Jornal Cultura

Barros Neto

tece fiapos de memórias

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Fernando Carlos encenou em livro os acordes histórico-políticos de “Ritmos da Luta – o Semba como ferramenta de Libertação”. Tal como o romance histórico, o drama histórico reinventa o passado e ressuscita os actores reais do tempo marcado para durar, actores de uma cena imortal, tais como Liceu Vieira Dias,

Amadeu Amorim, Zé Maria, Euclides Fontes Pereira, Nino Ndongo, Mário Pinto de Andrade, Lourdes VanDúnem, Belita Palma, Maria do Carmo Medinae muitos outros.

Esta obra do género dramático glori ica o Conjunto Ngola Ritmos e foi publicada no Camões-Centro Cultural Português, no passado dia 13 de Novembro.

Em declaraçõe­s ao jornal O PAÍS, o autor da obra referiu que se trata de uma obra que surge para homenagear os nacionalis­tas que estiveram envolvidos na luta anti-colonial de libertação, que veio a culminar com a independên­cia a 11 de Novembro de 1975. O historial sobre as causas que levaram a que se formasse o conjunto, a introdução do violão na música nacional, com o dedilhar do “maestro” Liceu Vieira Dias, no estilo que veio a designar-se “Semba” estão na base desta obra, com 84 páginas.

Fernando Carlos contou que sentiuse motivado em retratar o historial, por se ter “apaixonado” pela causa que estes nacionalis­tas abraçaram. “Eles eram assimilado­s, ainda assim não se acomodaram com a posição que tinham e lutaram a favor dos indígenas”, apontou. “Liceu, enquanto líder do agrupament­o transmitia estrategic­amente mensagens de libertação através da música. Como lhe era permitido cantar, o ritmo surge precisamen­te pa- ra não dar a entender os códigos que passam, e ainda em língua Kimbundu”.

O livro começou a ser esboçado em 2015 e só agora icou concluído. O autor disse ter enfrentado algumas di iculdades, sobretudo no acesso às fontes e idelização das datas por cada período, bem como a limitação de conteúdos a respeito do percurso destes camaradas da clandestin­idade. Entretanto, foi possível serem ultrapassa­das à medida que pôde colher depoimento­s do nacionalis­ta Amadeu Amorim, único sobreviven­te do conjunto Ngola Ritmos, e de Ruy Mingas, sobrinho de Liceu Vieira Dias.

Qualquer narrativa ou drama histórico, mesmo Mayombe, de Pepetela, é um eco do nosso tempo, aportam para a nossa era, o verdadeiro sentido do humanismo que os poderes políticos lenta e penosament­e vão cedendo à sociedade.

A abrir o livro, na cena I, lemos este diálogo entre Mário Pinto de Andrade e Liceu Vieira Dias que levanta o problema maior da africanida­de contemporâ­nea: a libertação da alma do homem:

“Mário – Só se for agora mesmo e de pé. Tenho de me apressar, vou à Marginal de Luanda fotografar o sol a espreguiça­r-se, depois o mar a assobiar o nosso Semba e os barcos que nele bailam, trazendo e levando vidas, o cais de sorrisos e choros, os que partem desejando icar e os que icam desejando partir.

Fotografar tudo com este meu terceiro olho e guardar na minha memória externa. O café aguça-me a inspiração. Vou começar contigo (tira uma fotogra ia a Liceu). Um dia, esta foto vai parar ao Jornal de Angola, algo que tenho sonhado

e vislumbrad­o no dia-a-dia de um país livre.

Liceu (a dar-lhe palmadas suaves nos ombros) – Este teu jeito ninguém iguala, tudo te sabe a poema!

Mário – A minha alma adora e tudo faço por ela. Quem somos sem a alma? Liceu – Somos colonos. Mário (aponta no bloco) – Tem piada. Um homem sem alma é colono. O Jacinto vai-se babar a rir quando ouvir isto.”

Mitogra ia do prefácio

Está de parabéns a editora Asas de Papel, recém constituíd­a para competir no mercado editorial angolano. Só um reparo: é urgente ultrapassa­r a mitogra ia do prefácio. O leitor busca, num livro, em primeira mão, o discurso do seu autor, não o do autor do prefácio. Em Ritmos da Luta, o prefácio de Kizua Gourgel só veio destoar o conteúdo da peça e deitar cá para fora uma incongruên­cia de todo o tamanho ao colocar no mesmo diapasão musical o Ngola Ritmos e Eduardo Paim e O2. Entre o Ngola Ritmos e estes dois grupos da nova geração não existe nenhuma solução de continuida­de.

De igual modo dizer que “já existe uma nova vaga musical denominada por alguns de NMA (nova música angolana), também ela baseada no resgate e no aprimorame­nto das linhas harmónicas e rítmicas nascidas dos Ngola Ritmos. Vários nomes sonantes, apesar de jovens, têm assumido esta linguagem musical como a «bossa nova» de Angola.” Dizer isto é demonstrar um desconheci­mento da alma da música angolana. Pois, se Beto Gourgel deu ao ilho o nome de Kizua (kimbundu) é precisamen­te para honrar a luta do Ngola Ritmos pela identidade cultural angolana. “Bossa Nova” é brasileiro. Não tem nada a ver com o Semba. Melhor faria o editor em remover da obra o prefácio e em colocar na capa o nome do seu autor. Que contribuiç­ão deu, a inal, o prefaciado­r, para esta obra?

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Liceu Vieira Dias, um dos funfadores do grupo Ngola Ritmos
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Mário Pinto de Andrade
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