CARMO NETO
EXPLICA ANTOLOGIA
Uma nova antologia lançada em Portugal faz uma leitura ampla de grande parte da literatura escrita originalmente em português. O secretário- geral da União dos Escritores Angolanos (UEA), Carmo Neto, explica, em entrevista, a importância da presença de autores angolanos neste trabalho que propõe um olhar panorâmico e planetário da criação literária desde os textos fundadores aos escritores revelados até ao ano 2000.
A editora portuguesa "Tinta da China" acaba de lançar a obra “LiteraturaMundo Comparada: Perspectivas em Português”, uma antologia com coordenação de Helena Carvalhão Buescu e Inocência Mata que reúne textos literários de todo o mundo em sete volumes. A obra, que propõe um olhar panorâmico e planetário da criação literária desde os textos fundadores aos escritores revelados até ao ano 2000, conta com o alto patrocínio do Presidente da República Portuguesa e tem, a secundá-la, parceiros institucionais de relevo: da Sociedade Portuguesa de Autores à Fundação Macau, da Comissão Geral da UNESCO em Portugal ao Instituto Camões, do INIC à CPLP, com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e o contributo essencial da União dos Escritores Angolanos (UEA). E é exactamente o secretário-geral da UEA, Carmo Neto, que nos faz uma leitura dirigida da antologia que pretende marcar uma época e sugere muitos estudos. "Particularmente, gostei da selecção, porque notei o alargamento das ideias da multiplicidade que a língua portuguesa pode representar no mundo da cultura, com pausas e sinfonias diferentes", diz o escritor.
JORNAL CULTURA - Sabe-se que a antologia traz obras de escritores da CPLP, sobre vários pontos especí icos, as suas próprias vivências e a realidade dos seus países...
Carmo Neto - A antologia envolveu mais de 100 especialistas e académicos de diferentes instituições pro issionais e universidades de várias partes do mundo, inclusive de Angola, como os professores Luís Kandjimbo e Manuel Muanza. São três partes que dão corpo ao projecto. A primeira parte, com o selo do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras de Universidade de Lisboa, tem 1.500 páginas e está disponível ao público leitor em dois volumes, com textos de mais de 300 autores, entre africanos, brasileiros, portugueses, goeses e macaenses, que tenham publicado desde a chamada época clássica à moderna, designadamente o ano 2000. Depois sairá a segunda parte, também com dois volumes e, inalmente, a última parte, com três volumes. Com esse projecto, julgamos não haver estratégia mais soberana para se pôr em diálogo várias culturas, épocas e fronteiras que se comunicam em português, e desa iar mesmo a capacidade interpretativa do leitor, estimulando-o a realizar-se nos diferentesgéneros que compõem a antologia.
JC - Quais foram os critérios para a selecção dos autores?
CN - Tal como referiu numa entrevista a coordenadora do projecto, a professora Helena Buescu, mais do que pensar em presentes e ausentes, o mais importante é reconhecer a coerência do todo e que fazer escolhas implica incluir e excluir. Uma antologia é uma proposta que obedece a critérios, sendo um deles o da auto-realização no limite do simbólico. Os organizadores seleccionaram textos em prosa, excertos de poemas e poemas, sempre procurando o equilíbrio. Sei que de iniram secções temáticas para a selecção dos textos e dos autores, além da inserção histórica, o que icou traduzido nas dez categorias. Particularmente, gostei da selecção, porque no- tei o alargamento das ideias da multiplicidade que a língua portuguesa pode representar no mundo da cultura, com pausas e sinfonias diferentes.
JC - Como avalia a interacção e cooperação entre os escritores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e qual o papel que Angola deve jogar?
CN - Reconheço que a interacção e cooperação poderia ser melhor, principalmente porque a CPLP poderia desenvolver um papel bem mais activo a favor da promoção da diversidade cultural que enriquece a língua portuguesa. O papel de Angola tem sido interessante, na participação, promoção de acções e estímulos de parcerias entre autores ou nações. Particularizando o caso da União dos Escritores Angolanos, de que sou secretário-geral, estamos a trabalhar num projecto com Cabo Verde para a construção duma antologia com autores dos dois países. Temos vindo a convidar autores do espaço CPLP e temos participado em eventos literários através dos nossos membros. Mais recente e evidente é também essa antologia. Claro que no capítulo daquilo que pode ser feito no campo da interacção e cooperação entre escritores do espaço da CPLP é insigni icante. Mas, a nosso nível, é o possível.
JC - Além do lançamento de antologias, que se pode inserir no âmbito do projecto de internacionalização da literatura angolana, como se pode tirar proveito da tradução?
CN - Boa pergunta. Olha, pela tradução podemos construir uma nítida consciência e reconhecimento do outro. Ora, do ponto de vista criativo, escrever é já, em si, um acto de tradução de uma palavra interior. Mas para o editor, leitor, estudioso, etc., a tradução é um processo bem mais complexo que leva a tirar um texto de uma margem linguística para outra, implicando inclusive questões antropológicas. Se considerarmos que Angola é um país com uma produção literária ainda aquém do esperado, estará possivelmente mais aberto à necessidade de procurarmos a tradução. Ou seja, o nosso país está “encravado” entre anglófonos e francófonos, com produções literárias bem mais pujantes do ponto de vista quantitativo. De igual modo, a população potencialmente leitora é bem mais numerosa nos países vizinhos. Logo, por esse caminho, devemos admitir que a tradução, para nós, surgirá como forma de nos darmos a conhecer aos vizinhos e consumirmos o que os vizinhos produzem. Desde o fonemático até o semântico, tendo como referência o contexto situacional do texto, a tradução surge não apenas como uma transcrição exacta do que se encontra no texto original, mas também uma área em constante evolução capaz de prolongar a vida dos textos. E se pretendermos prolongar a vida dos textos dos nossos autores, temos também que tirar proveito da tradução.
JC - A longo dos seus mandatos, tem procurado fundamentalmente consolidar os projectos já existentes e procurar parcerias para a concretização de outras iniciativas de interesse nacional e internacional em curso. Que balanço faz até agora?
CN - Se tiver que resumir esse balanço que me pede, eu diria: insatisfação! Se alguma coisa foi feita, se alguns livros foram publicados ou reeditados; se algum autor foi internacionalizado, se a diplomacia cultural foi mais longe através do livro, se alguns acordos foram celebrados com instituições internacionais, entre editoras, universidades, fundações, etc, icará sempre em mim a ideia de que muita coisa icou por ser feita até aqui. Não interessa agora falar das razões que concorreram para o alcance do inatingido. Claro que estamos satisfeitos com alguns projectos que marcarão certamente a história recente da União dos Escritores Angolanos e da literatura angolana no geral. Mas poderíamos ter ido muito mais além. Entretanto, deixe-me manifestar a minha satisfação por termos participado, como União dos Escritores Angolanos, num dos mais ambiciosos projectos literários, editoriais e até mesmo cientí ico-académico no que diz respeito a organização, edição e produção de uma antologia como essa: Mundos em Português. A presença de autores angolanos e de textos que modelam nossos diferentes contextos colocam-nos numa posição privilegiada para sermos lidos e estudados pelo mundo. Nesse particular, estou imensamente feliz.
As condecorações, medalhas e títulos honoríficos outorgados a Agostinho Neto enquanto nacionalista, médico, lutador pela libertação, poeta, ensaísta, estão agora reunidas num livro.