Brazzaville quer "Grande Museu do Reino do Kongo"
Aantropologia angolana esteve em destaque numa conferência realizada em Luanda, iniciativa das Embaixadas da França e da Alemanha com o inanciamento do Fundo Cultural Franco Alemão ( Fonds Culturel Franco Allemand), e que contou com a participação especial do historiador Jean de Dieu Nsondé, do Congo-Brazzavile, especialista em História do Reino do Kongo, radicado em Guadalupe.
Logo no primeiro dia do evento, que decorreu nos dias 16 e 18 de Outubro, o antropólogo Ziva Domingos, chamado a abordar "A Contribuição do Futuro Museu do Reino do Kongo na Preservação e Valorização do Património Cultural", começa por lembrar que o actual "Museu dos Reis do Kongo", fundado em 1978, foi renovado em 2007 e que se trata no fundo de um "museu biográ ico".
O actual director nacional dos Museus refere que é necessário que a mesma evolua para um Museu do Kongo que se assuma como referência cultural e ponto central da interpretação da história do antigo Reino do Kongo e da sua capital Mbanza Kongo (Sede do poder politico, económico, religioso, etc. ).
"É uma Casa-Museu, se podemos assim dizer", sublinha. "O Reino tinha um Rei, mas não governava sozinho. Tinha um povo". Ziva Domingos realça a importância desta evolução, recorrendo a uma de inição do Conselho Internacional de Museus (2005) que diz que "o museu é uma instituição ao serviço da sociedade, que tem por missão, explorar e compreender o mundo através da pesquisa, salvaguarda e comunicação, especi icamente através da interpretação e exposição, dos testemunhos materiais e imateriais que constituem o património da humanidade (...)".
Com 115 objectos (94 expostos e 21 no Depósito ), e cujo acervo sofreu roubo e vandalismo em 1992, o Museu dos Reis do Kongo depara-se hoje com problemas de conservação de alguns objectos que, segundo o antropólogo, levantam hoje várias questões como "Que política de gestão das colecções deve ser concebida e implementada ?", "Será que as colecções actuais permitem ao Museu cumprir com as suas verdadeiras funções museológicas?" e "Como os vestígios arqueológicos encontrados poderiam ser integrados na colecção do Museu?".
Perguntas sem respostas cabais na conferência. Mas o certo mesmo é que há a necessidade de rede inir as missões e o estatuto do actual Museu dos Reis do Kongo, evoluindo para o Museu Regional do Antigo Reino do Kon- go, recomendação que, aliás, já resultou da Mesa Redonda Internacional sobre Mbanza Kongo, que Angola realizou em Novembro 2016.
E, enquanto Angola não avança, o vizinho Congo reivindica a construção de um "Grande Museu em Brazzaville" para retraçar a história do Reino do Kongo, de acordo com as recomendações do último Colóquio sobre o Reino do Kongo, realizado em Outubro de 2018, em Brazzaville.
Ziva Domingos explica que se trata de uma reivindicação que deverá merecer uma certa diplomacia da parte angolana, questionando se não terá chegado a altura de se avaliar várias possibilidades: museus regionais, locais e internacionais, ou mesmo uma rede de museus sobre o Reino do Kongo.
Entretanto, o jornal Cultura apurou que, das recomendações de Brazzaville, constam ainda objectivos como o restauro dos contornos ísicos da área cultural do Kongo e do reino cujas fundações são culturais; revisar os livros de história integrando o lugar das mulheres na sociedade congolesa; introduzir idiomas nacionais na educação; estabelecer um dia gastronómico para revitalizar os pratos tradicionais e as artes culinárias das comunidades culturais do Kongo, para permitir a sua integração na moderna diplomacia gastronómica; inanciar pesquisas transdisciplinares sobre símbolos grá icos relacionados à arte do Kongo (lista, nome, descodi icação), bem como os modos tradicionais de comunicação e arquivamento do pensamento Kongo e estabelecer uma avenida que saia da área de Kinshasa através de Nkulimbimbi (onde foi construída a primeira catedral do Reino do Kongo em 1596), de Cabinda a Ponte-Negra, para promover o ecoturismo. Entretanto, o Ministério da Cultura tem previsto para 2019 a realização da V Mesa Redonda Internacional sobre Mbanza Kongo e o FestiKongo, no âmbito do programa de divulgação e valorização do Património Mundial.
A ANTROPOLOGIA EM ANGOLA
O tema “A Antropologia em Angola (história da disciplina, estado actual e desa ios)” coube ao o antropólogo Manzambi Vuvu Fernando, que explicou que somente em 2004 foram criado os Departamentos de História e de Antropologia na então Faculdade de Letras e de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto. É que antes disso não havia um curso de antropologia no país. E foi exactamente durante o primeiro Simpósio sobre Cultura Nacional , em 1984, no Palácio dos Congressos, em Luanda, que o Ministério da Cultura recomendou a criação destas disciplinas. O que viria a acontecer em 2004.
Doutorado em Antropologia Social e Cultural e mestre em Estudos Africanos pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, Manzambi Vuvu Fernando explica a evolução da antropologia angolana recorrendo a etapadas distintas como a penetração portuguesa em África, encontros e desencontros e literatura etnográfica. No meio, esclarece que o primeiro contacto entre os dois povos não se tratou de um "descobrimento", mas sim de um encontro e depois de um desencontro.
Quanto à literatura etnográ ica, subsídios indispensáveis para o estudo da antropologia, Manzambi Vuvu Fernando começa por citar a obra "A relação do Reino do Congo e das terras circunvizinhas", publicado originalmente na Ítalia, em 1591, da autoria de Filippo Pigafetta e Duarte Lopes. Duarte Lopes tinha sido o enviado do Reino do Congo ao Vaticano a im de estabelecer uma ligação directa sem a interferência dos portugueses. E o enviado levou consigo um retrato do reino que acabou por ser rescrito por Filippo Pigafetta.
Além dessa obra, "Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola", de Cavazzi de Montecúccolo e a "História Geral das Guerras Angolanas", de António de Oliveira de Cadornega, ambas do século XVII, figuram igualmente obras fundamentais para a história e a antropologia angolana.
Depois desses autores, diz Manzambi Vuvu Fernando, dezenas de outros se dedicaram ao estudo da etnogra ia, até que em 1912, no âmbito daquilo que chama de "Colonização Cientí ica de Angola " (1912-1915) se criou o Museu Etnográ ico de Angola e Congo, que viria a ser o Museu Antropológico de Angola, que funcionou nas Fortaleza de São Miguel e depois no actual Museu de História Natural. E lembra igualmente José Redinha (19051983), etnógrafo e funcionário da administração colonial portuguesa em Angola, que viria a publicar várias obras e criar o Museu do Dundo, além de colaborar no Museu de Antropologia. Apesar disso, o professor auxiliar na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto (UAN) lembra que as sociedades tradicionais não acompanharam o processo de evolução, icaram estagnadas no tempo,