Jornal Cultura

SEIS POEMAS DE EUGÉNIA NETO

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Agostinho Neto

Sabes, meu amor que eu sinto que tu vens em todas as manhãs. Ainda ela é um arco-íris e eis-te vestido de lilás na gama dos azuis O azul era a tua cor predileta! Eramde azul diáfano os véus com que me envolveste quando escreveste na cadeia do Porto a tua poesia lírica para mim e ma ofertaste escondida no invólucro de um maço de cigarros quando eu te fui visitar à cadeia. OPide passeava para cá e para lá. Num ápice de segundo estendeste o braço do outro lado da mesa e puseste-o ao lado do meu cestinho branco que me servia de carteira. O meu coração parou quando cobri o maço com a mão. Recordas-te? Mais tarde já em liberdade quando subíamos os pinhais na Praia das Maçãs como tu sorrias complacent­e do meu jeito infantil quando bebia a cor a luz, o brilho doverde e das margaridas como estrelas. - Eu era o electrão saltitante dos metais que ao tocar a tua mão induzia a correntes de perdão – E o nosso amor maravilhos­o era mais puro e luminoso que o fogo de todos os sóis! Como foi tão curto o tempo para nós. Lisboa, 21 de Março de 1998

Sempre chega o dia da verdade

Quando a manhã se anuncia lavada de nuvens límpido o céu - o vento aclareando tudo - é que o dia da verdade chegou. Então tremem os mentirosos os cobardes os criminosos. E a manhã radiosa mais não é do que uma consciênci­a. Lisboa, 1998

Silêncio

Quando os poetas não cantam como o galo o apontar da madrugada é que o povo perdeu os seus bardos. Os arautos lassos imolam-se no silêncio. Luanda, 29 de Agosto de 1998

Desejo

Se os raios vermelhos da aurora contivesse­m a amizade, a lealdade, a modéstia e a bondade eu pediria ao sol que em par abrisse as suas cores sobre Angola inteira em cada despontar de um novo dia. Luanda, 29 de Agosto de 1998 Em Setembro Ah! Agostinho Neto que nos venha um canto que faça irromper todas as fontes e se juntem num só caudal. Que esse canto seja o canto da Terra a circular em todas as raízes e a germinar em todas as árvores. Que seja o oxigénio vivi icador que alimente a combustão dos nossos corações tão tíbios. Ah! Agostinho Neto envia ainda para nós a chama ígnea do teu amor por Angola e sustém os que lutam por ela! Luanda, 2 de Agosto de 1998

Homenagem de Saudade

Que música entoar-te neste dia Pai da Pátria que fundaste Certamente já não avé-marias mas uma música impetuosa prenhe de verdade que penetre os recônditos da consciênci­a e rasgue os véus da calúnia com que te envolveram! A Nação chorou-te um ano inteiro nesse pranto de Gounot Era uma vibração pungente eram os melhores que te choravam E eu aprendi a chorar cantando como faz o Povo aos seus mortos Agora, e já, o tempo é da verdade e ei-la irrompendo em catadupas. Lisboa, 23 de Março de 1998 (Durante um ano inteiro, entoou-se no Palácio do Povo ao iniciar o crepúsculo, a Avé Maria de Gounot, cuja música se espalhava ao redor num choro de saudade)

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