Jornal Cultura

Rastreio a minha voz

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VITOR BURITY DA SILVA

Um grupo enorme sem ninguém, sim, um carreiro longo e à distância um silêncio medonho. Encontrar-me comigo mesmo. Procuro num espelho a azáfama dos instantes e nada, eu apenas re lectido nele, o silêncio é medonho. Talvez me encontre nas paredes de ventos a montante, esta barreira calada de frios e arrepios que só o instante sabe. Não sei se consigo descortina­r esta inconstânc­ia ou encontrar uma explicação plausível aos ouvidos dos mortais, mas, sabes, as paredes escutam- me, mesmo que fale para ninguém. Rastreio a minha voz por isso mesmo, não porque me sinta escondido dos ruídos da cidade, nem porque me refugie nos silêncios da minha alma, mas porque não me sinto com vontade de desperdiça­r as últimas forças que a razão me deixa ter. Por que razão me obrigam a entender os ditongos dos outros? Sou apenas uma razão, a que me faz sentir-me. Em todas as paredes encontro uma janela, ora aberta ora fechada, e fico por ali, talvez medo da liberdade. A liberdade tortura, dá azo a imensos pensamento­s e gestos e tantas vezes isso cansa. Sinto- me enjaulado nesta parede com todas as janelas abertas. As tardes repetidame­nte iguais, basta um gesto e nada mais do que isso, o importante é a visão e a voz a eclodirem silêncios descoberto­s, bus- cas vagarosas, a pressa incomoda, tudo é um vale de águas paradas entre montanhas esquecidas.

A liberdade de viver sem ela, isso a nada me pode obrigar mesmo que nada fechado, não saio de mim. O que é então a felicidade? Coisa estranha, sabes? Não consigo descortina-la assim, de olhos cerrados contra as minhas próprias convicções, não descubro a verdade dos outros na minha cabeça aberta nesta sala, este lugar qualquer que me liberta na minha vontade, o chão poisado em si e eu sobre ele, caminhando devagar de trás para a frente e vice- versa, vivendo o meu próprio desejo.

Chamar- lhe vício é pouco, as coisas são naturais, correm e desfilam diante mim e eu a vê- las encantado, as sombras que ficam poisadas em cada passo de alguém que desconheço, a marca de cada pé descalço nestas areias da vida, onde as janelas abertas me fazem ficar parado.

O não colorido deste sol perdido onde nuvens passeiam a seu ritmo, deito- me na minha cama solitária tentando redescobri­r- me sentindome ou entender-me como nunca consegui. Sinto- me náufrago voluntário dos meus próprios desejos e neles esta calma de pasmar.

Rastreio por isso a voz, cada instante é um absoluto estranho, cada vontade uma relíquia guardada nesta alma de todos e com todos a minha vida, ainda que calada, vivo-a no salitre descoberto para os sais minerais que busco. A água fresca na garganta pergunta- me pela vida e respondo calado, o rosto também fala exprimindo a sua vontade.

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