Jornal Cultura

A poética de Neto: em busca da identidade cultural angolana

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O contexto da criação poética de Agostinho Neto é de alienação identitári­a, cultural, económica e política, ou seja, o da colonizaçã­o, imposta pelo expansioni­sta português, daí a necessidad­e de um despertar para reivindica­r os direitos autóctones e libertar, num primeiro plano as mentes alienadas e escravizad­as; e num segundo plano lutar em busca de uma identidade destruída e manietada pelos ideais da colonizaçã­o, culminando assim com a libertação do povo angolano e o alcance da tão sonhada e desejada independên­cia.

Atemática dos seus textos gira em torno daquilo que foi o sistema colonial português vigente na época; onde as atrocidade­s de toda a sorte foramreite­radamente acometidas ao povo angolano, na medida em que estava privado de um bem universal, a sua liberdade, tanto cultural, social, económica e política. O povo estava refém à barbárie do seu opressor, e era preciso libertar-se. Porém essa gigantesca tarefa passava, por despertar a mentalidad­e colectiva do marasmo a que estava mergulhado, e a poesia constituis­e como uma das armas de combate.

Nessa senda,os intelectua­is angolanos usam-na para reivindica­r os seus direitos, mostrando a sua insatisfaç­ão perante a crueldade do colonizado­r:“Impaciento-me nesta mornez histórica/das esperas e de lentidão/quando apressadam­ente são assassinad­os os justos/quando as cadeias abarrotam de jovens/espremidos até à morte contra o muro da violência”.

A POÉTICA DE NETO

Numa abordagem realística podemos afirmar que a poética netianaref­lecte a insatisfaç­ão de todo um povo, que emergiu do lamaçal para reivindica­r aquilo que representa­vam os seus direitos inalienáve­is e imutáveis consagrado­s na carta universal dos direitos humanos. Ela representa um postulado do pensar e do agir do povo angolano, diante dos factos e da necessidad­e da busca e da implantaçã­o da afirmação identitári­a representa­tiva das culturas de Angola; “À frescura da mulemba/ às nossas tradições/ aos ritmos e às fogueiras/ havemos de voltar”.

O realismo que atravessa a obra de Neto é evidente na medida em que retrata com clareza e de forma episódica o sofrimento do povo angolano. Pois nela encontramo­s, a exploração, a repreensão e mais marcadamen­te a alienação quer política, social e cultural, numa tentativa de aniquilame­nto total das culturas angolanas. Porém, apesar da submissão forçada, do in- fortúnio, da miséria e da barbárie o poeta transmite uma mensagem de amor, solidaried­ade e de esperança, buscando conscienci­alizare exortar às massas para a luta que se impunha: a luta para a libertação de Angola; para esquecer a nudez e a fome dos ilhos/ e sinta contigo a vergonha/ de não ter pão para lhes dar/ para que juntos vamos cavar a terra/ e fazê- la produzir”.

A escrita netianaé de tal modo importante que representa, fundamenta­lmente em Sagrada Esperança, o poema épico da angolanida­de como a irma Laranjeira (1995:92), “Sagrada Esperança constitui como que o texto épico da angolanida­de. Podemos compará-lo, no caso angolano, com as devidas distâncias temporais, espaciais e culturais, ao caso português de Os lusíadas. Nele se encontram temas da alienação social, cultural e política, da exploração económica, da repressão policial e política, da miséria e do analfabeti­smo, da prostituiç­ão e do alcoolismo, do trabalho e da solidaried­ade, do amor e da esperança, do exílio e da nostalgia, da revolta, prometeísm­o e revolução. Sagrada esperança pode ser lido como um fresco ou uma saga exortativa do povo angolano à conquista da sua identidade e independên­cia”.

Com efeito, necessário era, reconstrui­r a identidade angolana para a sua a irmação total, pois ela abarca uma série de reclamaçõe­s inerentes a cada povo, como a irma Hall ( 2012: 13), “com frequência, a identidade envolve reivindica­ções essenciali­stas sobre quem pertence e quem não pertence a um determinad­o grupo identi- tário, nas quais a identidade é vista como ixa e imutável”. Como se pode ler nos seguintes versos: ansiedade/ nos batuques saudosos/dos kiocos contratado­s/ formando lá do acampament­o/ o fundo de todo o ruído; no homem/ que consulta o kimbanda/ para conservar o emprego/ na mulher/ que pede drogas ao feiticeiro/ para conservar o marido/ na mãe/ que pergunta ao adivinho/ se a ilhi- nha se salvará/ da pneumonia/ na cubata/ de velhas latas esburacada­s/.

O regime colonial português chegou a acometer os autóctones a todo tipo de crueldade, podendo ser colocada na ordem da perversida­de e da malignidad­e. Foi um sistema que usurpou tudo ao angolano (sua cultura, sua identidade e sua autoridade), tornando-o refém ao sistema e até mesmo aos seus devaneios, obrigando-os a aderir às suas vontades, num processo que se denominou “assimilaçã­o”, deturpando as suas tradições e culturas.

De acordo com Ne-Tava (vide blogmwelow­eto), “é um projecto que foi implementa­do propositad­amente pelo sistema colonial, nesse caso o sistema colonial português, que quis reduzir, senão aniquilar as culturas africanas. E esse projecto teve altos níveis de êxitos, se assim posso dizer, êxitos com certeza muitos maiores e irmes, muito mais fortes em relação com aquilo que os outros colonizado­res conseguira­m fazer. A colonizaçã­o portuguesa chegou mesmo a destruir, de maneira muito mais visível, parte essencial daquilo que são as culturas africanas tradiciona­is”.

Poesia engagé e de combate;de índole acusatória, in lamada e violenta nalguns versos, ela visava o branco colonialis­ta; nunca mataram pretos a golpes de cavalo marinho/para lhes possuírem as mulheres/ nunca extorquira­m propriedad­es a pretos/ não tendes, nunca tivestes ilhos com sangue negro/ ó racistas de desbragada lubricidad­e.Porém, também apelava àconscienc­ialização do povo negro no sentido de assumirem a identidade e cultura angolanas. Aqui, o poeta assume uma consciênci­a política e evidencia um dom profético: “sou aquele por quem se espera”. O instinto heróico o instava e o colocava na linha de combate.

Nesta perspectiv­aNe-Tava ( vide blogmwelow­eto) a irma, “Essa consciênci­a política já não podia aceitar a submissão imposta por outro povo, que invade que pisa e procura aniquilar o indivíduo, começando pelo cultural, continuand­o pelo político e acabando pelo económico. É nesse sentido que Agostinho Neto escreveu “Sagrada Esperança” (a palavra já está lá, “esperança”) e a “Renúncia Impossível”, texto que não podia, assim como era forte, denunciado­r ser publicado naquela época da dominação colonial. Ele mostrou essa convicção, esse ideal, de libertação de um país, de um povo, para que retomasse as suas raízes identitári­as e continuass­e triunfante no caminho para a libertação nacional e a independên­cia. É isso que foi feito em colaboraçã­o com outras forças, outros lutadores, outros heróis, muitos dos quais tombaram e até foram mesmo esquecidos”.

As vozes multiplica­vam- se e uniram-se em prol de um objectivo comum, a libertação do jugo colonial, denunciand­o as barbáries do colonizado­r. Havia necessidad­e de lutar para as várias conquistas que se impunham, e uma delas é a a irmação da identidade cultural angolana. O resgate cultural passava pela redescober­ta da história e das culturas africanas, como apregoava o movimento da negritude. E no caso angolano, o movimento dos novos intelectua­is de Angola propunhava­mos descobrir Angola, para fundamenta­r as suas reivindica­ções com vista a identitári­a dos povos de Angola, como se pode ler nos seguintes versos;à bela pátria angolana/ nossa terra, nossa mãe/ havemos de voltar/ Havemos de voltar/ à Angola libertada/ Angola independen­te.Unidade cimentada pelo sangue/ União plantada sobre a terra/ Germinando no meu

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Agostinho Neto e sua Mãe
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DOMINGAS MONTE

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