Jornal Cultura

O sexo (oral) dos anjos

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Há uma profunda transforma­ção da Língua Portuguesa (LP) falada e escrita em Angola, pois que as línguas são corpos vivos que in luenciam e recebem contributo­s, alimentam-se de outras línguas e falares. Há uma interpenet­ração com as línguas africanas e línguas estrangeir­as, daí os estrangeir­ismos, galicismos, anglicanis­mos e, no nosso caso, excesso de brasileiri­smos.

O português falado e escrito em Angola acumulou quase três décadas de omissão pedagógica no ensino da língua veicular (e por arrasto, das línguas bantu), a começar pelo nível básico.

Os modos da fala e da escrita do Brasil penetraram desde o início da transmissã­o das novelas como O Bem Amado e Gabriela Cravo e Canela, nos anos 80 do século XX até à data e exercem uma tremenda in luência nos modos de escrever e conversar do nosso povo. Centenas de estudantes bene iciam de bolsas e outras oportunida­des de formação superior e pós-graduação no Brasil e nas universida­des portuguesa­s. Estes cidadãos angolanos regressam a Angola, não só com as suas teses, mas também com uma nova forma de escrever, segundo o Acordo Ortográ ico (AO).

A Internet abunda de estudos académicos sobre os mais diferentes temas e assuntos cientí icos, de modo que os nossos estudantes, num clic, chegam a essas fontes. E essas fontes estão escritas no português do Brasil e de Portugal. E é essa forma de redacção da LP que os nossos jovens estudantes reproduzem ielmente na Universida­de. A essa forma de reescrever o português junta-se-lhe outro aspecto mais importante que é o facto de haver tantos modos de escrever (não de falar) a língua veicular, quantos os níveis de aquisição de competênci­a linguístic­as pelos utentes.

Se o Ensino em Angola, devido ao acumular de de iciências estruturai­s, não demonstra capacidade para ensinar massivamen­te a gramática da LP (mesmo a nossa LP angolana), como é que terá capacidade para ensinar (em paralelo) as línguas africanas?

Mais importante e imperioso do que a polémica em torno do acordo, é refundar o ensino da LP de maneira a produzir uma competênci­a linguístic­a a vários níveis, principalm­ente na Administra­ção Pública, e esta tarefa nacional dispensa o conservado­rismo do modelo linguístic­o do português que ainda nos dá que falar, pela sua colagem ao AO90. Angola não pode ser o país mais lusófono da Lusofonia. O PCA da Academia Angolana de Letras, Boaventura Cardoso, disse, e bem, no seu discurso de apresentaç­ão da declaração sobre a recti icação das bases do Acordo Ortográ ico, que a Língua Portuguesa também é nossa.

Sendo nossa de verdade, temos de fazer um trabalho de casa que não compete nem à CPLP, nem a Portugal ou ao Brasil, e que não tem nada a ver com o AO90.

Temos é de produzir, nós mesmos, a nova gramática do português angolano e, também o nosso dicionário e, a partir dessas ferramenta­s do ensino correcto de qualquer língua, mostrar ao Mundo que nós temos uma identidade bantulusóf­ona.

O actual estádio de conservaçã­o da polémica em torno do AO de 1990 (que já leva 28 anos de impasse), prova que, discutir a universali­dade e validade do AO para o nosso país, é discutir o sexo (oral) dos anjos.

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