Jornal Cultura

A LAGOA DO NOVAES

Conto de António Fonseca

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A fama de Kabuku Kanjila atravessav­a o continente e estendia-endia-se aaté ao Índico. Não admiraa pois que naquela circircuns­tância o Capitão tivesse vistoo ali chegar,chegar vindo de Zanzibar, conduzindo uma caravana,car Ben, o Árabe e também a caravanaan­a de Abdel que, na condição de piloto, já haviavia percorrido a costa Índica e de Nassolo que após seis meses de viagem ali hahaviam viam chegado paraa perpermuta­r tecidos e armas de fogo por escravosos e marfim. mar

Já ia longe o tempo em que o súbdito de Sua Majestade franqueara as portas do Kwanza, os dois grandes rochedos que formam como que umbrais de um portão ligando as grandes rochas dos morros laterais ao rio. Mais adiante, após o grande lago onde se viria a buscar a água para o presídio, ali ele se instalara, em terras de Kabuko Kanjila. Não fora tolerado, pois, naquelas terras, só a ele, Kabuko Kanjila, competia autorizar a instalação de estranhos, mesmos em terras não cultivadas. Havia o Capitão infringind­o as leis do sobado… e, por isso mesmo, fora preso e ali permanecer­a. Naquela circunstân­cia vira ser entronizad­o o novo Kabulo Kanjila que, segundo se soube, viu reconhecid­os pelos makota que o elegeram, um grande poder espiritual. Com efeito, na madrugada do dia em que se reuniriam os makota para a decisão, ouviu-se um enorme barulho no telhado da casa daquele jovem imberbe e, quando lá foram veri icar, encontram-no ofegante deitado no leito. Para admiração dos makota, dizia que acabava de regressar de uma longa viagem voando numa casca de milho… Estava assim encontrado aquele que seria o guardião das relíquias dos antepassad­os e tinha poder bastante para conduzir os destinos do sobado.

Foi ainda naquela circunstân­cia que o Capitão percebeu quão grande era o poder de Kabuko Kanjila, o que se podia constatar pelo número dos habitantes da Mbanza, pelo facto de ali se dirimirem os conflitos locais, das redondezas e de regiões distantes e pelo facto de < ele controlar o comércio externo, particular­mente de escravos e marfim, assim como de tecidos, vinhos e armas de fogo.

A fama de Kabuku Kanjila atravessav­a o continente e estendia-se até ao Índico. Não admira pois que naquela circunstân­cia o Capitão tivesse visto ali chegar, vindo de Zanzibar, conduzindo uma caravana, Ben, o Árabe e também a caravana de Abdel que, na condição de piloto, já havia percorrido a costa Índica e de Nassolo que após seis meses de viagem ali haviam chegado para permutar tecidos e armas de fogo por escravos e mar im.

Foi também naquela circunstân­cia que, incrédulo, o Capitão vira o jovem Kabuko Kanjila afirmar-se sogro do soba do Kazengo, mãe do soba de Massangano, avô do soba do Libolo, irmão do soba de Kambambe, tio do soba da Kissama e familiar de todos os sobas a norte e nordeste do Kazengo. Perguntara- se então o Capitão como poderia um homem ser mãe de alguém, um jovem ser avô e duas pessoas serem irmãos sem serem filhos da mesma mãe ou pai. Compreende­u mais tarde que, ali, o parentesco contava- se de outra maneira. Tratava- se de uma contagem linhageira. Os do clã da mãe eram mãe, os do avô eram avô e por aí adiante. Percebeu assim ainda mais quão grande era o poder de Kabuko Kanjila.

Regressara o Capitão vários anos depois com homens bastantes e poder de fogo. Procurara não ofender o soba, não fosse este mobilizar toda a sua gente para o combater, agora que a cristianiz­ação avançava e o território se ocupava, como de resto era ali o seu propósito. Percebeu Kabuko Kanjila a força do Capitão e quanto este lhe podia ser útil nos con litos que, entretanto, por ali proliferav­am com outros sobados. Percebeu o Capitão que controland­o Kabuku Kanjila, pela via do seu poder linhageiro, estendia a colónia até às terras da Kissama e outras paragens longínquas. Celebraram então ambos, aquilo que hoje poderia chamar-se uma “aliança estratégic­a”. Por um lado, comprometi­a-se o soba a abraçar a fé cristã e a estendê-la aos demais sobados de que era o Nkulubundu, o chefe clânico; fornecer homens para soldados, os empacaceir­os; fornecer mão-de-obra para o comércio e para as obras; pagar o dízimo sobre os negócios e sobre as portagens. Por outro lado, o Capitão assegurava-lhe o fornecimen­to exclusivo de produtos importados como tecidos, vinhos, armas e munições, desde que deixasse de comerciar com as caravanas do Índico. Era-lhe ainda assegurado o reconhecim­ento da legitimida­de do seu poder e o apoio contra usurpadore­s e rebeldes internos e externos. O soba era também graduado a Capitão da Guerra Preta e Coman- dante Supremo de todos os sobas vassalos da região. Fora então pelo capelão da armada baptizado Kabuku Kanjila com o nome de Francisco Fernandes Castelobra­nco e foi nessa condição, de cristão e comandante, que se viu Kabuku Kanjila marchar ao lado do Capitão para recuperar os território­s que haviam sido perdidos lá para as bandas dos Dembos. Por tal feito, fora graduado coronel e, por Decreto Régio, fora-lhe atribuído o Hábito de Cristo e o título de Duque, passando a ser chamado Dom Kabuku Kanjila Francisco Fernandes Castelobra­nco. E o título Dom generaliza­ra-se por todo o território sob seu mando e vira-se então que, quando os pais levavam os ilhos para o baptismo, ao perguntare­m-lhes o nome, referira um cronista da época, mesmo não tendo um farrapo para os vestir, respondiam: Dom fulano, Dona Sicrana. Vira-se também o coronel marchar para norte, sobre o Kongo, para participar da recuperaçã­o das minas de cobre. Era então o poderoso e afamado Coronel já um velho octogenári­o, quase demente, mas terrível ainda pelo

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