O sexo (oral) dos anjos
Há uma profunda transformação da Língua Portuguesa (LP) falada e escrita em Angola, pois que as línguas são corpos vivos que in luenciam e recebem contributos, alimentam-se de outras línguas e falares. Há uma interpenetração com as línguas africanas e línguas estrangeiras, daí os estrangeirismos, galicismos, anglicanismos e, no nosso caso, excesso de brasileirismos.
O português falado e escrito em Angola acumulou quase três décadas de omissão pedagógica no ensino da língua veicular (e por arrasto, das línguas bantu), a começar pelo nível básico.
Os modos da fala e da escrita do Brasil penetraram desde o início da transmissão das novelas como O Bem Amado e Gabriela Cravo e Canela, nos anos 80 do século XX até à data e exercem uma tremenda in luência nos modos de escrever e conversar do nosso povo. Centenas de estudantes bene iciam de bolsas e outras oportunidades de formação superior e pós-graduação no Brasil e nas universidades portuguesas. Estes cidadãos angolanos regressam a Angola, não só com as suas teses, mas também com uma nova forma de escrever, segundo o Acordo Ortográ ico (AO).
A Internet abunda de estudos académicos sobre os mais diferentes temas e assuntos cientí icos, de modo que os nossos estudantes, num clic, chegam a essas fontes. E essas fontes estão escritas no português do Brasil e de Portugal. E é essa forma de redacção da LP que os nossos jovens estudantes reproduzem ielmente na Universidade. A essa forma de reescrever o português junta-se-lhe outro aspecto mais importante que é o facto de haver tantos modos de escrever (não de falar) a língua veicular, quantos os níveis de aquisição de competência linguísticas pelos utentes.
Se o Ensino em Angola, devido ao acumular de de iciências estruturais, não demonstra capacidade para ensinar massivamente a gramática da LP (mesmo a nossa LP angolana), como é que terá capacidade para ensinar (em paralelo) as línguas africanas?
Mais importante e imperioso do que a polémica em torno do acordo, é refundar o ensino da LP de maneira a produzir uma competência linguística a vários níveis, principalmente na Administração Pública, e esta tarefa nacional dispensa o conservadorismo do modelo linguístico do português que ainda nos dá que falar, pela sua colagem ao AO90. Angola não pode ser o país mais lusófono da Lusofonia. O PCA da Academia Angolana de Letras, Boaventura Cardoso, disse, e bem, no seu discurso de apresentação da declaração sobre a recti icação das bases do Acordo Ortográ ico, que a Língua Portuguesa também é nossa.
Sendo nossa de verdade, temos de fazer um trabalho de casa que não compete nem à CPLP, nem a Portugal ou ao Brasil, e que não tem nada a ver com o AO90.
Temos é de produzir, nós mesmos, a nova gramática do português angolano e, também o nosso dicionário e, a partir dessas ferramentas do ensino correcto de qualquer língua, mostrar ao Mundo que nós temos uma identidade bantulusófona.
O actual estádio de conservação da polémica em torno do AO de 1990 (que já leva 28 anos de impasse), prova que, discutir a universalidade e validade do AO para o nosso país, é discutir o sexo (oral) dos anjos.