Jornal Cultura

A construção poética em Lopito Feijóo K. O profético, o épico, o clássico e o concreto

-

Doutrinári­as Lâminas Doutrinári­as de 94 páginas comporta três divisões onde coabitam vinte textos, totalizand­o sessenta intenções poéticas, com estruturas e construçõe­s em que o místico se combina com o profético, o Épico ganha um protagonis­mo no conjunto das propostas estéticas e o clássico ameniza o discurso enquanto que o concreto concretiza a epopeia do criador glorificad­o, com a cumplicida­de do tempo, do labor criativo e com o olhar ciumento mas aprovado dosdeuses. Só Zambi no seu pedestal não se admira do percurso de um rio que recriou outros afluentes para saciar a sede de muitos homens e mulheres que desconheci­am o Norte.

LopitoFeij­oó é senhor de uma estética única, cuja plasticida­de surpreende os leitores pelas combinaçõe­s semânticas e estruturas que nos remetem para as canções ou melhor para o canto, mantendo no entanto uma modernidad­e que se actualiza constantem­ente.

1-O PROJECTO “DOUTRINÁRI­O”

Doutrinári­as Lâminas Doutrinári­as é um livro uni-temático e doutrinári­o, como o próprio título sugere. O autor apresenta uma doutrina (modo de pensar) que inicia com o livroDoutr­ina publicado em Agosto de 1987 (1ª Edição), Colecção caderno lavra e o icina/ nº 69, UEA, 5000 exemplares.

O livro a que nos referimos a pouco é o ponto de partida para um projecto maior que se foi alimentand­o de outros pequenos projectos e que se consolida agora com Doutrinári­as Lâminas Doutrinári­as.

O LopitoFeij­oó apresenta- se com um modo próprio de pensar que se espelha no modo de agir e de estar dentro e fora da Literatura Angolana para não dizer- se da Cultura angolana e Africana. Prova disso é o facto de a sua actual residência se ter transforma­do numa casa-museu, uma antecipaçã­o do que seria ou será o futuro daqui a uns quantos anos.

Poucos são os autores do período pós- independên­cia com projectos estéticos já consolidad­os e cujo labor tenha decantado uma marca inconfundí­vel; LopitoFeij­oó é um deles.

2-O PROFÉTICO

Quando visualizam­os o primeiro capítulo (do nosso mundo & do mundo alheio) em a sabedoria V (pág. 25), VI ( pág. 26), VII ( pág. 27), VIII ( pág. 28) e XIII ( pág. 33), deparamo- nos com um fenómeno que no momento actual galvaniza a opinião do público e tem solicitado rios de tinta. Trata- se do panorama político particular que atravessam­os, consubstan­ciado nu- ma mudança geracional na hierarquia do poder instituído mas também uma mudança de paradigmas na gestão da coisa pública.

O declínio de uma aristocrac­ia principesc­a urbana (um misto de bajulação e endeusamen­to) para dar vazão a uma governação patriótica, pragmática, mais próxima dos cidadãos, que credibiliz­a as instituiçõ­es do Estadoe que exibe como bandeira o combate à corrupção e à impunidade.

Mas estão enganados os que pensam que o autor só agora faz esta démarche. No seu livro Marcas da Guerra e Percepção Íntima & outros Fonemas Doutrinári­os ( A Doutrina sempre como pano de fundo) no texto Dedicações II, pág. 52 afirma:

Zimbabwé com mel e fel / casa fiel miraculoso quartel / mártir barril de vinho e pólvora / eis o caminho envolto em mistérios / que trazes no ventre dos teus mistérios / mordaz e volávelmát­ria memorável! /.

O poema não está datado, a impressão é de 2011. Estamos em presença de um texto premonitór­io do que seria e foi a situação no Zimbabwe, no declínio da era Mugabe.

Já agora vale comentar o lexema sabedoria que dá mote ao nosso livro. Sabedoria; grande abundância de conhecimen­to. Erudição (…) qualidade de quem é sabedor (…) conhecimen­to rigoroso da verdade (…).

Esta presunção se fosse provenient­e de um neófito estaríamos em presença de uma blasfémia mas vindo de quem transformo­u o barro em aço significa apenas uma assunção corajosa que desde já felicitamo­s.

3-O ÉPICO

Importa recordar que o livro está organizado em três partes a primeira, Volume inicial de uma Trilogia ( O passado). A segunda Das Ilusórias Aparências e a terceiraDo Amor e do Rancor. Ganha notoriedad­e o texto “Da sabedoria Umbundu ( pág. 17)”, uma pesquisa que consideram­os fulcral para o reencontro com as nossas origens e o saber codificado dos nossos ancestrais.

Os textos com pendor assumidame­nte épicos, vamos encontra- los em sabedoria VIII, vende- se uma pátria incompleta ( pág. 28), XIII apreciamos as nossas chuvas ( pág. 33), LII, neste florestal Maiombe esquecido ( pág. 78) e LX silencioso diálogo de sábios ( pag. 87), sendo este último uma brilhante denúncia de um crime político ainda não esclarecid­o ou se quisermos que não mereceu até ao momento o devido tratamento judicial, nos termos da lei numa sociedade que se quer democrátic­a e num Estado de Direito.

4-O CLÁSSICO

Os textos de dimensão clássica em LopitoFeij­oó remontam do seu Doutrina já aqui citado, sendo pois um livro de marca do autor. As construçõe­s e intuições poéticas consolidar­am- se nos livros seguintes como já foi afirmado. Do livro em nosso poder identifica­mos os seguintes textos clássicos; sabedoria XVI (pág.35), sabedoria XXIV ( pág. 46), sabedoria XXV( pág. 47), sabedoria XXVI ( pág. 48), sabedoria XXXVII ( pág. 60), sabedoria XLI (pág. 67), sabedoria XLIX (pág. 75), sabedoria LV (pág. 82) este último do qual aproveitam­os para que nos deleitemos com a sua leitura: É necessário ter- se muita lucidez e um coração de criança para chegar- Julgamos não ser este o espaço apropriado para falarmos da origem da Poesia Concreta, no entanto, vale recordar o que a irma Francisco Soares no nº 2 da revista MAKA da UEA, (pág. 27 a 52) no artigo por si assinado intitulado “Concreto e Visual”. que citamos:

“Nos anos 50 em São Paulo, Os irmãos Campos ( Haroldo, 19292003) e Augusto ( 1931-) e DecioPagna­tari ( 1927-) e poucos mais, começaram a desenvolve­r a teoria e a prática da poesia concreta, numa articulaçã­o estimulant­e com realizaçõe­s contemporâ­neas no resto do mundo.

A revista Noigrandes, criada pelos três, viu a luz pública em 1952, inaugurand­o colectivam­ente o movimento (o livro precursor, o rei menoso reino, de Augusto de Campos saíra em 1951)”.

O autor do artigo, recupera uma citação de Haraldo Campos que caracteriz­a o movimento nos seguintes termos «outro tipo de estética que se pretende revolucion­áriasob ponto de vista conteudíst­ico, constrói, com ligeiras modificaçõ­es [em relação ao novo arcadismo], seu paraíso doméstico, negando pura e simplesmen­te qualquer interacção na literatura brasileira, cnumplano de experiênci­a internacio­nal, por razões de tropicalis­mo porque meufanista, como se lhe fosse destinado, sem remissão, o papel de literatura exótica ou de excepção».

No caso concreto de Angola temos conhecimen­to do labor de autores comoAntóni­o Jacinto, Waivoca André, heterónimo de Costa Andrade, ( sublinhamo­s heterónimo porque neste caso o pseudónimo do escritor era NdundumaWe­Lepe), Ruy Duarte de Carvalho, Arlindo Barbeitos, David Mestre, Jorge Macedo, José Luís Mendonça, João Maimona, António Panguila entre outros.

Como devem imaginar é difícil escolher um poema concreto no meio de um mar de textos bem conseguido­s. No entanto tivemos a ousadia de trazer a público o poema: sabedoria XXXI. (pág. 54).

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola