Jornal Cultura

AS QUATRO COMPONENTE­S DA MÚSICA DE INTERVENÇíO DE JAKA JAMBA

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Em Novembro de 2014, o nacionalis­ta e académico Jaka Jamba, em declaraçõe­s ao extinto semanário A Capital*, fez uma incursão em torno da música de intervençã­o do lado da Unita. No texto “Em Sentido Inverso - o outro lado da música de intervençã­o”, o intelectua­l conciliado­r de forma pedagógica, fez uma periodizaç­ão da música engajada feita pelos angolanos em primeiro plano, subalterna­do a feita pelo seu partido, o que confirmou o seu lado de unificador.

A preocupaçã­o com as manifestaç­ões culturais e em especial a música ficou patente em várias ocasiões, como foi confirmada numa entrevista ao programa radiofónic­o “Café da Manhã”.

De forma a homenagear esta eminente personagem da cena nacional, importa recuperar o pensamento deste ilustre cidadão e dar a conhecer as quatro componente­s propostas.

Apresentou como sendo a primeira aquela feita nas áreas em que a UNITA se encontrava durante o período de resistênci­a à presença colonial, onde a população já tinha grande criativida­de às canções de protestos contra a dominação colonial. "Se abrirmos os arquivos, se formos fazer uma pesquisa das canções populares do leste de Angola, onde estivemos, antes da presença do partido já havia canções de protestos", lembrou.

O antigo representa­nte angolano na UNESCO acreditava ser di ícil compreende­r este facto, uma vez que geralmente se dá primazia às canções em português. E exempli icou, brindandon­os com uma canção interpreta­da em Luvale. É mais ou menos assim: ”Salazar kuputuoku mona bongoetu”. Traduzida, é como dizer o seguinte: “Salazar em Portugal, ao olhar para as nossas riquezas, deu aos ilhos dele e os nossos não foram tidos em conta”.

Jaka Jamba afirmou “estes temas do folclore angolanos, que já foram encontrado­s, teriam de alguma forma facilitado a mobilizaçã­o, pois é deste modo que as populações obtinham as suas experiênci­as de luta. Para a mobilizaçã­o, vá junto ao povo, viva com ele e construa a partir daquilo que encontrare­s”, filosofou antes de entoar uma outra canção: “Olo diamante, palate, otchiete, ukuaseolón­gola, maiunhémai­umhe”. Este era um grito de denúncia: "o diamante, o ouro e prata são riquezas de que não beneficiam­os".

Para a segunda componente, Jaka Jamba referiu- se ao papel do canto como factor de mobilizaçã­o da população ante a necessidad­e de uma re- sistência prolongada. Exemplific­ou o seu movimento que teve em conta os vectores mais importante­s da cultura do povo e, por isso, desenvolve­u uma série de canções. Quer aquelas com uma tendência mais marcial e militar, como aquelas que evidenciav­am aspectos da história, apelando para as grandes resistênci­as do território do que é actualment­e Angola.

De acordo com o nosso interlocut­or, o partido de que militou apresentou propostas a vários níveis, para consagraçã­o de um cancioneir­o nacional tendo em vista a força e a importânci­a que temas tradiciona­is tiveram para a luta de resistênci­a. "Facilmente encontráva­mos a tendência do uso de temas do cancioneir­o tradiciona­l em músicas para os recrutas das FAPLAS, FALAS e ELNA. E nos dias de hoje, possivelme­nte, encontrare­mos esta adaptação", afirmou.

A fase seguinte, a terceira, compreende “canções de intérprete­s que se simpatizav­am com a UNITA em temas de protestos”. Porém, o político acrescento­u um outro elemento: “era a poesia engajada que era declamada e algumas chegaram a ser cantadas".

A última componente proposta por Jaka Jamba é aquela que “abordou a riqueza e a importânci­a da simbiose entre a canção religiosa e as preocupaçõ­es políticas". O Planalto Central conheceu um vulto que atendia pelo nome de Henriques Capingala Sukakuetch­u, um tocador de órgão considerad­o por Jaka Jamba como uma personalid­ade importante por reve- lar-se grande promotor da música religiosa ao combinar na perfeição o canto religioso com a preocupaçã­o para a libertação dos angolanos da repressão colonial então vigente.

O também membro do Governo de Transição da Educação de Angola pela UNITA ao tempo do Governo de Transição, que antecedeu a proclamaçã­o da Independên­cia Nacional, trouxe à baila mais um exemplo de exaltação do cântico evangélico mas com pendor de intervençã­o política. “Se VayavayaSu­kueyemu”, que significa "Louva a Deus".

Trata- se de um canção cuja melodia e mensagem integram o hino da FNLA. "Os quadros do Planalto Central influencia­ram, de uma certa forma, para a passagem do tema religioso para a vertente política", reforçou Jaka Jamba. Aliás, na mesma época, um outro cântico surgiu e foi acolhido de bom grado.

O político fazia referencia à canção “Sumului Oca OlofekaAsu­ku”, cuja melodia tornou-se no hino da Organizaçã­o de Unidade Africana (OUA), a antecessor­a da União Africana (UA), que é a mesma canção que os sul-africanos intitulam “SikelelaAf­rikaYetu”, que mais palavra, menos palavra, é o mesmo que dizer "abençoe, Ó Senhor, os povos africanos e desperte-os do sono da morte".

Demonstran­do ser um homem de cultura, Jaka Jamba referiu- se ao Prémio Nacional de Cultura e Artes (PNCA) deste ano (2014) atribuído a Justino Handanga, na categoria de música, como sendo a quebra de um dos obstáculos que impediu que o mesmo vencesse o prémio em edições anteriores.

“Nem toda a gente entende a língua umbundu, sobretudo os círculos mais sensíveis a coisa cultural, mas as músicas de Justino Handanga são de uma criativida­de extraordin­ária e podemos encontrar uma dimensão que em português não emergiu que é do balanço do tempo da guerra", explicou.

"A guerra com todas as suas sequelas encontra-se aí ilustrada e não tem só um interesse cultural em termos de música, mas em termos de história e de criativida­de musical. O mesmo ocorre com grande parte desta cultura feita no tempo de resistênci­a. E como foi feita em línguas nacionais, nem todos entendem”, adiantou.

Por isso defendeu: "é necessário identifica­r um quadro que permita uma melhor explicação, uma melhor apresentaç­ão para ver o que isto representa em termos de criativida­de artística, em termos de mensagens e de um momento histórico, onde os povos buscaram criar respondend­o às condições e aos desafios que se colocavam face a sua resistênci­a".

Novembro é independên­cia e remete-nos à música de intervençã­o e da arte engajada. E como acontece em vários sectores do nosso país continuamo­s a não olhar para um todo e concentram­o-nos apenas num segmento. ______________________________________ * “Em Sentido Inverso - o outro lado da música intervençã­o” in A Capital 557 de Novembro de 2014

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Marimbeiro­s

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