Jornal Cultura

CRÓNICAS DA BANDA DE FERNANDO RNANDO O MARTINS

DE FERNANDO MARTINS

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

O conhecido anda Literatura. géneroo muitoo jorjornalí­stico Poror comoomo prpróximo issoisso, crcrónica não da é paraa quem quem sabe querquer. que a É Literatura Lit para não é somentesom­en aquilo que se escreve,, masmas, sobretudo, o COMO OMO se escreve. escr Crónicasón­icas da Banda, de Fernando Martins, além de revelareme­m uma autênticaa­uttica paixão pela crcrónica e pelo jornalismo,, são a marcamar da alma e do coraçãocor­ação do autor.

Diz o meu confrade Osvaldo Gonçalves, na sua crónica ‘Deus também lê crónicas’, em homenagem ao Fernando Martins, “Deus não joga aos dados. Isso já sabemos. Mas uma coisa é certa: lê crónicas.” O Osvaldo está, como é óbvio, a realçar “esse mau hábito de cronicar com qualquer ingredient­e” que era um dos melhores dons do Fernando Martins. E a revelar que, lá no assento etéreo onde partiu, o FM continua ocupado, porque afinal, ali está ele ao lado de Deus, que lhe ouve contar os mambos cá da Terra.

Só acredita na morte e no seu aguilhão, quem tem apego à matéria física, à pedra escura e à lágrima orvalhada do Cacimbo. Aquele que deixa um legado para os seus companheir­os e para o povo em geral nunca morre. Este recado é para a menina Anica, a filha caçula do FM, não acreditar que o pai dela morreu. Ele, o FM, não vai gostar nada de saber que a caçula dele, a Anica, esteja aqui a chorar e a sofrer, porque ele, como disse na minha crónica aqui publicada neste livro, e, como se pode ler:

“Estava eu já cansado das passadas pela Rei Katyavala abaixo e me sentei ali num daqueles bancos de cimento do largo em frente à Igreja do Carmo, abro o jornal e começo a ler a matéria do Osvaldo, quando vejo ao meu lado o Fernando Martins com os olhos espetados no meu jornal, a ler “Deus também lê crónicas”. E bem ao lado direito do Fernando, vi Deus na sua omnipotênc­ia, nos observando. Deus não sabe ler. Deus escreve direito por linhas tortas, mas não lê crónicas. O homem é que saber ler. Por isso, o Fernando lia a crónica e Deus “lia” o silêncio da alma do Fernando.

Ali no banco do jardim, olhei bem para o Fernando Martins (Deus já tinha ido embora) e “li” o coração dele. Me dizia: “ó pá, ó Mendonça, não penses que fugi de vocês, eu me embarrei da vida, porque Luanda é a única capital do mundo onde os jardins e locais públicos para nos encontrarm­os icaram tão raros como o diamante. Aqui onde nos sentamos parece o jardim do Éden. É milagre dessa igreja do Carmo ali à frente. A Biker, que tantos anos nos ouviu sorrir de alegria, virou um antro de zungueiras e kinguilas, a comer com a mão pela mesma tijela o funge com fúmbua, o que até faz jus à nossa tradição, mas é sempre uma vil imagem de qualquer cidade capital. O Largo da Portugália foi tomado pela kinguila Georgina e amigas e pelos ardinas de chão. A capital precisa urgente de uma engenharia urbana que reverdeça o Miramar, o Alvalade e outras zonas verdes e ponha muitos baloiços até aos Ramiros, para as crianças brincarem. Hoje, onde é que a malta se pode encontrar para nos candandarm­os?” E, dito isto, o Martins foi-se embora, na peugada de Deus.

COMO SE ESCREVE UMA CRÓNICA

O género jornalísti­co conhecido como crónica anda muito próximo da Literatura. Por isso, não é para quem quer. É para quem sabe. Para quem sabe o quê? Para quem sabe que a Literatura não é somente aquilo que se escreve, mas, sobretudo, o COMO se escreve.

É, pois, como bem diz o Osvaldo, desta forma que o FM reproduzia o tempo e o modo de ser angolano: “Ouvias uma estória e já estava. “Já leste o Correio da Semana? O Nando fala de ti na crónica!” E lá íamos à procura do jornal”. A boa crónica, tal como a arte de escrever Literatura, é contar uma estória da vida com certa estética e rigor metafórico. E, sobretudo, tem de conter uma boa dose de iloso ia. Para além de que deve ser culta. A crónica feita de só de palavras atiradas ao papel, sem referência­s culturais, sem aquele jogo semântico entre a iloso ia, a política e a boca do povo, resulta num exercício inútil e que nem sequer deve ser editado em livro.

Os trabalhos do FM, para além de revelarem uma autêntica paixão pela crónica e pelo jornalismo, são a marca da alma e do coração do autor. Solidaried­ade, preocupaçã­o com a cidade e o país e, resultado desses sentimento­s, intervençã­o ou engajament­o social, são os três atributos do animal político que FM não podia deixar de cultivar, mesmo nas peças mais hilariante­s, porque o FM brincava com a própria noção de seriedade.

“Sei que não eras muito virado para a política, mas quando a inavas o teu piano, fazia bom uso do teu diapasão”, diz, mais adiante, o mano Osvaldo na crónica a que nos reportamos.

O diapasão de intervençã­o social do FM foi bem usado a tal ponto que, neste livro, podemos rever o retrato de uma época em que os afectos ainda trocavam de pele e de conversa ( a) fiada, em que havia uma certa afi- nidade intenciona­l, procurada, em que os luandenses assalariad­os, intelectua­is proletário­s, em suma, os que realmente trabalham, se juntavam aos boémios da vida. Daí a linguagem agarrada na boca escultural dos mambos da banda.

Quando o Correio da Semana fechou, Angola começou a mudar. As Crónicas da Lanchonete acabaram. O Fernando Martins, com aquela alma dele, a alma dos humildes servidores do povo, passa a escrever, a partir de 2002, para o Agora, a nova coluna intitulada Pena Livre. Aqui se acentuou o verdadeiro sentido da crónica, dos tempos de Fernão Lopes e Gomes Eanes de Zurara, da era Medieval portuguesa. Na Pena Livre de FM podemos, assim, ler o termómetro da liberdade de expressão em Angola

Mesmo de coração amargurado pela visão de uma sociedade saída de uma longa guerra, e que não soube encontrar o melhor caminho para fazer a diferença entre o colonialis­mo e a independên­cia, FM continuou a esculpir a Arte de cronicar como só ele sabia: a captação do cómico e do burlesco, ou melhor, a sua fabricação a partir dos lugares comuns da vida, de que fazem parte saltitante as fofocas, ou aglomerado­s de pequenos grupos que querem apenas festejar, todos os dias, o puro acto de estar com o outro.

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