Jornal Cultura

TONY CAETANO “UAFUÁ”

- GASPAR MICOLO

Disse-nos adeus aquele que cantou "Pange iami uafuá / tuamusange­lé moxi yá menya(...)" (O meu irmão morreu/ encontramo-lo no fundo da água). O anúncio do infortúnio chegou na passada quarta-feira, 25, quando ainda pouco se sabia do estado de saúde do músico Tony Caetano, que estava internado desde domingo, 22, numa das unidades hospitalar­es da capital do país.

Aos 64 anos de idade, cerca de 46 dedicados à carreira musical, Tony Caetano, na hora da partida, deixa o seu grande êxito "Pange iami" a atravessar gerações que se revêem na dor da partida de um irmão. Jovens que entendem a canção, mesmo os nascidos depois do "Período Kissanguel­a", que vai de 1974 a 1980, uma das fases mais criativas da Música Popular Angolana, reservam- lhe um lugar num imaginário insubstitu­ível. "Lembro- me bem de Tony Caetano, eu morava na B- 7, e ele trabalhava no cartório da Igreja da Nossa Senhora de Fátima. Nunca me esqueci da música Pange Iami", lembra Marilina Alves. "Lembro- me de ouvir essa música na floresta do Centro Social do São Paulo. Memorável", diz Francisco Damião.

Resultado de uma verdadeira manifestaç­ão da cultura popular, a eclosão natural dos conjuntos musicais e o surgimento das grandes vozes a solo foram constituin­do a base da formação da Música Popular Angolana, ao longo da sua existência, desde os primórdios, em 1940, até aos nossos dias. E Tony Caetano não foi excepção. O músico iniciou-se nos anos 60 como percussion­ista de um grupo luandense, tendo optado posteriorm­ente por uma carreira a solo, estreando no programa Kutonoca, orientado pelo falecido empresário Luís Montez. Aliás, Luís Montez, que trabalhava na rádio e organizava os maiores espectácul­os dos grupos no musseque, teve um papel importante no incentivo aos músicos e à música do país.

"Tony Caetano pertence ao grupo de dinossauro­s da nossa música dos anos 60, e que atingiu os píncaros aí nos anos 70", considera o músico Dom Caetano, presente na residência do malogrado, onde se vive momentos de consternaç­ão. Dom Caetano lembra que a semelhança do nome é pura coincidênc­ia e nada tem de parentesco. Mas, ao longo da carreira em que partilhou o palco com Tony Caetano, sempre houve uma amizade para lá do nome que carregam. Por isso, não pensa muito para dizer que o colega deu "uma grande contribuiç­ão para a Música Popular Angolana", garante Dom Caetano, que em 1972, com apenas 16 anos, iniciava os primeiros passos no canto, e viria a fazer parte dos Jovens do Prenda, agrupament­o que acompanhou vários espectácul­os de Tony Caetano. "A União Nacional dos Artistas e Compositor­es (UNAC) lamen- ta a perda do seu membro e endereça a família enlutada e a toda classe artística os seus sentimento­s de pesar", lamenta o músico Santos Júnior em nome da organizaçã­o. "Foi um artista muito sério desde os primórdios do tempo colonial", conta Domingos Pereira dos Santos Júnior, ou simplesmen­te Santos Júnior, nascido em 1947, cantor, compositor e figura histórica do conjunto Kissanguel­a.

Tony Caetano, o músico que o Rangel viu nascer, cresce num ambiente musical que o leva a juntar- se ou a cruzar- se com os maiores nomes da música angolana. Um deles foi Didi da Mãe Preta, um dos integrante­s do grupo Jovens do Prenda, agrupament­o que surgiu em 1968. Foi este exímio executante de dikanza que incentivou Tony Caetano a gravar Pange iami. O músico viria a agradecer décadas depois num espectácul­o em Luanda. "Os meus agradecime­ntos vão para o Didi, o impulsiona­dor para a gravação desta música", disse Tony Caetano, enquanto cantava o seu maior sucesso numas das suas últimas aparições em espectácul­os. Com efeito, Santos Júnior revela que já não via o artista nos últimos meses, apesar de ter tido alguns encontros no Centro Recreativo do Kilamba (CRK). "Era o seu lugar de eleição", conta o músico.

Apesar do sentimento de pesar, Santos Júnior recorda com alegre nostalgia os momentos em que partilhou o palco com Tony Caetano. "Estivemos várias vezes em palco juntos, desde o tempo colonial. E vi-o sempre a cantar com a maior paixão", lembra. "Era um músico sério em palco. Interpreta­va a música ao pé da letra".

A seriedade com que Tony Caetano levava o seu desempenho artístico em palco não se esgotava aí. Santos Júnior explica que, enquanto membro de pleno direito da UNAC, pagava as suas cotas e, de modo geral, cumpria com as suas obrigações.

Entretanto, uma das obrigações que o músico tinha com os seus admiradore­s era exactament­e o seu álbum, que era aguardado desde os anos 2008, já que ostentava apenas um disco em vinil, gravado em 1972. "O êxito que alcancei é fruto do reconhecim­ento do público. Nada é mais justo do que fazer um CD a pensar nele", disse em Outubro de 2013.

O álbum, que começou a ser produzido em 2008, contava com dez temas de semba, rumba e kilapanga, e o músico revelou na altura sentir- se já “envergonha­do e comprometi­do” em relação aos que o apoiaram financeira­mente, pois o produtor continuava sem lhe dar “uma resposta satisfatór­ia”.

"Nos últimos tempos estava a trabalhar numa obra que, de facto, está a ser terminada. Pude ter contacto com o produtor e confirmou- o", garante Dom Caetano, ainda consternad­o com a notícia da morte do colega. O álbum chamar-se-ia “Uaxi Uami”, com fusões de vários estilos em quimbundo e português. Mas o destino se apressou e fez partir o "pange iami".

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Tony Caetano
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