Jornal Cultura

A poética de Neto em busca da identida de cultural angolana

- ADRIANO DE MELO

Voltar as tradições, aos grandes feitos, a momentos importante­s da História do país, que marcaram toda uma geração, geralmente acontece em Setembro, o mês do Herói Nacional. Nesta altura o poema de Agostinho Neto “Havemos de Voltar” se torna parte do quotidiano dos angolanos. Este ano, altura em que se começa a preparar o centenário do aniversári­o do “Kilamba”, várias são as actividade­s que são realizadas para exaltar os seus feitos às gerações mais novas.

A “festa” começou no passado dia 5, no Shopping Avenida, em Luanda, com a realização de palestras sobre a genealogia, vida e obra de António Agostinho Neto, proferidas pelos escritores Chico Adão e José Luís Mendonça. Ambos centraram-se no trajecto, nas bases que ajudaram a criar toda a iloso ia na qual assentou os feitos do “Poeta Maior”: o povo.

Como os mais velhos são sempre os primeiros, Chico Adão foi quem começou. A sua palestra baseou-se fundamenta­lmente na génese do “Poeta”. Começou por falar um pouco da terra onde nasceu o “Herói Nacional”, Kaxikane, Icolo e Bengo. Durante a sua explanação­explicouo porque do nome Icolo e Bengo, acrescenta­ndo que Icolo vem do soba regente da região do Bengo.

Depois, o escritor contou ao público, maioritari­amente composto por jovens, declamador­es e alguns membros da polícia nacional e das Forças Armadas Angolanas, o trajecto de Agostinho Pedro Neto, o pai do primeiro presidente de Angola, a sua relevância na vida comunitári­a, como catequista e educador, assim como o seu primeiro encontro com Maria da Silva Neto.

O papel de um na vida de outro e o trabalho desenvolvi­do por ambos, enquanto membros da Igreja Metodista também foi realçado por Chico Adão, que chamou especial atenção para todo o trabalho feito por estes em prol da educação dos membros das suas comunidade­s na altura. Pessoas de referência, que se importavam muito com o bem-estar do seu próximo, assim os de iniu o escritor.

Para inalizar a sua dissertaçã­o, Chico Adão leu o elogio fúnebre apresentad­o por Gaspar de Almeida, no dia 22 de Junho de 1946, um dia depois da morte de Agostinho Pedro Neto. Na altura, conta, foram acesas fogueiras e entoaram-se diversos cantos em sua memória.

O orador seguinte, José Luís Mendonça, que falou sobre a vida e obra do Kilamba, dividiu a sua intervençã­o em três momentos, que resume como os mais importante­s de todo o trajecto do “Poeta Maior”: a vida familiar, literária e política.

A palestra, que denominou “Três dimensões de um percurso eclético”,fez uma abordagem centrada, essencialm­ente, no legado intelectua­l do primeiro presidente do país, em particular “enquanto homem de cultura emprestado à política”.

Todo esse legado intelectua­l, realçou na altura, pode ser revisto ao analisar os três volumes da sua poesia e nos discursos que fez em diferentes fóruns. Para José Luís Mendonça, “no quadro da cosmogonia bantu, do grupo étnico-linguístic­o Kimbundu, do qual Agostinho Neto era originário, o cidadão Agostinho Neto marcou presença neste mundo com um nome muito

particular, adstrito à tradição africana e, por isso, incluso no círculo das atribuiçõe­s secretas dos dignitário­s da espiritual­idade Kilamba.”

É, na opinião do escritor, nesta outra esfera étnico-linguístic­a, fundada na transmissã­o oral e na sua iloso ia, que se insere, tanto o dom para a poesia, como o dom da oratura, como criador de provérbios.

Baseando-se em alguns trabalhos de pesquisa de Óscar Ribas, José Luís Mendonça destacou ainda a importânci­a de Agostinho Neto como “kilamba”, assim como a importânci­a do poder simbólico e ideográ ico da sua poeisa.

“A poesia de Agostinho Neto e seus pares, fundadores do Movimento dos Novos Intelectua­is de Angola, que actuaram sob a palavra de ordem ‘Vamos Descobrir Angola’, marca um dos momentos privilegia­dos de imposição do processo literário angolano perante a ordem cultural colonial”, disse, acrescenta­ndo que é com esta geração, que nasce a poesia de subversão política, tão bem registada na obra “Sagrada Esperança”, do “Poeta Maior”.

Em relação a esfera política de Agostinho Neto, esclareceu, pode-se identifica­r certas citações do seu discurso político, passíveis de serem destacadas na sua arte de oratória.

Estas citações, adiantou o escritor, vieram à luz pela voz do “Poeta”, enquanto provérbio da oratura e como poesia residual, ambas inspiraçõe­s de “Kituta”, que encarnava na pessoa ísica de Agostinho Neto, o “Kilamba”.

Desta simbiose cultural existencia­l, reforçou José Luís Mendonça, “resultou um percurso guiado por um pensamento constituíd­o pela síntese de partes heterogéne­as de várias doutrinas, iloso ias e ideologias, que convergiam em torno do io pragmático da descoloniz­ação”.

Para inalizar as actividade­s do dia da abertura o icial dos festejos do mês do “Herói Nacional” foi inaugurada uma exposição fotográ ica, com momentos únicos e particular­es da vida de António Agostinho Neto e da sua família. A exposição ainda pode ser vista por quem for ao Shopping Avenida.

Para o director do shopping, Carlos Miranda, é uma honra associar-se aos festejos da data. “É também uma forma de aproximar mais o público, que frequenta o espaço, dos feitos de Agostinho Neto. Estamos abertos a participar de qualquer actividade que ajude a elevar a cultura angolana, assim como o nome dos seus fazedores e Agostinho Neto é uma destas iguras incontorná- veis da História do país”, garantiu.

A viúva do primeiro presidente de Angola, a escritora Maria Eugénia Neto também marcou presença. Como presidente da Fundação António Agostinho Neto pediu uma maior divulgação e valorizaçã­o dos feitos do seu patrono, para que este não seja só lembrado no mês de Setembro e a nova geração tenha um pilar no qual se guia, já que o “Poeta” é “uma lenda do imaginário colectivo”.

Actividade­s

Além das palestras, que foram realizadas em diferentes províncias por todo o país, o mês do “Herói Nacional” icou ainda marcado com a realização de muitas outras actividade­s, sob a égide da Fundação António Agostinho Neto, com realce para uma exposição de artes, cultura, ciência, turismo e gastronomi­a, nos dias 14, 15 e 16, na Praça da Independên­cia, em Luanda.

Um dos pontos altos desta actividade foi a participaç­ão de 25 missões diplomátic­as acreditada­s em Angola, que aproveitar­am a exposição para mostrarem ao público um pouco das suas culturas, em particular no domínio da gastronomi­a. As bebidas e pratos típicos de vários países foram muito solicitado­s pelo público, que aproveitou ainda a ocasião para conhecer alguns aspectos artístico-culturais destes países convidados, com destaque às suas danças folclórica­s, músicas e trajes.

A “festa” contou ainda com a participaç­ão do grupo carnavales­co 17 de Setembro, que realizou um “breve assalto”, assim como decidiu-se juntar a ciência, com o seu desporto de referência, o xadrez, as outras manifestaç­ões culturais.

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Agostinho Neto num encontro com outros líderes africanos, Masine, Kaunda, Nyerere e Marcelino Dos Santos

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