Carlos Lamartine
escreve a Manuel Rui sobre o Hino Nacional
Ébom melhorar o que está bem, mas fundamentalmente, corrigir o que está mal, para que a sociedade angolana, de agora em diante, possa caminhar de braços abertos com o sentido do progresso e com os olhos mirados para o futuro, que se pretende risonho para as futuras gerações.
Amar ao próximo como a si mesmo constitui um postulado divino, destinado à harmonização da vida humana no Universo. A hipocrisia contribui para falsi icar a história e denigre a personalidade do ser humano.
Quero, por este meio, desculpar-me junto do Manuel Rui Monteiro, meu querido amigo e companheiro dos sentimentos positivos, que durante o percurso para a conquista da independência nacional de Angola nos aproximou e soube nos manter unidos espiritualmente à sombra da mesma bandeira que também ajudamos a escolher, pela ousadia moral com que passo a descrever o meu pensamento sobre o assunto:
De facto, lembra-me a consciência, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, de, na ocasião ter sido convidado e orientado pelo então Bureau Político do MPLA, em noti icação antecipada no dia 8 de Novembro de 1975, para, na qualidade de dirigente da JMPLA Provincial de Luanda e cantor de referência no tempo, tomar parte do grupo constituído para a “confecção” do futuro Hino da República Popular de Angola, que se ia proclamar a 11 de Novembro de 1975.
Lembra-me, também, que no dia 9 de Novembro de 1975, pelas 9 horas, conjuntamente com o senhor Carlitos Vieira Dias (outro elemento também indigitado por essa mesma entidade), chegarmos ao Palácio Presidencial, na Cidade Alta, onde estava instalado o Governo de Transição (totalmente já assumido pelo MPLA). Orientados pelo Senhor Dr. Luís de Almeida e pelo Senhor Hermínio Escórcio, termos sido encaminhados para uma das casas do Saneamento, não me lembra já, se era a residência do Manuel Rui nas vestes de Ministro da Informação ou do Dr. Saydi Mingas, então Ministro das Finanças, onde de facto já havíamos encontrado os senhores Dr. Manuel Rui Monteiro e Rui Mingas, ambos lá ixados com o mesmo objectivo.
Lembra-me, também, que icamos durante todo o dia de 9 de Novembro de 1975, a trocar algumas ideias para a consolidação da letra em versos realmente já apresentada pelo Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro como de sua autoria, que estava assente numa melodia, igualmente apresentada pelo Senhor Rui Mingas, como de sua autoria.
Começamos todos juntos (os 4), Dr. Manuel Rui Monteiro, Rui Mingas, Carlos Lamartine e Carlitos Vieira Dias a estruturarmos os versos, ajustando-os à melodia e o seu respectivo enquadramento harmónico. Depois de algum tempo, acabamos por fazer a primeira versão, embora a música que estava assente na mesma melodia sofria os arranjos do senhor Carlitos Vieira Dias, pelo seu grande domínio do instrumento (a viola acústica).
Lembra-me, também, termos passado todo o dia a trabalhar nele fazendo cada um de nós, eu e o senhor Carlitos Vieira Dias, as nossas sugestões, quer no enquadramento das palavras, quer no encaixamento delas na quadratura da melodia em causa, sugerindo inclusive a de inição do título do texto.
Lembra-me, também, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, que passamos o dia inteiro (da manhã e da noite), apoiados numa dieta alimentar assente em sandes (pão com iambre e queijo), rissóis, pasteis de bacalhau, churrasco, bolachas de água e sal e maria, acompanhados de sumos e refrescos, uísques, vinho e cerveja, para nossa alimentação.
Lembra-me, também, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, que passamos a noite inteira a trabalhar para decorar o canto do Hino, para o gravar em cassete, numa nagra pequena, com o im de o submetermos à direcção do MPLA.
CORRECÇÕES DO PRESIDENTE
Lembra-me, também, que a posterior, quase na madrugada do dia em curso, o verso viera com algumas sugestões correctivas do saudoso Dr. António Agostinho Neto que foram introduzidas para melhoramento.
Lembra-me também, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, que, depois do projecto aprovado pelo Bureau Político do MPLA no dia 10 de Novembro de 1975, saí dessa residência, por volta das sete da manhã, para me dirigir à JMPLA e à UNTA, a im de ser constituído o Grupo Coral Gigante para os ensaios e para a entoação do Hino, que seria e o foi, por altura da Proclamação na Praça do 1º. De Maio. Lembra-me, igualmente, Senhor Manuel Rui Monteiro, que, de acordo com as respectivas confirmações, o Grupo Coral Gigante foi formado com cerca de 250 pessoas, entre jovens e adultos, homens e mulheres, cuja maioria foi recrutada pela OMA.
O Grupo Coral esteve, pontualmente reunido às 14 horas do dia 10 de Novembro de 1975, na sede provincial da JMPLA, precisamente no seu Campo de Basquete, onde realizamos em bruto o ensaio do Hino, depois de aprova- do pelo Bureau Político do MPLA. Lembra-me, também, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, que, na qualidade de Regente do Hino, estiveram comigo nesse trabalho de ensaios os artistas Calabeto, António Miguel Francisco e Filipe Gumbe Mukenga, solicitados por mim para inter-ajuda. Lembra-me que os ensaios foram efectuados com a celeridade necessária para que depois das 18 horas cada um dos integrantes fosse para a casa preparar-se, trajando camisa branca de mangas compridas e calças ou saias escuras, tendo as bessanganas sido trajadas de panos pretos. Todos os integrantes do Coral Gigante, pontualmente, estiveram na Praça do 1º. de Maio às 21 horas conforme lhes havia sido recomendado, onde ainda se foram fazendo os ensaios amiúde. Lembra-me, Senhor Dr. Manuel Rui Monteiro, que, para a sequência do Acto da Proclamação, a JMPLA (nas pessoas de Carlos Lamartine e Ângela Bragança, nas vestes de Coordenadora) seleccionara o pioneiro Daniel Canhanga para proceder, em representação da OPA, ao içar da Bandeira Nacional, conjuntamente com os Camaradas Paiva Domingos da Silva e Imperial Santana, ambos do Movimento do 4 de Fevereiro, indigitados pelo Bureau Politico para o efeito.