É assim que Dixon estabelece os diversos tipos em função de três índices combinados de vários modos: o índice cefálico horizontal, o índice cefálico vertical e o índice nasal.
Contudo, das 27 combinações possíveis, apenas oito ( as mais frequentes) foram aceitas como representativas dos tipos fundamentais, tendo sido as 19 restantes consideradas misturas. No entanto, as características morfológicas são apenas um reflexo mais ou menos deformado do estoque génico; sua conjugação num protótipo ideal raramente se realiza com perfeição. De fato, trata- se de detalhes evidentes situados na fronteira homem/meio ambiente, mas que, justamente por isso, são muito menos inatos que adquiridos. Reside aí uma das maiores fraquezas da abordagem morfológica e tipológica, na qual as excepções acabam por ser mais importantes e mais numerosas que a regra. Além disso, não se devem negligenciar as querelas académicas sobre as modalidades de mensuração ( como, quando, etc.), que impedem as comparações úteis. As estatísticas de distância multivariada e os coeficientes de semelhanças raciais, as estatísticas de “formato” e de “forma”, a distância generalizada de Nahala Nobis requerem tratamento por computador. Ora, as raças são entidades biológicas reais que devem ser examinadas como um todo e não parte por parte.
A ABORDAGEM DEMOGRÁFICA OU POPULACIONAL
Este método vai insistir, de imediato, sobre fatos grupais ( reservatório génico ou genoma), mais estáveis que a estrutura genética conjuntural dos indivíduos. De fato, na identificação de uma raça, é mais importante a frequência das características que ela apresenta do que as próprias características. Como o método morfológico está praticamente abandonado2, os elementos serológicos ou genéticos podem ser submetidos a regras de classificação mais objectivas. Para Landman, uma raça é “um grupo de seres humanos que ( com raras excepções) apresentam entre si mais semelhanças genotípicas e frequentemente também fenotípicas do que com os membros de outros grupos”. Alekseiev desenvolve também uma concepção demográfica das raças com denominações puramente geográficas ( norte- europeus, sul- africanos, etc.). Schwidejzky e Boyd acentuaram a sistemática genética: distribuição dos grupos sanguíneos A,B e O, combinações do fator Rh, gene da secreção salivar, etc.
O hemotipologista também leva em conta a anatomia, mas no nível da molécula. No que diz respeito à micromorfologia, descreve as células humanas cuja estrutura imunológica e cujo equipamento enzimático são diferenciados, sendo o tecido sanguíneo o material mais prático para isso. Os marcadores sanguíneos representam um salto histórico qualitativo na identificação científica dos grupos humanos. Suas vantagens em relação aos critérios morfológicos são decisivas. Primeiramente, eles são quase sempre monométricos, isto é, sua presença depende de um só gene, enquanto o índice cefálico, por exemplo, é o produto de um complexo de factores dificilmente localizáveis3.
Além disso, enquanto os critérios morfológicos são traduzidos em números utilizados para classificações com fronteiras arbitrárias ou mal definidas, como por exemplo entre o braquicéfalo típico e o dolicocéfalo típico, os marcadores sanguíneos obedecem à lei do tudo ou nada. Uma pessoa é ou não do grupo A, tem factor Rh+ ou Rh- e assim por diante. Além disso, os factores sanguíneos independem quase inteiramente da pressão do meio. O hemótipo é fixado para sempre, desde a formação do ovo. Eis por que os marcadores sanguíneos escapam ao subjectivismo da tipologia morfológica. Aqui, o indivíduo é identificado por um conjunto de factores génicos, e a população por uma série de frequências génicas. A grande precisão desses factores compensa seu carácter parcial em relação à massa dos genes no conjunto de um genoma. Isso tornou possível elaborar um atlas das “raças” tradicionais.
Três categorias de factores sanguíneos foram estabelecidas. Algumas, como o sistema ABO, são encontradas em todas as “raças” tradicionais sem excepção. Certamente elas preexistiam à hominização. Outros factores como os do sistema Rh são omnipresentes, mas com certa predominância racial. Assim, o cromossoma r existe principalmente entre os brancos. O cromossoma Ro, conhecido como “cromossoma africano”, tem uma frequência particularmente alta entre os negros ao sul do Sara. Trata-se, certamente, de sistemas que datam do momento em que a humanidade começava a se propagar em nichos ecológicos variados. Outra categoria de sistemas denota uma repartição racial mais marcada, como os factores Sutter e Henshaw, encontrados quase que unicamente entre os negros, e o fator Kell, presente sobretudo entre os brancos. Embora eles nunca sejam exclusivos, foram qualificados de “marcadores raciais”. Enfim, alguns factores são geograficamente muito circunscritos como, por exemplo, a hemoglobina C para as populações do planalto voltense.
Embora os factores sanguíneos sejam desprovidos de valor adaptativo, não escapam inteiramente à acção do meio infeccioso ou parasitário; este pode exercer sobre eles uma triagem com valor selectivo, levando, por exemplo, à presença de hemoglobinas características. Isso ocorre com relação às hemoglobinoses S, ligadas à existência de células falciformes ou drepanócitos entre as hemácias. Elas foram detectadas no sangue dos negros da África e da Ásia. Perigosa apenas no caso dos homozigotos, a hemoglobina S ( Hb S) é um elemento de adaptação à presença de Plasmodium falciparum, responsável pelo paludismo. O estudo dos hemótipos em grandes áreas permite o traçado de curvas isogénicas que mostram a distribuição geográfica dos factores sanguíneos por todo o mundo. Associado ao cálculo das distâncias genéticas, ele dá uma ideia de como as populações se situam umas em relação às outras, enquanto o sentido dos fluxos génicos permite reconstituir o processo prévio de sua evolução.
Apesar de seus desempenhos excepcionais, contudo, o método hemotipológico e populacional encontra dificuldades. Primeiramente, porque seus parâmetros se multiplicam enormemente e já estão apresentando resultados estranhos a ponto de serem encarados por alguns como aberrantes. É assim que a árvore filogénica das populações elaborada por L. L. Cavalli-Sforza difere da árvore antropométrica. Esta coloca os Pigmeus e os San da África no mesmo ramo antropométrico que os negros da Nova Guiné e da Austrália; na árvore filogénica, esses mesmos Pigmeus e San aproximam- se mais dos franceses e ingleses e os negros australianos dos japoneses e chineses4. Por outras palavras, os caracteres antropométricos são mais afectados pelo clima que os genes, de modo