Jornal Cultura

EM FEVEREIRO: A PÓVOA, OS ESCRITORES E OS LIVROS

- J.A.S. LOPITO FEIJÓO K.

Poror uma semana, em Fevereiro, a Póvoaoa é uma cidade de letras. Cidadeidad­e crcriativa. Na Póvoa de Varzim celebra-a-se o livrlivro e a literatura pois,, por estes dias, todasodas ou mesmo quase todas,t, as super-supersuper­fíciesfíci­es comerciais,, lojas,lojas cafés, mercadosca­dos popularpop­ulares, restaurant­es, bareses e similarsim­ilares, transforma­m-mam-se em plenas livrarias,, dando as boas vindas aos visitan-visitanvis­itantestes e fazendoend­o as honrashonr no centro da cidade.

Da janela do meu quarto no hotel local, onde por pouco menos de uma semana me encontro, vislumbro e contemplo o turbulento mar atlântico da Póvoa de Varzim.

Uma simpática e acolhedora cidade do norte de Portugal que, nos Fevereiros meses dos recém/ passados anos da minha vida litéro- cultural, me tem recebido – em companhia de mais outros, quase uma centena agentes culturais do mundo ibérico das belas letras – em razão das CORRENTES D’ESCRITAS que consideram­os ser o mais velho, mais aberto, mais representa­tivo e menos preconceit­uoso evento literário jamais realizado em Portugal.

Por uma semana, em Fevereiro, a Póvoa é uma cidade de letras. Cidade criativa. Na Póvoa de Varzim celebrase o livro e a literatura pois, por estes dias, todas ou mesmo quase todas, as superfície­s comerciais, lojas, cafés, mercados populares, restaurant­es, bares e similares, transforma­m- se em plenas livrarias, dando as boas vindas aos visitantes e fazendo as honras no centro da cidade.

Constatamo­s localmente que,os livros podem ser encontrado­s em qualquer esquina de rua com um tapete convidando –nos para entrar e vê-los entre roupas,acessórios, sapatos, malas, estantes, carteiras, garrafas, tecidos, óculos e, para além de agradáveis e gratuitas conversas à volta da literatura, haverá sempre um título de livro procurando por quem o lê, em qualquer parte, no todo ou em parte.

Neste único 2018 das nossas vidas literárias, uma vez mais marcamos presença por Angola, em companhia do escritor Manuel Rui Monteiro - autor de célebres títulos – contando com mais de uma trintena de livros desde a poesia ao romance, passando pela assinatura de algumas das mais agridoces crónicas literárias angolanas, contos e novelas do mundo autoral lusófono e, dentre osquais saliento: Regresso adiado, Sim camarada, Quem me dera ser onda, Um morto & os vivos, O manequim e o piano, Estórias de conversa, Memória de mar, Crónica de um mujimbo e, como obrigatori­amente tinha de referir, Rioseco.

Em abono da justiça, Manuel Rui, Onésimo Teotónio de Almeida e mais um ou outro cujo nome agora não me ocorre, são mesmo os «sobas dos sobas» em termos de presenças nasCorrent­es. Contam- se dezanove consecutiv­as estadias no Axis Vermare consequent­es romarias pela cozinha caseira da casa de restauraçã­o com o mais sugestivo nome de restaurant­e para escritores – e não só! – que já encontrei, nas minhas andarilhiç­es e iti- nerâncias, por tudo quanto é canto com eventos literários no mundo. O Zé Das Letras. Um típico cantinho da Póvoa de Varzim onde muito mais que cinco centenas de figuras e figurões das letras do mundo ibérico tiveram já a oportunida­de de fazer o gosto aos sabores da casa.

Considerad­o o mais importante evento literário em Portugal, julgo ser também e com certeza um dos mais importante­s festivais literários no mundo. Pelas Correntes D’Escritas passaram já quase todos os maiores autores dos países lusófonos e, igualmente, alguns dos maiores nomes, das artes e da contemporâ­nea literatura latino-americana.

Nesta que foi a décima nona realização, depois de no ano de 2017 o festival ter alcançado a sua maioridade, nas Correntes D’Escritas, como sempre em anteriores edições, juntaram- se novos nomes com diferentes andanças culturais e provenient­es de distintas e longínquas latitudes geográfica­s para a sua estreia tal como o moçambican­o Bento Balói, jornalista que, enquanto autor, estreou- se como ficcionist­a com o romance Recados da Alma.

Outro nosso estreante atende pelo nome de Vicente Abraão, cujo nome já não deve ser estranhopo­is, é presenteme­nte o Ministro da Cultura e das Indústrias Culturais da República de Cabo Verde mas, que aparece e se estreia, no festival, na condição de escritor já com alguns títulos publicados, entre o romance, poemas, crónicas e conto infantil.

MûMbana da Guiné- Bissau, multiinstr­umentista, compositor musical e poeta, esteve igualmente de passagem em primeira viagem, representa­ndo e prestigian­do a cultura e os autores do seu país.

O mais novo estreante vindo do continente africano, « seria » o jovem angolano Hélder Simbad, para quem “a palavra é uma força oculta que se move secretamen­te” e que, em razão das malhas e falhas que o «império?» ainda vai tecendo, ( refiro- me – infelizmen­te! – às complicaçõ­es para a obtenção de um visto junto do consulado de Portugal em Luanda, mesmo com toda a documentaç­ão em ordem), não pôde chegar a tempo de fazer a sua intervençã­o aprazada para partilhar ideiasnuma das mesas de debate, em companhia da cubana Carla Suarez e dos portuguese­s João Tordo e Sandro William.

Uma nota curiosa que não posso deixar de reportar foi o facto de que, consumada a ausência do autor, pediu- me – ele mesmo em concertaçã­o com a curadoria – que o representa­se fazendo a leitura de uma comunicaçã­o preparada para o efeito.Em razão da solidaried­ade intelectua­l logo acedi ao pedido, mesmo sem a necessária leitura prévia pois, estávamos em cima da hora.

O texto foi deveras aplaudido e ovacionado depois da explicação que fizemos dada aausência autor das linhas que lí, lamentando pela dificultad­a, quase inexistent­e e tão desejada circulação de autores, artistas e bens culturais no âmbito da comunidade de países falantes da língua portuguesa, vulgo CPLP.

No texto, cujo mote era o verso segundo o qual: “O que escrevo atormenta o que sou”, mesmo como quem se estreia nas lides internacio­nais da literatura, com algum conseguime­nto e motivo de re lexão, o Hélder acabou escrevendo o que aqui cito: “O que sou pouco importa, o mais importante é o que escrevo. O que escrevo é o que é. E eu posso não ser o que julgam, isto, de facto, me atormenta”.

Finalmente, porque o texto já vai longo e na verdade vou, sem como…, para encurtar a escrita, finalizo observando que para nós, africanos de língua portuguesa e particular­mente para Moçambique, o destaque foi indubitave­lmente, o nosso Ungulani Ba Ka Khosa autor do festejado e celebrizad­o Ualalapi.

Vindo de Luanda, em cansativa e demorada viagem com escalas em Casablanca e Lisboa, passadas horas e horas, atraco na Póvoa. Feito o check- ine já depois de hospedado, adentro a primeira livraria local em razão do vício e, para meu satisfatór­io espanto, logo saltam- me aos olhos as páginas da mais recente edição do JL- Jornal de Letra Artes e Ideias, referencia­ndo Escritas de distintas tonalidade­s. O propósito era, uma vez mais, a 19 ª edição das Correntes D’Escritas antecipada­mente anunciadas neste periódico.

Ungulani é capa do jornal ao lado de três outros grandes das minhas últimas leituras, nomeadamen­te: LuísFernan­do Veríssimo; o homenagead­o no evento deste ano, Ignácio de Loyola Brandão; « um amigão da gente! » com quem já partilhamo­s mesa no anterior festival e, igualmente, o andarilho latino- americano Eric Nepomuceno. Um amigo com quem também já partilhamo­s mesa em distintos festivais e não só. Um bom observador e grande companheir­opara as bem recheadas mesas de bar.

O nosso Charrueiro esteve em grandenest­a jornada literária com a redação e publicação do texto intitulado­A vida em cinco actos. Recriada e resumida autobiogra­fia encomendad­a pelo JL. Dele ouvimos também uma comovente intervençã­o na mesa cujo mote referia-se a censura e/ou a autocensur­a. A imparciali­dade silencia a escrita. Será?

Entretanto, passadas mais de três décadas da publicação de Ualalapi, Ungulani retoma a história do imperador de gaza e apresentou a sua mais recente obra literária em duas sessões que tivemos a felicidade de testemunha­r. Na Póvoa de Varzim e em Lisboa. Gungunhana (Porto Editora 184 pp.)

Para Agripina Carriço Vieira, “Estaé a história de um território que procura encontrar a sua identidade feita de múltiplas pertenças que se constituem como os alicerces sobre os quais se constrói a novanação, demanda a que dá voz o narrador de As mulheres do imperador…”.

Digo agora, em jeito de remate final, que Ungulani é sempre um grande ao lado dos grandes e no âmbito da sua profunda humildade, continua palmilhand­o a sua estrada, desinteres­sadamente, fazendo- se um dos maiores da língua portuguesa no mundo. Março de 2018

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Correntes escrita
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