Jornal Cultura

Daqui singela confissão

- DOMINGOS LANDIM DE BARROS*

Sinto imenso tédio em volta, nesta terra que me é estranha, nesta urbe que me cansa. Minha vida é uma perversa e compelida desventura. E não é de hodiernida­de. Pois, já no matutino abrir de peia e de pisar de pé na treva foi assim. Meu impulso natural só pende para o lado que não paga, que não rende, que não serve. Minha queda não espanta a quem conheça, de ginjeira, este espinhoso itinerário. Para praticar o bem ao cosmo e pô- lo inteiro ao serviço do semelhante, probo e dedicado, ninguém precisa de atormentad­a e mui tardia lucidez, a custo de tão hediondo sacrifício. Tenho tido um doloroso astralazia­go a presidir meus aposentos, que não me deixa ter assento em lado algum. É um infame inglório fado, um eminente discoalado, encomendad­o não sei de onde nem por quem, sempre asqueroso e sempre pronto o tempo todo, com grande esmero e afadigado instinto ruim de esmigalhar e pôr em baixo a minha indústria.

Aqui, ao longe, me vindo a ter para prender- me: sem garra, sem família, sem parente e sem fôlego de par que seja afeito confidente. Sem a clique dos amigos e vizinhos. Aqui, onde o dia se agiganta volumoso e cheio de espumas na retina, mas que depois tudo se esfuma na incongruên­cia e na insignific­ância de uma lide adventícia e continuada­mente estanque. Aqui, onde cada hoje cobre seu ontem com pano o mesmo. O mantocomar­cano e judicioso vaticínio. Aqui, onde nada do aspirado desabrocha e ganha toada inovadora. É um abismo que se fecha, com grilhões de enorme estrondo atrás de mim. Eu também cometi erros: fiz de folião na aurora imberbe, precocemen­te andei na farra e deime bem com as galulas e pepitas de ocasião e até algumas desvirguei na mocidade; participei em boémias comezainas e ricamente organizada­s em casa do rei-pobreza e da rainha de Rubicão; bebi grogue e o bebi bué, usei tabaco de toda a marca e malefício ( cigarro, charuto, cigarrilha). Ansiei antes do tempo, falei antes do tempo, gozei antes do tempo, morri antes do tempo.

Não me dei conta de imprecauçã­o e despautéri­o à hora de me curar. E para armar a tralha toda e pôr-me a jeito de uma trolha, demandei a pompa avulsa de cigarra e todo seu acervo de desídia a meu distrito. E depois: a distância, a solidão, a litigância, a imensidão do até aqui desconheci­do e a falta de cotejo do meu chão, de agregado coevo cheiro, embora pobre, são varapaus que me fustigam dia e noite. Aqui, escondido na lonjura de uma imagem que me ficou de meninice, vejo o antanho e vejo a âncora de berço como um sonho, como quem olha para pia e para fonte, na candidez de uma ribeira, com azulada enseada em frente a ter em vista e com a água de batismo sobre a fronte, fresca me escorrendo rosto abaixo, me matando a sede implume, algures na pureza de uma infância perdida no limiar de paraíso. Guardo- a intacta e perene na memória, mas não posso aceder à sua faustosa e diletante galeria, em razão do meu desterro e da ausência de uma via para lá ir. Esbracejo inda bastante em mar avulso abrenuncia­do. Moro na praia e na maré que chega tarde ao pé de infante e paulatinam­ente segue rumo a sítio incerto, para nunca mais voltar. Assim, até o silêncio me sufoca e morde peito, amargament­e. Estou de molho e mau humor.

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