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DO PORTUGUÊS PROFUNDO AO PORTUGUÊS DE ANGOLA

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Em princípios de 1956, já no mandato do Governador Coronel de Sá Viana Rebelo, um genuíno colonialis­ta, deslocou-se ao Salvador Correia um indivíduo muito bem vestido que, suponho, ocupava o alto posto de Secretário de Estado da Educação na colónia. Ele proclamou um discurso de que recordarei, a frase que aí vai: “Como Angola é uma Província Ultramarin­a não se admite que se fale aqui de modo tão diferente do que na metrópole”. A garotada angolana, bem escondida, não acreditou em tal a irmação do enfatuado “besugo” e riu, troçando dele. Mal imaginava eu que ele venceria, e pior, com ajuda de angolanos cultos e bem intenciona­dos, no entanto, como os seus mentores directos ou indirectos ibéricos, ignoravam o português profundo. No decurso do período do Governador Agapito de Carvalho (1947-1955), falávamos aqui o português do Brasil e me recordo de um dia presenciar o cortejo daquele Governador passar pelo Largo da Maianga e escutar o locutor em alto-falante que a importante personalid­ade circulava em “cortejo composto pelo seu almoxerife, o seu açougue e o caminhão da companhia indígena”. Tais vocábulos no presente estão desapareci­dos.

A propósito dos galicismos desne- cessários, Oliveira Martins a irmou, a este propósito, no seu “Portugal Contemporâ­neo”, na introdução ao livro, saído em 1891 na capital do seu país o que se segue: “Ora eu desa io quem quer que seja a provar-me o nosso progresso intelectua­l e moral. Eu vejo – não vêem todos uma decadência no carácter uma desnaciona­lização na cultura? Literalmen­te, a língua perdese. (Neste passo, ele cita diversos autores como A. Herculano). Depois, prossegue; “E se hoje se levanta esporadica­mente alguma excepção, o facto é que se cindiu a tradição intelectua­l, que se perdeu o hábito de pensar, que apenas se escreve por arte ou indústria, numa linguagem mascavada, o que vem cozinhado e requentado de Paris”. Op.cit.p.20

Eis exemplos de galicismos, errados ou inúteis, que irritaram aquele que foi, sem dúvida, um dos maiores eruditos lusos do começo da modernidad­e do seu país. Aí se seguem alguns e de acordo com o que mencionei acima, viragem, do francês virage, em vez de virada – como escrevia Camilo e se mantém no Brasil e em castelhano, paragem, possivelme­nte uma confusão dos citados apedeutas portuguese­s entre parage, que signi ica o mesmo que “paragens ou plagas longínquas”, como podemos ler em Camões e em Fernão Mendes Pinto para terras distantes, e arrêt, para parada em português castiço e castelhano, comboio ( falso) de convoy, para trem em bom francês, autocarro de autocar, para veículo de transporte colectivo, que se move de cidade em cidade, porque dentro de Paris ou de Marselha, há o omnibus, ( o nosso velho machimbomb­o), matiné à tarde quando é facto de manhã. Existem muitas mais provas desta inconvenie­nte dependênci­a do francês, amiúde , desastrada ou supér lua.

A propósito, dos dislates, na página 151 do 1º tomo do citado livro desse autor, ele esclarecia que – “os prisioneir­os davam os carcereiro­s propinas para comerem melhor”. Propinas quer dizer acertadame­nte suborno, signi icado que se conserva no Brasil, mas que lamentavel­mente em Portugal ou em Angola tomou um sentido em absoluto errado. Outro vocábulo falso é a camisola, que quer dizer em Provençal (França do Sul Oriental) camisa de dormir de senhora, mas em Portugal e em Angola equivale a algo polissemân­tico errado que vai da camisa de malha de um desportist­a a um abrigo para o frio. Isso, para não me referir ao “aceite” particípio passado do verbo aceitar que esse erudito conhecia como documento bancário, que ele jamais haveria permitido, porque no seu estilo magní ico tinha aceito. Esse aceite abriu caminho para o empregue e para o deplorável encarregue.

Porventura umas trampolini­ces “salazareng­as”, entre uma legião delas que quedaram por desgraça e uma incúria de quem de direito!. De notar que, quando estudei latim elementar em Frankfurt/Main, constatei no meu dicionário latim/alemão, que Propina correspond­ia, de facto, a suborno. En im, nem faço comentário­s... “OS PORTUGUESE­S NÃO PENSAM” Oliveira Martins assegurava, como se constatou antes, “Os portuguese­s não pensam” e eu acrescento que, neste assunto, os angolanos também não.

Igualmente o notável romancista Eça de Queiroz se incomodou com os francesism­os inadequado­s ou desajeitad­os introduzid­os no português. Dominando, como seu amigo ensaísta, o idioma de Voltaire, ele redigiu em meados do século XIX, uma noveleta e um conto, obras de juventude de meados do século XIX e publicadas pelo seu ilho, em 1926 em Lisboa e no Porto. Em ambos os escritos, ele censurava a camada politica da sua terra por não investir na educação. Na realidade, no seu tempo, unicamente 20% da população lusa eram alfabetiza­dos. E destes, digamos apenas cerca de 2 a 3%, seriam verdadeiro­s inte- lectuais, uma porção minúscula. Isto, ao invés da irmã Espanha, muito mais evoluída, dado que se re lectia no espanhol, bastante menos dependente do francês. ( Como prova da ignorância da sua língua de origem, ao contrário do que muitos portuguese­s, hoje julgam, a choldra de Eça signi ica balbúrdia, trouxe- mouxe, contudo, eles, ignorantes crêem que consiste em um cárcere). Neste último texto, o escritor usa o termo trem, p. 246, como na América do Sul e em castelhano, nunca comboio!

Por sua vez Aquilino Ribeiro, que teve que se refugiar em Paris, onde fez estudos brilhantes na Sorbonne, porque protestou com a maior veemência contra as reformas idiotas da língua impostas, a partir de 1934, por ministros da Educação de Salazar que nem tiveram em conta as correcções de Oliveira Martins e de Eça, aqui considerad­as. Aboliram o gerúndio, permitiram a entrada de um prenome pessoal oblíquo bastardo o si no sentido do outro que só existe em lusitanês e em “angolês”, nem sequer há em galego (vostede) ou em castelhano (usted). Contudo, a iloso ia e a linguístic­a, asseguram que o princípio da identidade jamais pode coincidir com o principio da alteridade, ao invés do lusitanês e do angolês! Portanto, consigo não pode ser simultanea­mente, o próprio e o outro!

Para além destes disparates, os referidos ministros proibiram palavras árabes como alcaide, xerifado, magarefe, e, caso grave, o açougue e sua loja ou venda, que foram vetados para se verem substituíd­os por talho e por talhista, que quase não dispõem de respaldo etimológic­o sólido e foram, ademais, buscar à França o “canaliser” e abandonara­m o encanar bem luso. Após isso, ainda tomando o francês como referência, renunciara­m ao gerúndio, acreditand­o que o in initivo, como “estou a fazer”, a exemplo de “je suis en train de faire”, traduziria bem uma acção contínua. Um destempero! Com excepção do alcaide, guardado em espanhol para indicar o Mayor inglês, mas substituíd­o pelo perfeito, no Brasil, onde todos esses vocábulos portuguese­s de remota procedênci­a árabe se conservara­m, em contraste com o país de origem. E bem outras palavras antigas como governança , ou seja o conjunto dos actos de governação. Termo a que recorreu, em pleno século XVI pelo historiado­r goês para se reportar à “governança de Afonso de Albuquerqu­e”. Por igual suco , tampar e cobrir lusos sumiram em

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