Jornal Cultura

APOIO AOS ARTISTAS, UMA QUESTÃO DE PERSPECTIV­A

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Tivemos a oportunida­de de ler na Gazeta a seguinte manchete com base numa entrevista que àquele órgão de imprensa foi concedida pela Ministra da Cultura, Carolina Cerqueira: "O Ministério não deve suportar os artistas".

Levantaram- se vozes, gritos mesmo, a propósito… e portanto, não sendo nós alheios à questão, tomamos a iniciar de também aqui deixar as nossas opiniões. Cremos ser oportuno voltar ao tema e fazer luz sobre o assunto, para o que se impõe fazer o enquadrame­nto adequado da matéria e se possa com serenidade discutir o cerne da mesma.

À partida e antes de qualquer outra abordagem ou análise, importa reconhecer que aquela frase não esgota aquilo que a senhora Ministra da Cultura disse na sua entrevista, na qual inclusive indicou as linhas de força e de actuação em favor do desenvolvi­mento cultural, em vários ângulos, inclusive o da assistênci­a aos artistas. Parece-me portanto exagerado ancorarmo-nos nessa única frase para discutirmo­s a questão. Aliás, tal frase, assim só, de maneira solta, acaba por acender paixões, muitas vezes sem razão de ser. Para que não me ique por uma frase solta, correndo o mesmo risco de interpreta­ção avulsa, devo dizer que esta discussão tem muito a ver com a actual lógica invertida no sector editorial no nosso país, por um lado, com o resultado prático da acção no domínio da economia da cultura e, inalmente, a confusão existente entre o que se entende como o domínio da indústria cultural e do show business e o domínio entendido como das artes do espectácul­o ou artes performati­vas.

Por outro lado, não podemos ignorar que há muitos anos o país mudou de modelo económico, o que também se aplica ao domínio cultural.

Dito isto, importará reconhecer que quanto à cultura já é desajustad­o aos nossos dias o pensamento dos dois maiores expoentes da economia clássica, Adam Smith e David Richard que considerav­am “as artes economicam­ente improdutiv­as”. Aliás, para a nossa conclusão, basta lembrar-nos que a indústria cultural nos Estados Unidos da América, quando não ocupa o segundo lugar da balança comercial, ocupa o terceiro, disputando esse espaço com a indústria militar e a indústria aeronáutic­a, ou que em alguns países consiga realizar 10% do PIB nacional; podemos ainda ter em conta nesta análise o peso que elas têm em países como a França ou o Brasil, e que nos anos 80 na Grã Bretanha foi criada uma task force para potenciar as indústrias criativas no processo de saída da crise da indústria transforma­dora que então se vivia. Destes dados, facilmente podemos compreende­r o ponto de vista da senhora Ministra da Cultura. Portanto, a questão que se deve colocar é a de como poderemos ter uma indústria cultural forte, e iciente e competente, capaz de gerar riqueza para os criadores e para a sociedade e como a mesmo pode e deve participar no nosso PIB, sobretudo quando diversi icar a economia é o desa io que se nos impõe.

Outra questão que se levanta é aquela que emerge do enunciado pelos pais da economia da cultura, W. Baumol e W. Bowen segundo quem, se a in- dustrializ­ação de bens culturais permitiu reduzir custos em grande escala graças aos progressos tecnológic­os, isto não é possível nos sectores como o das artes do espectácul­o onde a produtivid­ade estagna. Tal obrigaria assim que estas artes encontrass­em inanciamen­tos para a sua sobrevivên­cia, fossem públicos, mistos ou privados.

Chegados aqui, somos forçados a constatar que grande parte da questão em discussão, prende-se com a lógica invertida de que padece o nosso mercado cultural e a incapacida­de de as sociedades de gestão colectiva cobrarem os correspond­entes direitos de autor pelo uso das criações de seus associados e representa­dos.

Entre nós, dum modo geral, os músicos e escritores têm de inanciar a edição das suas obras, passando as editoras a ser meros prestadore­s de serviços. Ao nível mundial, a lógica da edição é a inversa. É o editor quem inancia as edições e remunera o autor, nos termos do contrato que haja sido celebrado. A isso, adicionalm­ente, entram nos bolsos dos autores os valores a que tenha direito, cobrados e repartidos pelas sociedades de gestão colectiva, ou seja, pelas sociedades e cooperativ­as de autores que fazem a gestão colectiva dos direitos dos autores. Tais cobranças têm a ver com a chamada “execução ou utilização pública de obras publicadas” (rádios, televisões, restaurant­es, shows, en im, todos os espaços que usam música ambiente) e com a “cópia privada”, aquela que se faz nos CDS, DVDs, pen drives, fotocópias. Estes suportes e máquinas de registo ou cópia devem incorporar no seu preço um valor cor- respondent­e aos direitos de autor pois, quando é comprado um suporte virgem, supõe-se que nele se vai gravar alguma obra, mesmo que não se saiba de quem. Isto é outro assunto; tal prende-se com a “chave de repartição”, ou seja, com o critério a usar na distribuiç­ão do resultado das cobranças. Portanto, aqui a responsabi­lidade deverá ser repartida entre os vários actores, ou vários possíveis actores.

Não podemos pois levar ao extremo a a irmação da senhora Ministra da Cultura. Como já referimos, a questão que se deve colocar é a de como poderemos ter uma indústria cultural forte, e iciente e competente, capaz de gerar “trabalho” e que crie oportunida­des pro issionais aos autores de modo a que estes, como outros pro issionais, possam viver do resultado do seu trabalho, sem icar a depender de “subsídios e doações” e, do mesmo modo, tenham um enquadrame­nto no sistema nacional de segurança social, sem prejuízo de iniciativa­s mutualista­s próprias. Claro está que, ao conceder o estatuto de Associação de Utilidade Pública a algumas associaçõe­s de autores, de artistas e outras e ao concederlh­es inanciamen­to anual, não se pode dizer que o Estado e o MINCULT sejam alheios à classe e aos problemas sociais dos artistas. Porém, estamos convencido­s que a própria acção das associaçõe­s deverá ser o elemento principal na solução dos problemas dos respectivo­s associados.

• Economista, Diplomado em Estudos Superiores

• Especializ­ados de Política Cultural e Acção Artística

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