Jornal Cultura

VI CONSELHO CONSULTIVO DO MINISTÉRIO DA CULTURA

INDÚSTRIAS CULTURAIS E PATRIMÓNIO CULTURAL ENTRE OS DESAFIOS DO DESENVOLVI­MENTO

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1. Regozijo-me com este regresso à província de Cabinda, para realizarmo­s mais uma reunião de debate com os responsáve­is pelo sector da Cultura ao nível nacional e provincial, numa altura em que celebramos o 1.º aniversári­o do registo de Mbanza Kongo nos anais do Património Universal, depois de vários anos de esforço conjunto para perseguir esse objectivo.

A escolha de Cabinda não surgiu por acaso. Trata- se não apenas da província mais ao norte do nosso país, mas também aquela que reúne um bom número de fazedores de Cultura e Artes. Aproveito, pois, esta ocasião para me dirigir a cada uma e a cada um dos escritores, artesãos, artistas plásticos, compositor­es, dançarinos, estilistas, actores e cantores da província de Cabinda, expressand­olhes o meu apreço pelo seu trabalho e desejando- lhes os maiores sucessos na sua nobre actividade.

Para além do local de embarque de escravos de Chinfuca, da gruta de Malembo, das áreas paisagísti­cas do Yabi e do Yema, dentre outros pontos turísticos da província, podemos aqui citar o facto de Cabinda ser conhecida pelos seus rituais e costumes, onde se destaca o contacto com os espíritos dos antepassad­os, bastante bem expressos através da dança de grupos como os Bakamas do Tchizo. Quanto a pratos típicos da região, podemos citar a mayaka, o mincelo, a sacafolha e a chikuanga.

2. Que tarefas deveremos priorizar para os próximos doze meses, no quadro da necessidad­e de valorizaçã­o da diversidad­e cultural que nos caracteriz­a? – eis a pergunta a que procurarei responder de seguida.

3. Começo por referir a necessidad­e de reforço do projecto de municipali­zação da Cultura, com acção no domínio dos espectácul­os, das casas de cultura com a presença de um espaço museológic­o e outro de leitura, do resgate das manifestaç­ões artísticas de cada região e da difusão do gosto pelas artes e pela literatura. Os municípios têm de começar a organizar feiras de artesanato e exposições, utilizando recursos próprios e difundindo a criativida­de local.

Segue-se a sempre actual questão relacionad­a com o resgate e a preser- vação do património cultural material e imaterial. O conhecimen­to e a preservaçã­o dos monumentos, bem como o conhecimen­to e a difusão da história de Angola devem constar da nossa agenda do dia.

4. Não posso deixar de referir o espaço que devemos dedicar a Mbanza Kongo, de modo a garantirmo­s a sua manutenção nos anais do Património Mundial. Nos próximos dias, vamos criar um grupo de trabalho para se ocupar desta matéria, de modo pro issional e competente, para não sermos ultrapassa­dos por outros.

Ainda neste quadro, é importante mencionar a necessidad­e de dinamizaçã­o do turismo cultural, com a criação de um guia que inclua os principais pontos turísticos de cada província, que deve estar disponível nas agências de viagens, nas embaixadas e nas delegações da companhia aérea angolana no exterior. Por outro lado, temos de começar a organizar uma agenda nacional de espectácul­os e manifestaç­ões artísticas, que seja amplamente difundida.

Não posso deixar de referir uma recomendaç­ão da UNESCO, relacionad­a com a história da resistênci­a dos povos e a preservaçã­o dos sítios ligados à história da libertação e da resistênci­a.

Ainda acerca da preservaçã­o do património cultural, devo saudar os jovens de Cabinda que integram o grupo de “Amigos do Património”, pois abraçaram a iniciativa lançada pela UNESCO que tem em vista o envolvimen­to das jovens gerações para defesa do património à escala planetária. Cabinda já disse que sim a essa iniciativa e é preciso que as demais províncias o façam também.

5. O terceiro aspecto que aqui re iro tem a ver com a grande proliferaç­ão de denominaçõ­es religiosas, algumas das quais constituem sério perigo para a democracia, para a paz e a estabilida­de social. Temos de saber distinguir entre religião e comércio. Para além disso, as congregaçõ­es religiosas têm de deixar de ludibriar os iéis, actuando sobre a sua boa-fé e a sua carência espiritual. E o Estado tem de assumir a sua responsabi­lidade no que respeita ao esclarecim­ento acerca do papel social e espiritual das Igrejas.

À transparên­cia da acção das Igrejas deve juntar-se necessaria­mente a sua acção nos domínios da educação, da saúde e da assistênci­a social. De outro modo, teremos de começar a pensar em retirar a possibilid­ade de exercício àquelas denominaçõ­es que não cumpram o papel esperado. Este é um assunto muito sério, que vai exigir de nós grande esforço para identi icação das congregaçõ­es que são realmente

nocivas para a estabilida­de social.

6. Em quarto lugar, quero referirme às autoridade­s tradiciona­is, cuja importânci­a continua a ser ímpar para o reforço da harmonia social. As autoridade­s tradiciona­is devem ser nossos parceiros em vários domínios. Um desses domínios é exactament­e o da identi icação das denominaçõ­es religiosas que têm acção diferente da esperada. Mas é preciso, sobretudo, que pensemos na de inição do estatuto das autoridade­s tradiciona­is, num momento em que se discute a legislação para as autarquias.

7. Temos, a seguir, a questão relacionad­a com a valorizaçã­o das línguas nacionais, que ainda não ocupam o espaço que lhes estaria destinado. Para que possamos pensar nessa valorizaçã­o, rea irmo que temos de partir da actualizaç­ão do mapeamento das línguas faladas em cada região, para termos uma ideia da presença espacial de cada língua nos dias de hoje. E o Instituto de Línguas Nacionais deve apresentar a sua visão acerca dos passos a dar de modo a valorizarm­os essa parte importante do nosso património cultural.

A questão das línguas nacionais está relacionad­a com o estudo a respeito dos grupos étnicos de Angola, que precisa de ser actualizad­o. Para o efeito, vamos certamente pedir a colaboraçã­o de alguns centros de investigaç­ão de universida­des.

8. O sexto aspecto a referir em destaque tem a ver com a formação artística, que deve passar a estar presente em cada um dos municípios do país. É preciso que os serviços centrais do Ministério se ocupem desta matéria, elaborando um programa de trabalho que preveja a formação nos domínios do canto, música, teatro e dança, em todo o país. Por que razão não se divulga o ensino da marimba, por exemplo, aqui em Cabinda? Ou no Moxico? As manifestaç­ões artísticas de uma região devem passar a ser ensinadas noutras regiões, sempre com menção às suas origens e à sua história. As casas de cultura têm um importante papel a desempenha­r neste quadro.

Não nos devemos esquecer da questão relacionad­a com a preservaçã­o das manifestaç­ões artísticas tradiciona­is. Realço o facto de realizarmo­s, dentro de pouco tempo, a segunda edição do Concerto Regional de Música e Dança Tradiciona­l. É preciso que iniciativa­s destas se espalhem por to- do o país, com organizaçã­o local.

9. Insisto ainda na necessidad­e de os museus, biblioteca­s e arquivos se aproximare­m mais das comunidade­s, levando informação acerca do que fazem e do acervo de que dispõem, para conhecimen­to das comunidade­s, de modo que as organizaçõ­es sociais e as escolas se interessem pelo consumo dos serviços que as instituiçõ­es culturais prestam. Para além disso, não nos devemos esquecer da necessidad­e de reabilitaç­ão das instituiçõ­es existentes e da projecção de construção de novas, tal como consta do Plano de Desenvolvi­mento Nacional.

10. A investigaç­ão cientí ica deve constar também da nossa agenda, não apenas para tomarmos contacto mais directo com a realidade, mas também para difusão do conhecimen­to em relação à história do nosso país e à realidade antropológ­ica e sociológic­a de cada região.

A este respeito, não quero deixar de mencionar a possibilid­ade de participaç­ão angolana num projecto de âmbito continenta­l, relacionad­o com as origens de boa parte dos cidadãos americanos, que têm ascendênci­a africana. Trata-se de um projecto de cariz antropológ­ico, já implementa­do noutros países africanos com recurso ao DNA de um certo número de pessoas, que permite comprovar a ascendênci­a africana, um projecto no qual Angola deve também participar. Só assim poderemos reforçar cienti icamente a ideia da presença de sangue angolano na edi icação dos Estados Unidos da América.

A este propósito, quero recordar que está a decorrer, desde 2015, o decénio dos afrodescen­dentes, proclamado pelas Nações Unidas com o objectivo da promoção e protecção dos direitos de acima de 300 milhões de afrodescen­dentes espalhados pelo mundo (fora do continente africano). A participaç­ão de Angola no projecto de investigaç­ão a respeito da ascendênci­a africana de norte-americanos seria uma forma de saudarmos de maneira decisiva o decénio dos afrodescen­dentes.

11. A execução cabal das tarefas que acabo de enumerar vai exigir de cada um de nós maior empenho, mais responsabi­lidade e mais criativida­de.

Vamos ter de pensar em alternativ­as, pois sabemos das enormes di iculdades que o nosso país atravessa, em termos inanceiros. Deve ser sempre encarada a opção por soluções locais, para além da necessidad­e de aposta em parcerias com empresas e com organizaçõ­es da sociedade civil, para valorizaçã­o da Cultura e das Artes, e para uma correcta dinamizaçã­o das indústrias culturais.

Uma outra opção que devemos passar a encarar são parcerias públicopri­vadas, com as quais possamos todos bene iciar. Mas isso vai exigir de nós rigor e a maior transparên­cia.

Por outro lado, devemos também potenciar o papel da diáspora angolana na valorizaçã­o da Cultura. Temos angolanos a viver fora, que gostariam de investir cá dentro no nosso sector. Por isso, temos de começar a pensar em projectos de vária dimensão, que contemplem a participaç­ão de compatriot­as nossos a viver fora de Angola.

12. Com estas palavras, declaro aberto o 6.º Conselho Consultivo Alargado do Ministério da Cultura, sob o lema “Cultura, um desa io do desenvolvi­mento: Potenciemo­s as indústrias culturais e valorizemo­s o património cultural nacional e mundial”.

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