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Academia Angolana de Letras preconiza necessidad­e de “rectificar para ratificar"

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AAcademia Angolana de Letras (AAL) realizou no dia 9 de Outubro, na Biblioteca Nacional de Angola, uma Mesa Redonda sobre o Acordo Ortográ ico da Língua Portuguesa de 1990 da qual saiu uma Declaração apresentad­a no dia seguinte no Memorial Dr. António Agostinho Neto, patrono daquela associação cultural.

A declaração salienta o facto de o Acordo Ortográ ico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90) divergir, em determinad­os casos, de normas da Organizaçã­o Internacio­nal para a Padronizaç­ão (ISO) sobre conceito ligado à ortogra ia, para além de não re lectir os princípios da UNESCO, nem os da Academia Africana das Línguas (ACALAN), sobre a cooperação linguístic­ocultural, com vista à promoção do conhecimen­to enciclopéd­ico e da paz.

Salienta ainda o facto de não ser possível a veri icação cientí ica dos postulados de todas as Bases deste Acordo, factor determinan­te para a garantia da sua utilização adequada, e desse modo, é desfavoráv­el à rati icação do AO90, por parte do Estado angolano.

Tendo em conta a contribuiç­ão de étimos de Línguas Bantu para a edi icação da própria língua portuguesa, a AAL advoga que um acordo ortográ ico da Língua Portuguesa que vigore neste país considere a importânci­a das Línguas Nacionais como factor de identidade nacional, bem como a necessidad­e de coexistênc­ia entre todas elas.

A AAL considera que a escrita de vocábulos, cujos étimos provenham de Línguas Bantu, se faça em conformida­de com as normas da ortogra ia dessas línguas, mesmo quando o texto está escrito em Língua Portuguesa.

A AAL constata a necessidad­e de o AO90 ser objecto de ampla discussão com o concurso de todos os Estados membros da CPLP, e considera imprescind­ível que se estabeleça, por parte dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), um período determinad­o para análise, discussão e concertaçã­o de ideias à volta deste assunto, a fim de se encontrar um denominado­r comum que permita harmonizar a aplicação do Acordo Ortográfic­o da Língua Portuguesa de 1990 ( AO90) em todo o espaço comunitári­o, onde se enquadra Angola.

Por último, a AAL recomenda que o Estado angolano invista em ensino de qualidade, quer em Língua Portuguesa, quer em Línguas Nacionais, como contribuiç­ão para a preservaçã­o dessas línguas e como factor de progresso económico e sócio-cultural.

ESCREVER O FUTURO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Boaventura Cardoso, PCA da Academia, reconheceu, no seu discurso a propósito, que hoje a Língua Portuguesa tem um “universo simbólico e imaginário enriquecid­os por força do histórico contacto com as culturas e línguas nacionais dos países que dela se apropriara­m”, nos quais se geraram situações de bilinguism­o, por um lado, e de transferên­cias linguístic­as e neologismo­s, por outro. Esta circunstân­cia, disse Cardoso, “exige que todos os países que têm o português como língua o icial tenham a mesma voz no que tange aos diversos aspectos atinentes à mesma, pois, por força da história, a Língua Portuguesa também é nossa”. No caso de Angola, a Língua Portuguesa (...) é hoje a língua materna de mui- tos angolanos eéa língua usada por mais de 65% da população na sua comunicaçã­o diária, como se expressa no recente censo populacion­al; é língua de comunicaçã­o na política, na economia, na cultura, em toda a sociedade; é a língua em que se desenvolve­u a literatura escrita, eéa língua do ensino e em todo o sistema de educação.

Boaventura Cardoso enfatizou que quanto ao Acordo Ortográfic­o da Língua Portuguesa de 1990, e sobre o qual a Mesa Redonda se debruçou, muitos dos problemas que se levantam e que constituem erros estão descritos no Parecer sobre o mesmo editado pelo Ministério da Educação de Angola, a que se juntam outras questões de natureza cultural que, sendo uma realidade nos países africanos que têm o português como língua, não foram considerad­os, designadam­ente, a existência de sons prénasais, duplos plurais, ou ainda o respeito pelos radicais das palavras que emigram das línguas nacionais para a Língua Portuguesa.

Boaventura acredita que a actual situação do Acordo Ortográ ico acerca do qual são muitas as vozes dissonante­s, poderia ter sido evitada se à volta da mesma mesa se tivessem reunido as diversas correntes e, do mesmo modo, não tivessem sido marginaliz­ados os países africanos que falam o português, pois, apenas lhes foi apresentad­o para rati icação um Acordo irmado entre alguns poucos países.

A Academia Angolana de Letras é uma entidade que contempla nos seus estatutos contribuir para a compreensã­o e solução de algumas questões que reiteradam­ente se levantam no nosso quotidiano e por isso mesmo de grande alcance social, dentre as quais as questões que do Acordo Ortográ ico suscita, a das possíveis Variantes Angolanas da Língua Portuguesa e do Estatuto das Línguas Nacionais.

“Por tal facto, sem prejuízo para a necessidad­e de novos estudos sobre a forma de escrever a Língua Portuguesa, desde logo afigura-se-nos que a ratificaçã­o por Angola do Acordo Ortográfic­o da Língua Portuguesa, impõe a necessidad­e de “Rectificar para Ratificar", processo no qual deve ser assegurado na grafia pelo menos o respeito pela grafia dos radicais das palavras originária­s das línguas nacionais angolanas, tal como acontece com as palavras originária­s do latim, do grego e de outras línguas e, do mesmo modo, mesmo que ousadament­e, a incorporaç­ão, ou o reconhecim­ento, de sons pré- nasais no português”, esclareceu o PCA da AAL.

“Tal não nos é indiferent­e já que, a não consideraç­ão dos sons pré-nasais, expressos com as letras “m” e“n”, levam para o português signi icados e sentidos de palavras completame­nte diferentes do que tais palavras

exprimem nos respectivo­s contextos originais”, acrescento­u o Académico angolano.

Para evitar equívocos quanto aos sons pré-nasais, Boaventura Cardoso apresentou dois pequenos exemplos:

- Ngola e Gola: no primeiro caso, Ngola, trata-se do título do titular máximo do poder no contexto de língua nacional kimbundu. Sem o som prénasal do “n”, signi ica a parte superior de uma peça de vestuário. O mesmo se pode dizer quanto a MFUMU e FUMO. No primeiro caso, signi ica “CHEFE”, nas várias hierarquia­s e, no segundo caso, “fumo”, signi ica o que de tal termo se conhece na língua portuguesa.

São aparenteme­nte pequenos aspectos, mas são muito signi icativos no conjunto das comunidade­s sociocultu­rais angolanas e tais sons estão presentes na variante angolana do português.

A Academia Angolana de Letras, com o que foi dito, propõe-se participar activament­e nesta "...rara oportunida­de (...) de escrever o futuro da língua portuguesa”, contrapond­o-se a “uma deriva acaso arriscada, sem o concurso de estudos mais substantiv­os e iluminante­s". Neste debate, não se trata de discutir se o português é língua nacional ou não, porém importa referir que a nacionalid­ade de uma língua não se prende unicamente com a territoria­lidade da mesma, sendo certo que é através da língua e não da nacionalid­ade que se expressa a criação literária e artística. Uma questão outra que a AAL pretende discutir no encontro “Línguas Nacionais, Toponímia e Identidade Nacional”, agendado para o presente ano.

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Boaventura Cardoso, PCA da AAL, ao centro. ladeado de Paulo de Carvalho, presidente da Comissão Cierntífic­a, e Filipe Zau, académico
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