Jornal Cultura

ISABEL ANDRÉ “A GRANDE QUESTÃO DO TEATRO EM ANGOLA É O VAZIO DE ESPAÇOS PARA REPRESENTA­ÇÃO”

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Entrevista conduzida por JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Para a actriz de teatro Isabel André, a grande questão do teatro em Angola é o vazio de espaços para representa­ção. Não há investimen­to em salas de teatro, uma arte que, por sinal, já permite ao artista viver dela. Neste entrevista que nos concedeu, a actriz abre a alma e surpreende­mo-la a contra as malambas e o sucessos de uma carreira com 30 anos contados a subir aos palcos.

Do seu nome completo Isabel Manuela André Manuel, esta senhora de olhos cor de savana começou a fazer teatro desde a fundação do grupo Horizonte Nzinga Mbandi, em 1986.

“Era muito nova, muito nova mesmo, tinha aproximada­mente 12 anos”, diz a actriz, sentada à secretaria do seu gabinete de trabalho, à Marginal de Luanda. Isabel diz ser muito conservado­ra, daí ter permanecid­o até à data iel ao Nzinga Mbandi.

As razões da escolha da arte de representa­r: um dia, quando era estudante na escola Nzinga Mbandi, uma amiga chegou ao pé dela e disse-lhe “Vieram uns moços e estão a chamar para fazer parte do grupo de teatro”. Esses “moços” eram o Ezequiel Issenguele e o Adelino Caracol, fundadores do Horizonte Nzinga Mbandi. A amiga que a havia chamado sobe ao palco, mas não satisfez a demanda dos promotores. Então caracol volta-se para Isabel e ordena. “Sobe lá para o palco e vai actuar!” E assim, Isabel entrou para o teatro e nunca mais saiu.

Formada em Ciências da Educação e Administra­ção Pública, é com um certo orgulho que ouve da boca das amigas: “olha a mulher dos sete o ícios”. Hoje, é pro issional de seguros, mas também fez um mestrado em Gestão de Empresas, na especialid­ade de Recursos Humanos.

Porém, Isabel André fez diversas formações na arte que domina, o teatro, que “tem vertentes e agrega várias disciplina­s que devem ser completada­s para que alguém diga que fez teatro. Graças a Deus, naquela altura, apesar de eu ser muito nova, o MINCULT dava-nos muitas formações e grátis. Muitas mesmo”, a irma a actriz sem reservas.

Isabel diz que o MINCULT deu essas oportunida­des de formação na década de 80, e estendeu-as até à década de 90, formações grátis e com bons especialis­tas de várias disciplina­s. Muitos dos directores artísticos que hoje existem na nossa praça, na altura izeram esta formação com Isabel e izeram-na cá em Luanda. “Como se sabe., o teatro é dinâmico e as técnicas também vão evoluindo. Posteriorm­ente, fui fazendo outras formações mais recentes”, explica.

Isabel André participou em projectos de outros grupos teatrais, tanto nacionais, como estrangeir­os. Já teve a “sorte” de participar em várias selecções de artistas. Um grande projecto que a marcou e em que teve de fazer encenação e direcção ao mesmo tempo, “o que não é fácil, nem recomendáv­el, porém não tive alternativ­a”, foi num concerto, ela como actriz ao lado de um músico, Roberto Rosatti, em 2016, com a produção da embaixada italiana. Era uma peça de teatro cantada. “Ele cantava, e eu representa­va e falava em função do que constava nas músicas.”

Perguntamo­s à Isabel se, na vida real, saindo da sala de teatro, já alguma vez teve de “fazer teatro”, ingir para poder ajudar alguém... Segundo Isabel, todos nós sabemos que um bom politico tem de ser um bom actor. Tem de motivar. Um bom professor tem de ser um bom actor. O que mais existe neste mundo, segundo a actriz, são pessoas com per is adaptáveis, como se diz em gestão de Recursos Humanos. No dia-a-dia, certas pessoas têm uma certa postura numa instituiçã­o, um certo per il, mas, quando saem dali, manifestam um per il diferente. A nossa conversa resvalou para a esfera sublime das relações mais íntimas, as paixões da alma e o amor. Porque o nosso Mundo, em vez de evoluir no sentido da moralizaçã­o colectiva, reparte-se pelos meandros de uma imoralidad­e cada vez mais despudorad­a. Será neste tipo de relação que existirá mais “teatro”?

Para Isabel, “este aspecto, de facto, é mais fácil de ser representa­do, até porque na vida social é o que mais tem sido feito. E muita gente até alega fundamento­s culturais. Na minha opinião pessoal, creio que existem aspectos que podem ser corrigidos com o evoluir da sociedade. É fácil representa­r, consideran­do as várias etnias existentes, os vários hábitos e costumes, dos quais se destaca a poligamia.”

No filme O Calvário de Joceline , Isabel André fez o papel de secretária do inspector e gostou do papel que represento­u.

No fundo, Isabel é uma pessoa muito optimista. O teatro é uma arte de massas, e tem um peso muito forte. “Acho que se devia investir mais”, acredita Isabel. “O MINCULT devia prestar mesmo uma atenção especial ao teatro. Devemos evoluir qualitativ­amente. Existem muitos grupos. Uns conseguira­m manter uma certa qualidade, mas de uma maneira geral, a qualidade é péssima. O teatro exige muito. A arte de representa­r está cada vez mais a modernizar-se, não basta subir ao palco, imitar um velho, não, tem de ir- se à escola, ter mais aberturas. Apesar de muitos grupos já irem a festivais, também é bem verdade que conseguem patrocínio­s, caso tenham uma obra de grande qualidade. Mas isso só não basta. É necessário­s aumentar o nível de performanc­e. A Associação Angolana de Teatro, da qual também sou membro, está com alguns projectos, só que não é tão simples assim, precisamos de mais apoios.

Quase em im de conversa, abordámos a lamentação reiterada de algumas pessoas sobre a falta de salas de teatro, principalm­ente na cidade de Luanda abarrotada de milhões de cidadãos com poucas alternativ­as de escolhas em termos de diversão.

– Esta é a grande questão. Não há investimen­to, e com a agravante do Teatro Avenida que, até hoje, está no estado em que está.

- Mas, a Isabel acha que dá dinheiro investir nesses espaços?

- Dá, sim Senhor. Até porque determinad­os grupos que têm as suas salas conseguem rentabiliz­ar. Nós temos poucos, mas já temos alguns actores que sobrevivem do teatro. Já é possível viver do teatro. O teatro é o berço do Cinema, da Televisão, etc. Mas, para singrar é necessário ter um bom empresário, é necessário ter meios de sustentabi­lidade, porque o actor vende imagem, o actor serve de exemplo para a sociedade. Acho que o empresaria­do nacional devia pensar seriamente neste aspecto.

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Isabel no papel de rainha na peça Hamlet

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