JÚRI DO PRÉMIO ENSARTE 2018 EXCESSO DE ZELO MODERNISTA
Da expressão objectiva da peça de arte ao impressionismo subjectivo do observador medeia o conhecimento empírico, o saber académico ou o juízo de valor meramente engajado do senso comum do ser racional, ou, no caso de um concurso, o conflito de posições preconcebidas sobre a Arte neste nosso tempo em que há quem considere que “tudo é arte”, quem seja capaz de atribuir às peças em análise o mais polémico e paradoxal leque de escalões classificativos.
O júri do prémio ENSRTE 2018, dirigido por António Ole, um monstro da nossa Pintura, Escultura e também Cineasta, coadjuvado por Mendes Ribeiro, Paul Barascutt, Sandra Jurgens, Hugo Carvalho e Isabel André Manuel pecou por excesso de zelo modernista e, até, um certo paternalismo.
Poderíamos dizer que num prémio desta envergadura, que conta já com 14 edições, falta incluir no júri um jornalista cultural, alguém que, habituado a lidar com exposições com olhar critico, empreste uma toada crítica tocada pela sensação pura da estética, sem cair nos teoremas de uma pretensa arte modernista que pode nem ser arte nenhuma.
“O Desejo do Menino”, de Crsitiano Mangovo Brás, um pintor que já nos habituou ao seu poder da ars combinatória, com telas surrealistas, não merecia o Grande Prémio. Não se pode confundir pan letarismo com pintura artística. Está bem que os meninos de Angola desejam Igualdade, Tolerância e Respeito, mas isso é lá no Parlamento que tem de ser buscado e não assim posto directamente numa pintura que, de trabalho artístico, nada aporta às Artes Plásticas angolanas e do Mundo. É uma obra muito simplista, com pouco trabalho oficinal, esmagado por uma textura dantesca que ninguém gostaria de ter exposta na sua sala. Equiparado à Guernica de Picasso, que tão bem soube retratar na tela os horrores da guerra, vai uma monumental distância.
O segundo Grande Prémio, de Mário Fernandes Nunes, “Ser Mãe” não representa cabalmente a noção de mãe, que não resume à maternidade, nem ao acto de parir e criar ilhos. Está demasiado reducionista, este quadro, para além de fugir à nossa identidade que, não se resumindo à cor da pele negra, poderia conter outros elementos identitários da cultura do nosso pais relacionadas com o di ícil destino de ser mãe. Um júri de um prémio como o ENSARTE – o maior a nível nacional – não pode incorrer nos pruridos da falaciosa globalização, pois não há universalidade sem diversidade.
O Grande Prémio de Escultura, de Ângelo de Carvalho Júlio, “O Espaço de um Espaço-Espaço” incorre no mesmo estatuto pan letário do primeiro prémio de pintura, ao importar para a Arte uma problemática do urbanismo local, sem cuidar do trabalho o icinal. É demasiado simplista, é mais pintura que escultura e, se fosse para aproveitar alguma criatividade por mor da montagem escultórica, então haveria que valorizar o “Contraste da Vida Urbana e de Musseque”, de Kabongo.
Mas, tal como no futebol, o júri é que sabe e quando nem tem um vídeo-árbitro (alguém que vê “a coisa” de um outro prisma estético-utilitário), brinda-nos com um segundo classi icado no domínio da Escultura que é só argolas, meu Deus!, quando tinha mais quatro obras por onde escolher, uma das quais “Polifonia do Pretérito Presente”, de Sozinho Lopes tem a vantagem da con iguração polifónica do silêncio que nos habita.
Segundo Aristóteles, as artes podem imitar a natureza, mas também podem abordar o impossível, o irracional e o inverosímil. O que vai garan- tir beleza a uma obra, para Aristóteles, é a proporção, a simetria, a ordem, a justa medida.
Nas Menções Honrosas, o júri foi muito acertado ao premiar Simão André Sebastião, pelo “Floco de Pele”. De igual modo o Prémio Alliance Française a José dos santos, “Peixe do Caldo” e a Menção Honrosa de Pintura para “A Luz da Minha Sombra”, de Ângelo de Carvalho. Porque o Prémio Especial de Gravura atribuído a Manuel José Ventura “Weza Ubontologia”, primeiro não re lecte o tema escolhido e, segundo, está feio pra caramba!
Quanto ao resto e porque esta não é uma resenha exaustiva, icamo-nos por aqui, sem deixar de mencionar que há lá na exposição ali no Museu da Moeda uma boa parte de obras que nem deveriam estar expostas por envergonharem o nosso panorama artístico, enquanto outras bem recortadas, fugiram à apreciação criteriosa do júri que, talvez pelo facto de incluir estrangeiros na tentativa de atribuir uma certa isenção valorativa, incorreu na medida contrária. Vai daí que é preciso repensar o júri das próximas edições e incluir nela um jornalista da nossa praça.