O PADRÃO ANGOLANO DA LÍNGUA PORTUGUESA
A 15 de Setembro de 2016, no acto da proclamação da Academia Angolana de Letras, a Ministra da Cultura referiu quatro importantes desafios e entre eles “a necessidade que temos de elaborar o Padrão Angolano da Língua Portuguesa na sequência da tradição da
Falar de interferências devido à influência da sua língua materna, além de ser uma banalidade denota um equívoco pois não são as dificuldades encontradas pelo aluno e os erros que comete em LP (neste caso tida como língua segunda) que importa, o que importa é perceber como o diálogo bilingue ou plurilingue provoca a fossilização das ditas “interferências” na LP reflectindo na verdade um processo de enriquecimento no caminho da PA (Língua Portuguesa Angolana) que permita aos professores de LP terem um sistema linguístico normalizado para efeitos de uso no sistema de ensino.
Falar de interferências devido à in luência da sua língua materna, além de ser uma banalidade denota um equívoco pois não são as di iculdades encontradas pelo aluno e os erros que comete em LP (neste caso tida como língua segunda)que importa, o que importa é perceber como o diálogo bilingue ou plurilingue provoca a fossilização das ditas “interferências” na LP re lectindo na verdade um processo de enriquecimento no caminho da PA (Língua Portuguesa Angolana) que nos permita, a nós professores de LP, termos um sistema linguístico normalizado para efeitos de uso no sistema de ensino.
A questão torna-se mais complexa quando não se sabe ao certo qual é a LP que serve de modelo. Apetecenos recordar ADRIANO SOMA que define esta questão falando da contradição existente entre a “Língua da Aula”, que o professor ensina e ninguém fala ea “Língua do Corredor”, que ele fala assim como os alunos e as próprias elites.
Neste quadro queremos levantar algumas das muitas perplexidades de dimensão pragmática com que nos deparamos na nossa actividade lectiva, não tanto pelas dúvidas que os alunos nos põem mas mais pelas que nos assaltam:
No primeiro caso a língua como instrumento de cognição engendra aceitabilidades divergentes que só não alimentam o preconceito linguístico se remetidas para variantes consideradas pela comunidade académica.
No segundo caso, a ixação das expressões sintácticas lexicalizadas alimenta o valor elocutório do discurso com uma forte marca cultural:
Quem em Portugal entende quando um angolano diz: « Fazer boa Muxima » e quem em Angola entende quando um português diz: «ver Braga por um canudo»?
Conclui-se que no estádio actual do saber no domínio do ensino de LP em Angola não é possível avaliar a relação ensino/qualidade sem que se desbrave o caminho para a assunção de uma Língua Portuguesa variante Angolana (PA) tal como se reconhece haver a variante Europeia ( PE) e a variante Brasileira (PB).
INTRODUÇÃO
Em 2015 o Ministério do Ensino Superior lançou um repto às instituições universitárias ( IES) no sentido de iniciarem um trabalho de avaliação da qualidade do seu ensino tendo por base que:
“O ensino superior (ES) constitui, universalmente, o nível mais elevado do subsistema de ensino, cuja acção se funda essencialmente em três funções constitutivas: ensino, traduzido na transmissão de conhecimentos e com- petências, para a formação das novas gerações; investigação, centrada na produção e busca de novos saberes; e extensão, que passa pela articulação da academia com a comunidade, contribuindo, assim, na resolução de inúmeros problemas comunitários”.
In 2 ª Chamada para as Jornadas Científico- Pedagógicas do ISCEDLuanda, Set, 2015
A partir deste desa io deu-se início a um movimento a nível das IES procurando mostrar que o seu objecto se identi icava com a Excelência.
Este movimento levou-nos a este modesto trabalho que identi icamos como:
Relação entre gestão do saber cientí ico da LP e a avaliação da qualidade de ensino em busca da excelência.
A procura dos caminhos que nos permitissem responder à questão que deu origem a este nosso trabalho levou-nos a procurar perceber de que conhecimentos, nós os pobres professores de LP, estamos armados para realizar a nossa tarefa 1) transmitir conhecimentos; a nossa tarefa 2) investigar perseguindo novos saberes e a nossa tarefa 3) submeter ao critério da comunidade a validação das tarefas 1 e 2.
Para delimitar o nosso campo de pesquisa de modo a responder à questão formulada, isto é, podemos medir a qualidade do ensino da LP e direccioná-lo a caminho da Excelência?, socorremo-nos da nossa experiência como professores do ES e rapidamente nos apercebemos que a primeira e decisiva pergunta tem origem na tarefa 1: que conhecimento temos da LP que queremos ensinar?
Para construirmos a resposta a essa pergunta quisemos adentrar no nosso universo linguístico tendo desembocado paci icamente na variante da LP que dá origem aquilo que iremos chamar a «Língua de Corredor» que não é nem o PB nem o PE antes ou depois do acordo ortográ ico.
A re lexão sobre a putativa variante angolana da LP que já se chamou, nos idos de setenta e oitenta do século passado, a língua veicular levou-nos a tentar perceber que instrumentos se usam no ensino da língua e chegámos à questão das gramáticas, Gramáticas Brasileiras e Gramáticas Portuguesas.
O uso desregulado das gramáticas aprofundaram as nossas perplexidades e direccionaram o passo seguinte deste trabalho para abordar questões de natureza pragmática.
QUESTÕES DE DIMENSÃO PRAGMÁTICA A MUDANÇA DE FOCO NA CONSTRUÇÃO DE FRASES FEITAS EXPRESSÕES SINTÁCTICAS LEXICALIZADAS
As questões de natureza pragmática são as mais marcadas culturalmente e portanto mais emblemáticas, daí essa nossa escolha.
A QUESTÃO DA LP VARIANTE ANGOLANA
Falar de interferências, além de ser uma banalidade, denota um equívoco pois não são as di iculdades encontradas pelo aluno e os erros que comete em LP (neste caso tida como língua segunda), devido à in luência da sua língua materna, o que importa.
O equívoco resulta de o uso da LP se confrontar com duas situações de convívio linguístico distintas, por um lado o bilinguismo e por outro a diglossia. O segundo conceito remete-nos para uma situação que caracteriza as comunidades linguísticas que utilizam em convergência duas ou mais variantes da mesma língua, já bilinguismo releva, fundamentalmente, as interacções entre sistemas linguísticos diferentes ((GALLISSON e COSTE: 1983, 203).
Mas o que importa é perceber como o diálogo bilingue ou diglóssico provoca a fossilização das ditas “interferências” na LP re lectindo na verdade um processo de enriquecimento no caminho do PA (Padrão Angolano da Língua Portuguesa) que nos permita, a nós professores de LP, termos um sistema linguístico normalizado para efeitos de uso no sistema de ensino.
O tema desta prosaica re lexão destina-se a polemizar o ensino da LP em Angola e como situar a competência linguística de cada um em comparação com a LP que serve de modelo.
A questão torna-se mais complexa quando não se sabe ao certo qual é a LP que serve de modelo. (Não nos parece, como sugere a professora Teresa Costa, que a solução passe pela aceitação do putativo Acordo Ortográ ico. Vide NG, nº 159, 25-07-2015).
Ao nível académico reconhece-se a existência de uma variante brasileira (PB) e uma variante europeia (PE) e o resto. No momento em que o Governo angolano recusou assinar o Acordo Ortográ ico (AO) deu sinais claros aos especialistas para estudarem o assunto profundamente de modo a que um acordo possa contemplar as particularidades do PA (Português Angolano) o que também quer dizer que há desfasamento entre a LP que serve de padrão ao ensino em Angola e o PE em virtude deste incorporar o último Acordo Ortográ ico e a LP que serve de padrão em Angola é o PE Antes do Acordo ortográ ico (ou se quisermos lançar mais confusão à nossa questão linguística diríamos o PEAA).
A linguagem, entendida como faculdade humana universal, é uma actividade significante de representação, tanto de produção como de reconhecimento de formas que sustentam um sistema complexo destinado não só à comunicação, mas também à cognição do mundo. As suas manifestações nas diferentes línguas naturais constituem o objecto de estudo científico da Linguística.
UMA VARIANTE COMPORTA-SE COMO UMA LÍNGUA?
Tendo em conta o fenómeno de variação linguística, a diversidade da LP aponta para a existência de variantes linguísticas do Português ao nível internacional, tais como o PE, o PB e outras variantes (africanas e asiáticas). Cada uma destas variantes pode ser caracterizada do ponto de vista da sua especi icidade fonética, fonológica, pragmática e lexical, em primeiro lugar, mas também ao nível sintáctico, ou seja, na dimensão da própria estrutura da língua. As diferenças que nos permitem distinguir as variantes do Português ao nível internacional constituem as especi icidades de cada uma delas de um corpo único da LP.
Porque a resposta à pergunta que formulamos só pode ser uma, propõese que os trabalhos futuros se efectuem estudando discurso e textos (em registo oral e escrito) característicos da linguagem do quotidiano a todos os níveis que a variação linguística ocorre, isto é, diastrático, diatópico e diafásico, tendo em vista os caminhos a seguir para o ensino da LP em Angola.
Neste quadro queremos levantar algumas das muitas perplexidades que nós, professores de LP, nos deparamos na nossa actividade lectiva, não tanto pelas dúvidas que os alunos nos põem mas mais pelas que nos assaltam.
Para melhor sistematizar estas nossas perplexidades iremos abordar questões de natureza pragmática que são as mais marcadas culturalmente e portanto mais emblemáticas, dizemos nós, e mais passíveis de provocar manifestações preconceituosas entre falantes de diversas variantes da língua.
O ESPAÇO DA PA NOS ESTUDOS SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA
Falar de Língua Portuguesa no mundo denota a possibilidade de citarmos todos os países e territórios em que esta língua tem algum valor o icial ou dialectal. Portanto, parece bastante óbvio que não se deve somente citar, neste contexto, as variantes do PE e do PB, como aparecem na maioria das gramáticas escritas sobre a Língua Portuguesa.
Uma língua depende do uso dos seus falantes. Há na língua traços característicos que a identi icam como variante de uma dada região. A língua, portanto, mostra aquilo que um povo é, tendo em conta a sua história e a sua cultura, e a partir daí vai construindo e desconstruindo a sua identidade numa dinâmica própria dos agrupamentos humanos.
Quando se suprime este desejo inconsciente de identi icação através da língua, retira-se a legitimidade de um processo natural. Embora, muitos países, especialmente, os de África, como Angola, não terem especialistas a trabalharem na construção de gramáticas normativas das suas variantes marcando uma posição que as afasta linguisticamente da metrópole da colonização, não há motivos para o não reconhecimento destas variantes. Mas também acreditamos que a falta de trabalhos nesta área pode estar na base deste tratamento.
Há uma tentativa nas gramáticas de demonstrarem algumas características do Português falado em Angola, mas sempre de uma forma geral, pelo menos nas gramáticas apresentadas para este trabalho. O que vemos são tentativas de demostração de estudos descritivos breves sobre o Português falado, sem uma noção clara de que comunidade linguística se trata. Além disso, ainda é evidente que se consideram estas particularidades na esfera de um Português nem padrão e nem não padrão, uma vez que, por um lado, o padrão continua a ser injustamente o PE (antes do acordo ortográ ico).Mas falar de «Português Europeu» em África, é no mínimo bizarro e, nessa linha, o possível candidato a PA (Português de Angola) pode facilmente ser assimilado ao Português Vulgar, como língua da rua sem estatuto que lhe con ira autoridade para servir de modelo de ensino.
A gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian ( 2013), por exemplo, oferece um espaço à descrição do Português falado em África, com especial atenção ao Português falado em Angola e em Moçambique. É um estudo breve, como apresenta a própria gramática na introdução do volume I.
Um outro ponto para a discussão é falar-se de variedade angolana quando estamos diante de um território de mais ou menos vinte e oito milhões de habitantes inseridos num espaço geolinguístico diversi icado de línguas bantu e khoisan. Então, é importante falarmos de variantes de Angola estudando as suas particularidades, sem nos esquecermos que a variante falada no centro de Luanda é vista como modelo pelos indivíduos de outras comunidades linguísticas, não só das províncias como também de outros municípios da própria capital.
O terceiro ponto a ser posto na balança é a importância que se dá, no ensino, à LP num país plurilingue. O que aumenta mais ainda a responsabilidade de se trabalhar arduamente na questão do PA.
Relativamente às gramáticas difundidas em Angola, vamos deter a nossa atenção às seguintes:
GRAMÁTICAS PORTUGUESAS:
A Gramática de Língua Portuguesa de Amorim e Sousa (2013) fala das variedades africanas, enfatizando o Português de Angola e o de Moçambique. Pode notar-se que se dá mais valor à in luência do Kimbundu no PA, o que pressupõe que seja evidenciado mais o Português falado em Luanda. Mas é preciso ter em conta que este Portuguêsacomodou contributos de várias origens linguísticas pelo facto de em Luanda estarem representadas praticamente todas as etnias do país, sem deixarmos de falar é claro das populações estrangeiras, nomeadamente a congolesa e a portuguesa.
A gramática do Português actual de José de Almeida Moura (2011) não tem nenhum capítulo especí ico sobre o Português falado em África, mas aparece nos anexos uma pequena informação sobre a expansão do português até África e cita Angola como um dos países que tem o Português como língua o icial.
A gramática Língua Portuguesa de Borregana é uma breve obra que não se debruça sobre o estudo da Língua Portuguesa em Angola, mas cita brevemente que há diferenças no Português falado nos diferentes países e que é considerada língua o icial em Angola.
Da Comunicação à Expressão – Gramática Prática do Português de Azeredo, Pinto e Lopes (2012) dá um espaço ao PA e aponta algumas características do Português falado em Luanda com in luência do Kimbundu, mas introduz o mesmo no capítulo da variedade brasileira e variedades africanas.
A Gramática Moderna da Língua Portuguesa organizada por João Costa (2010) apresenta o PA no âmbito do português falado nos países africanos.
Na Gramática do Português Moderno de José de Castro Pinto e de Maria do Céu Vieira Lopes não encontramos nenhum capítulo dedicado ao PA, mas à variedade africana. Não se especi ica o país, mas o texto utilizado para o estudo é o de Luandino Vieira, o que pressupõe os usos da variante de Luanda.
OCompêndio de Gramática de Gomes Ferreira e de Nunes de Figueiredo não apresenta nenhuma informação sobre Angola.
GRAMÁTICAS BRASILEIRAS:
A Gramática Essencial de Celso Cunha ( 2013) cinge- se ao Português do Brasil.
A Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara (1999) não apresenta nenhuma informação sobre a Língua Portuguesa fora do Brasil.
Todas estas gramáticas de forma legítima não se debruçam sobre as variantes do Português falado em Angola, obviamente este espaço cabe aos estudiosos angolanos, mas o curioso é que são estas as gramáticas indicadas aos nossos estudantes pelos professores.
A CONFUSÃO DO USO DE DUAS VARIANTES ALHEIAS AO PA NO ENSINO
Adriano Soma fala-nos da “língua da aula” que ninguém fala, diríamos, aquela que o professor se esforça em falar sem obedecer efectivamente à consciência do padrão, da norma, da imposição. Portanto, a língua da aula neste artigo aparece como a variante que o professor tem como longínqua referência para ensinar, consciente de que existe um PP que não deve ser abandonado pois, por contrato social por si assumido como professor consciente que é, deve pugnar pelo “bem falar”. Assim, defende este mesmo professor a língua da gramática alheia à língua em uso (por ele e pelos alunos). Porém, o professor que defende veementemente este português standard não consegue de forma alguma apartar-se da língua natural e usa-a sempre que se afasta da língua arti icial, arti icial pois somente a usa em situações muito formais e quando submetida a cuidadosa e trabalhosa auto-vigilância.
Deparamo-nos, portanto, com outras situações em sala de aula: a língua de aula de Soma vai ser subdividida em duas outras variantes, a língua do professor (sobre a qual nos debruçámos anteriormente), e a língua do aluno (a variante que o aluno utiliza naturalmente). Com esta dimensão, a língua da aula em certa medida deixa de ser a língua standard/padrão para passar a ser a língua de mistura, sem ser dialecto nem crioulo, a variante arti icial. Ela é o resultado inal das variantes do professor, do aluno e da gramática normativa.
O caso torna-se mais sério quando os professores não conhecem o verdadeiro funcionamento da língua, têm di iculdades com as regras do PE e são obrigados a distanciarem-se do PA utilizando gramáticas portuguesas (do PE pós acordo ortográ ico e do PE antes do acordo ortográ ico) e gramáticas brasileiras (PB).
Não há nenhuma legislação que proíba o uso de uma ou outra ou outra. O professor usa-as a seu bel-prazer (sem qualquer prazer, diga-se para sermos justos connosco, nós os pobres dos professores).
A quantidade destas gramáticas vendidas no país e indicadas pelos professores é uma aberração, um anacronismo no ensino da LP em Angola; é como se estivéssemos, hoje, no século XXI a ensinar a LP nas escolas às nossas crianças usando a Grammatica da Lingoagem Portuguesa de Fernão de Oliveira editada em 1536.
Tudo isto põe em evidência a crença do nosso atraso na “cadeia evolutiva” da LP, pois ainda acreditamos piamente que não sabemos falar o português e para muitos de nós que têm apenas o português como língua a confusão é ainda maior.
Em todo o caso, há um fenómeno que se tem veri icado com a solidi icação do conceito de “unidade na diversidade”, é que não “importa o que se fala” o que interessa é ser-se ouvido, é comunicar. Um “mal” que a escola tem sofrido já com a falta de formação dos professores e a falta de equipas de investigação que se debrucem sobre a gramática do português de Angola, e não só sobre toponímia ou lexicologia. Portanto, torna-se inútil ensinar uma série de regras que o estudante reconhece, de antemão, serem de uma sociedade de outrem. Em defesa, ele não aprende. Sem querer ser inferiorizado ou sem se querer sentir inferiorizado adopta a atitude de espectador, assiste, mas não participa.
Falta, pois, a legitimação de um sistema linguístico do qual já não podemos escapar e que comporta, sendo sistema, uma morfologia própria, uma estrutura sintáctica própria e semântica diferenciada que suportem um manual prático do funcionamento da língua que possibilite o ensino da língua dum modo e iciente e parametrizado.
OLHEMOS OS SEGUINTES EXEMPLOS: AS PERPLEXIDADES. QUESTÕES DE NATUREZA PRAGMÁTICA:
A linguagem demonstra aquilo que é o ser humano, segundo John Austin com a linguagem o homem realiza actos. Por meio dela o homem solta a sua voz, comunica com o outro motivado pela sua história, pela sua cultura, pela sua comunidade.
Olhemos os seguintes exemplos:
A MUDANÇA DE FOCO NA CONSTRUÇÃO DAS FRASES.
Para melhor entendermos a situação diglóssica vivida vamos propor o uso de conceitos operativos a usar nesta nossa re lexão: A situação diglóssica que vivemos põe em convergência: a variante padrão (PEAA, isto é, PE antes do acordo ortográ ico) e as variantes diafásicas, diastráticas e diatópicas que corporizam a variante angolana (PA).
Observando o cuidado com que os linguistas tratam as questões relacionadas com as variantes que as línguas assumem, porque as razões que levam a adoptar uma norma padrão são sempre escolhas sociopolíticas, históricas e mesmo pedagógicas mas não de natureza linguística, somos levados a revelar uma norma que não seja estranha à maioria dos falantes para não nos distanciarmos demais da fundamentação linguística que preside a qualquer padrão adoptado.
Vejamos o exemplo (1), corrente entre todos os falantes do P falado em Angola (PA):
(1) (DEIXIS … À MINHA FRENTE) NÃO HAVIA NINGUÉM, MAS [DEIXIS …À MINHA ATRÁS] HAVIA MUITA GENTE.
O determinante possessivo /mi- nha/ funciona como deíctico nas coordenadas linguísticas que se estabelecem a partir da expressão [SP… à minha frente vs à minha atrás]. Faz que se reconheça, no universo linguístico presenti icado, que a partir duma posição se situam objectos (no caso pessoas); uns estão situados à frente e outros atrás dum objecto situado em posição central (no caso em primeira pessoa). No caso presente os SP realizam a função de complementos circunstanciais tanto na frase da premissa como na frase da conclusão. As preposições ou estabelecem relações de regência, quando ligam complementos a verbos (O.I ou complementos circunstanciais), ou são adjuntos adverbiais ou adnominais (CUNHA e CINTRA: 2000, 514).
As duas frases simples que compõem a frase complexa (1) repercutem a mesma estrutura.
Vejamos a mesma proposição mas em PEuropeu:
(2) PEÀ MINHA FRENTE NÃO HAVIA NINGUÉM, MAS ATRÁS DE MIM HAVIA MUITA GENTE.
Na premissa a marca deíctica é realizada pelo determinante possessivo /minha/ (que ocorre num SP com função de complemento circunstancial), mas na conclusão a deixis muda de categorização morfossintáctica passando a adjunto adverbial /atrás de mim/ (mantendo a mesma função sintáctica).
Deste modo o deíctico altera-se fazendo deslocar o objecto (eu) que serve de referência espacial em função da mobilidade a si conferida.
As duas orações da frase complexa apresentam estruturas diferentes.
Os enunciados (1) e (2), apesar de proposicionalmente, isto é, relevando a assertividade do código verbal (GALLISSON e COSTE: 1983, 591), se manterem iguais, apresentam estruturas diferentes.
A expressão (1) é corrente e boa no P falado em Angola ao nível das elites o que faz con lituar essa variante com a variante padrão (PEAA), quer dizer, a frase (1) é gramatical em PA (chamemos PA para facilidade de expressão) porque é aceite e não está ferida de gramaticalidade mas agramatical por ferida de aceitabilidade pelo PE e também pelo PEAA, que é supostamente a variante padrão tida como língua o icial de Angola.
FRASES LEXICALIZADAS (3) …NA PONTA DA BOCHECHA
Esta frase foi recolhida numa rádio local em Luanda e foi dita por uma jovem senhora, atleta que falava sobre as suas conquistas desportivas. Ela inconscientemente usa a expressão lexicalizada 3 em substituição à expressão portuguesa na ponta da língua que permite termos a ideia de que o que se vai verbalizar era muito bem conhecido pelo indivíduo.
Portanto a língua evidencia a imagem do próprio indivíduo que se comunica. O eu revela-se, pressupõe-se que em esforço permanente, a atleta, talvez use a bochecha na sua lingua-
gem não verbal para accionar os seus mecanismos de força. Este estímulo pode ter motivado a substituição da palavra língua por bochecha.
Esta expressão não é comum em Angola, mas denota a possibilidade e a capacidade que cada indivíduo numa comunidade tem de inovar para comunicar o que pensa. A língua não é estáctica e o ideolecto é uma prova de que ela está constantemente a construir-se movido pelo desejo das pessoas em se comunicar de forma e iciente.
É certo que as expressões sintácticas lexilizadas estão marcadas pela aceitabilidade que lhes dá a comunidade de falantes que as engendra. Não podemos generalizar a todos os falantes de LP as frases idiomáticas sob pena de estas agregarem signi icados divergentes que iriam babelizar a comunicação o que, é bem de ver, é o contrário, por de inição, do objectivo de qualquer língua.
Quando partimos deste pressuposto facilmente somos levados a perceber que a Língua re lecte todas as dimensões da Cultura.
(4) SEGUREI-ME COM UNHAS E DENTES
Se atentarmos ao enunciado (2) veri icamos que a expressão idiomática associada incorpora uma atitude comportamental de grande determinação que roça a violência que é di ícil de aceitar nas comunidades de tradição oral que transportam consigo o saber ancestral que dá à palavra competência negocial e não impositiva. Em Angola esta expressão é substituída por outra com o mesmo sentido que é:
(5) SUGUREI-ME COM UNHAS E DEDOS. (6) SEGURAR COM DEDO E UNHA. (MECANISMO DE CORRECÇÃO)
Hampaté Bá (2010) con irma que a palavra para o africano é um bem, pois o homem é a palavra, identi ica-o e representa-o. Evidencia-se aqui (5) que o falante do PA, inserido num contexto Bantu que caracteriza a sua cultura, não conhecendo profundamente a semântica da frase lexicalizada (4) busca na sua cognição referências que a levam a produzir o enunciado (5).
Notamos, neste estudo que não há o reconhecimento da ixidez das estruturas lexicalizadas ocorrendo algumas vezes a dessintatização de algumas frases e a troca dos elementos lexicalizados. Neste âmbito, encontramos uma variação explicitada na frase (6). Note-se nesta troca paradigmática uma inversão dos elementos referenciados e a sua passagem para o singular. Aqui há uma aproximação entre a semantização de (4) e a intervenção objectiva do dedo no acto.
(7) TROCAR ALHOS POR BOGALHOS
Esta frase remete-nos para a questão cultural que motiva o acto de comunicação e remete o acto cognitivo a uma memória e à própria competência linguística do falante. Expliquemos: a palavra bogalho não entra na acomodação que merece no país, pois simplesmente não é reconhecida nem a sua existência como palavra e nem é associada a nenhum referente. Portanto, o falante tem di iculdade em tomá-la para o seu vocabulário.
O que acontece, neste contexto, é a substituição de um dos elementos combinados.
(8) TROCAR ALHOS POR BORGALHOS
Pressupomos aqui, o mais próximo de bogalho é a palavra borgalho, que supostamente vem de burgau (dito, em hipercorrecção, burgal) que em Angola é utilizada no lugar da palavra seixo, cascalho (que também é di icilmente usada no acto de fala). Borgalho, então, na lógica popular pode lembrar um dente de alho pelo tamanho. Esta expressão já rotinizada pela população é muito comum até na escrita, embora não tenha sido institucionalizada ainda.
Contrariamente, naquelas unidades multilexicais em que todas as palavras são percebidas pelo falante e com as quais concorda, não há substituição de termos, o que há é sim uma adequação cultural ou não.
(9) NÃO É FLOR QUE SE CHEIRE
Nota-se que se atinge um grau elevado de semantização quando o processo ocorre com termos utilizados a partir de uma motivação cultural (9).
(10) FAZER BOA MUXIMA
Esta expressão é reconhecida pelos falantes, sobretudo por aqueles que são da etnia Kimbundu, e pouco utilizada por indivíduos que não são kimbundu e que vivam nas províncias do norte ou do sul, pelo facto de terem as suas variantes do Português in luenciadas também pelas suas línguas, podemos falar aqui do Kikongo e Umbundu, respectivamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação da qualidade de ensino é um processo complexo e longo que deve merecer a atenção de vários agentes utilizando mecanismos de avaliação muito bem estipulados. Estes mecanismos requerem um trabalho muito mais árduo quando falamos do estudo das línguas e do seu ensino numa sociedade onde a heterogeneidade linguística e cultural limita, de certa forma, a perspectiva de poucos estudiosos ligados ao ensino.
A língua sendo de todos merece um trabalho criterioso e minucioso, como apontado acima, mas necessita de gente capaz e interessada na sua descrição e na validação do seu uso como ferramenta de ensino. É preciso, em Angola, que os especialistas respondam às inúmeras dúvidas que angustiam os professores e estudantes em busca de um ensino pautado em bases cientí icas.
A primeira destas dúvidas que nos assalta é que língua se deve ensinar quando estamos, nós professores, distantes das gramáticas do PE e do PB que nos propõem? A segunda impõe um olhar para o fenómeno da variação linguística que leva os falares de Angola para outra direcção. Estas dúvidas concorrem para uma terceira preocupação que é o da de inição das regras gramaticais de tais variantes e a especi icação do modelo a ser utilizado para a leccionação.
Portanto, esta re lexão pretende apenas abrir a discussão para uma análise mais cuidadosa do nosso trabalho enquanto professores de língua portuguesa perdidos na utilização de regras tornadas ambíguas porque distantes do teatro das nossas aulas exercitado numa língua dita de “corredor” que é a da língua real.
Esta percepção levou-nos a uma análise lacónica do fenómeno de lexicalização que denota que a semantização é um fenómeno envolto no contexto cultural do indivíduo com o seu ideolecto, e da comunidade linguística com as suas variações.
O cerne da questão aqui é de, professores e especialistas, nacionais e estrangeiros, sermos capazes de procurar soluções para a excelência do ensino do Português em Angola validando uma gramática concebida como um modelo de conhecimento da língua do falante-ouvinte.
Neste contexto, apresentamos um corpus limitado apenas na tentativa de mostrarmos como funciona o PA, e está em aberto, pois é fundamental a criação de grupos de trabalho que possam dar contribuições.
Eugénia Emília Sacala KOSSI (eugeniakossi@gmail.com)
Pedro Ângelo da COSTA PEREIRA (pedro.janja@gmail.com)
UniPIAGET-Luanda, Gabinete de Línguas do Centro de Investigação e Inovação do Departamento de Estudos Avançados
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