O vácuo da crítica literária em Angola
Este artigo é uma homenagem a Dionísio de Halicarnasso, considerado o fundador da crítica literária. Dionísio nasceu na Ásia Menor, em meados do século I a.C. e terá deixado este mundo provavelmente pelo im do século I a.C. ou início do século I.
Viveu em Roma desde 29 a. C. onde ensinou gramática e conviveu com escritores gregos e latinos. Diz a Wikipédia, que “a sua importância como crítico e esteta é grande, tendo renovado o gosto pelos clássicos gregos e latinos através de um exame severo e sereno das qualidades artísticas dos bons escritores.”
Ora, aqui se de ine a mais importante tarefa do crítico literário, s saber, “o exame severo e sereno das qualidades artísticas dos bons escritores”. Realmente, é a essa tarefa que se dedicam os críticos que conhecemos, uns já falecidos, outros ainda a respirar a vitalidade das palavras lidas. Dos outros “escritores” não se ocupa a crítica, por não terem oiro a ser depurado no crisol da ensaística, e porque os pseudo-escritores, pela sua afronta moral contra o Templo da Literatura, demonstram um espírito interesseiro e, como é óbvio, nunca aceitam uma crítica nos moldes acima alinhavados: severa e serena.
Infelizmente, em 43 anos de independência, a Academia angolana não foi capaz de produzir um único crítico pro issional, que, com regularidade se pudesse dedicar à crítica literária, e capaz de “um exame severo e sereno das qualidades artísticas dos bons escritores”. As análises e apresentações que passam pelos palcos dos lançamentos das obras têm um carácter saturadamente laudatório. E o único ensaísta cá da terra (porque a ensaística sobre a Literatura Angolana vem-nos sistematizada de Lisboa, Porto, Coimbra, ou Brasil e tem um viés paternalista), Luís Kandjimbo, não encontrou o tal suporte académico que falta no país dedicar-se completamente à arte de esmiuçar os livros aqui saídos, tendo icado limitado ao horizonte temporal que a vida lhe permitiu abarcar.
Análises surgidas em órgãos da imprensa local e produzidas esporadicamente por mera carolice não formatam a história da ensaística literária, por falta de rigor cientí ico e por misturarem alhos com bugalhos, como é o caso da tentativa gorada de Norberto Costa considerar Rosária Silva a primeira romancista angolana, quando a única obra desta autora, Totonya, não entra propriamente na classe da narrativa literária, por demérito de composição estético formal e defeitos de linguagem.
O caso de Mário Joaquim Aires dos Reis, da Universidade Katyavala Bwila, Benguela, que já publicou neste jornal, é um fenomeno raríssimo de um cultor das Letras que faz crítica com a mesma paixão que Dionísio fez no seu tempo. Restrito a um campo diminuto de autores da nossa Literatura, espera-se de Mário Reis se consagre com uma obra monumental como a Formação da Literatura Angolana, de Mário António, limitada temporalmente à sua época.
Este vácuo crítico pro issional e académico na ensaística literária tem prejudicado o progresso qualitativo da Literatura em Angola. Não são apenas os jovens autores que dela necessitam para rever procedimentos, estruturação técnica e caminhos a seguir para o constante apuramento literário das suas obras. Alguns “escritores” indevidamente galardoados com prémios de literatura no país dela também necessitam para se lhes provar porque é que nunca produziram obra de excelência.
Não há ( ainda) ensaísta em Angola com coragem para isso. A nossa sociedade é ( ainda) acrítica a todos os níveis e não tem havido espaço, nem qualidade no Ensino Superior em Angola para produzir e custear este tipo de talento profissional.
Dois jovens estão a dar os primeiros passos (com bastante convicção) neste domínio: Joaquim João Martinho e Hélder Simbad. Deram já provas de inusitado empenho ao produzir textos ensaísticos aqui publicados. Para dar mais coragem aos dois, o Jornal Cultura tem a dizer que o principal requisito para quem pretende cultivar este domínio é o mesmo dos tempos de Dionísio de Halicarnasso: a leitura crítica das obras que vão saindo no mercado e das que o passado deu à estampa. Trabalho árduo. Mas, sem esse trabalho, não pode haver crítica da Literatura.