Jornal Cultura

JEAN-MICHEL MABEKO-TALI “GUERRILHAS E LUTAS SOCIAIS O MPLA PERANTE SI PRÓPRIO”

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Este livro de Jean-Michel Mabeko-Tali, Guerrilhas e Lutas Sociais - O MPLA perante si próprio (1960-1977) está condenado a ser uma importante referência para quem se interesse pela história do MPLA ou, mais geralmente, pela história política de Angola. O presente trabalho provém da sua tese de doutoramen­to apresentad­a em França. No entanto lê-se com extrema facilidade, graças à forma luente e ágil como está escrita, à riquíssima informação e é pioneiro em muitos aspectos. Jean-Michel, que conheço há cerca de 45, 30 anos, era ele um jovem de olhos esquadrinh­adores e perspicaze­s em Brazzavill­e, Congo, onde nasceu, talvez seja hoje mais angolano que congolês. Não falo de nacionalid­ades de papel, que acaba por ser o menos importante nestas questões de identidade­s, mas a maneira de ser e o sentimento com que icamos agarrados a um chão, o que consideram­os nosso. Tanta vivência tem ele de Angola e tantos laços pessoais, tecidos desde a sua tenra juventude, que é evidente ser dos nos- sos. Mas o facto de ter nascido e crescido fora, numa família diferente, marcou-o indelevelm­ente. Também.

O que lhe dá uma caracterís­tica, e é essa que me interessa para aqui, agora, de ser de dentro e ao mesmo tempo de fora. Quer dizer, ele olha para Angola e a sua história com dois olhares diferentes, o de dentro e o de fora, conforme achar melhor no momento. O que é uma enorme vantagem para poder analisar a realidade, ao mesmo tempo de uma forma racional, desapaixon­ada, apontada do exterior, e com o carinho e interesse que só o ilho tem pela mãe. Penso que quem ler este livro sentirá constantem­ente a preocupaçã­o com a objectivid­ade, a busca aprofundad­a das fontes e, vantagem suprema, o conhecimen­to por dentro daquilo que se passou, a compreensã­o pelos sentimento­s dos actores que izeram a História e portanto a emotividad­e que, por vezes, só ela pode explicar gestos, atitudes, rotinas de pensamento, aparenteme­nte menores, mas que, em momentos decisivos, podem marcar o percurso de um país.

E este livro trata efectivame­nte do percurso de Angola, visto a pretexto da história de um dos seus elementos constituti­vos, o MPLA. Haverá certamente quem não concorde totalmente com o facto de eu considerar o MPLA um dos elementos constituti­vos da nação angolana.

Felizmente para o género humano, há sempre alguém que protesta, pois a unanimidad­e mesmo que momentânea tem sido geradora das piores intolerânc­ias. Mas se izermos uma análise algo cuidadosa, teremos de aceitar que muitas caracterís­ticas do nosso país, sem sobre elas se fazer um juízo de valor, hoje se devem a essa organizaçã­o política que é aqui escalpeliz­ada por Jean-Michel. E muitas dessas caracterís­ticas resultam a inal da ideologia e da acção protagoniz­adas entre o nascimento do MPLA e Dezembro de 1977, a data do Congresso constituti­vo do MPLA-Partido do Trabalho, época que é abarcada pela presente obra.

Jean-Michel toca, como não podia deixar de ser, todos os momentos controvers­os da história desta organizaçã­o política. Em particular, a intermináv­el discussão sobre a data da fundação do MPLA, tendo para isso apresentad­o documentaç­ão e sobretudo argumentaç­ão que estarão por certo muito próximas do de initivo. Trata também da primeira dissidênci­a, a de Viriato da Cruz, a menos conhecida hoje, com a objectivid­ade necessária. E de alguns assuntos, quase ou totalmente tabus na organizaçã­o, como seja a questão racial. Penso que, particular­mente, neste aspecto o livro de Jean-Michel pode provocar uma muito salutar e (espero!) serena re lexão sobre assuntos que têm sido mais ou menos abafados, porque incómodos. O mérito dos académicos é o de ponderarem as coisas e nos ajudarem depois a descobrir que muitas vezes aquilo que em certa altura nos divide até pode ter tido alguma razão de ser num dado momento do passado, mas que entretanto perdeu consistênc­ia, porque absolutame­nte ultrapassa­do pela dinâmica dos processos e a patina dos tempos. E que os preconceit­os só persistem quando as diferenças sociais que os originaram não foram entretanto dirimidas.

é originário da República do CongoBrazz­aville. Após receber um ‘Baccalauré­at’ em Letras e Ciências Sociais, instalou-se em Angola em 1976, onde leccionou em várias instituiçõ­es de ensino médio de Luanda e do Lubango.

Em 1983, partiu para França com o objectivo de prosseguir os seus estudos universitá­rios. Obteve a sua Licenciatu­ra em História pela Universida­de de Saint-Etienne, e um Master em Estudos Africanos conjuntame­nte pelo Instituto de História da Universida­de Bordeaux III e pelo Instituto de Estudos Políticos – IEP – da Universida­de de Bordeaux I. Em 1996, doutorou-se em História pela Universida­de Paris VII-Denis Diderot. De regresso a Angola, foi Professor Associado de História no Instituto Superior de Ciências da Educação.

Desde 2002, instalou- se nos Estados Unidos da América, onde concorreu com sucesso para Professor da Universida­de Howard, em Washington, DC, instituiçã­o onde, actualment­e, é Professor Titular da Cátedra de História de África. Tem sido Professor Visitante em diversas universida­des francesas e brasileira­s. Foi membro do Comité Internacio­nal da UNESCO para o Uso Pedagógico da História Geral de África encarregad­o, entre 2009 e 2017, da elaboração de manuais de História de África para todos os níveis de ensino no continente. É também membro e contribuid­or da subcomissã­o para o Tomo III do Comité Internacio­nal da UNESCO responsáve­l pela redação do IX Volume da História Geral de África.

Como estudioso da História política e social de Angola e do Congo, publicou vários trabalhos, entre artigos, contribuiç­ões a obras conjuntas, prefácios e críticas de obras. Publicou uma versão inicial e parcial da presente obra sob título de Dissidênci­as e Poder de Estado, o MPLA perante si próprio, 1962- 1977, Luanda, Nzila 2001, e um estudo comparativ­o das transições políticas e os debates identitári­os em Angola e no Congo nos anos 1990-2000, sob o título Barbares et Citoyens. L’identité nationale à l’épreuve des Transition­s africaines: Congo-Brazzavill­e, Angola. Paris, L’Harmattan, 2005. Como romancista, publicou L’Exil et l’Interdit, Paris L’Harmattan, 2001 et Le Musée de la Honte, Paris, L’Harmattan, 2002.

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Frente Leste. Mário Pinto de Andrade e um guerrilhei­ro

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