"Não basta devolver, é preciso investir na formação e na construção de museus e centros culturais"
exposições, repatriação de bens, etc.
2. As relações coloniais não se construíram tendo como bases apenas relações de exploração e violência. Aliás, nenhuma relação de domínio se sustenta apenas com a imposição. Há margens de negociação conquistadas pelos colonizados ao longo dos séculos. Assim, por exemplo, as estratégias de embaixadas diplomáticas de oferecer presentes como forma de estabelecer acordos políticos e económicos entrariam nesse viés mais ambíguo das relações coloniais. Estes presentes ofertados pelas elites políticas africanas a quem pertencem? Ao país africano que hoje se localiza no território dos antigos reinos e potentados africanos ou ao receptor europeu?
Novamente, são muitas questões que precisam ser feitas. A multiplicidade de respostas possibilitará uma melhor compreensão do papel dos africanos nas relações travadas com os europeus. Uma alternativa ao caso dos presentes ofertados seria a circulação de exposições pelas rotas que os objectos izeram. A inal, qual a história de cada bem material, qual a sua trajectória pelo mundo e o que ela revela?
Dito isso, é preciso sublinhar que a dominação colonial passou pela subtracção de riquezas materiais, minerais, como é óbvio, mas também pela incorporação de conhecimentos técnicos, artísticos e culturais. Descolonizar a ciência e a arte e evidenciar a contribuição intelectual dos africanos é algo imprescindível, uma causa da qual não se pode abrir mão. Quero enfatizar com isso as novas leituras da diáspora ve muito à África. Um reconhecimento que urge, que já não pode esperar.
3. Sou brasileira e vi junto a colegas a destruição do nosso museu mais relevante nacional e internacionalmente. O incêndio do Museu Nacional foi criminoso e o culpado é a administração pública que não deu ouvidos aos pesquisadores da instituição que por décadas avisavam sobre a decadência do prédio que abrigava colecções valiosíssimas. Digo isso para lembrar que esse não é um problema da África. O descaso com bens históricos e culturais é lagrante no meu país. Sem vontade política não há como preservar os museus, institutos de pesquisa e educação. É preciso também investir na formação de pessoal habilitado para promover acções de preservação e manutenção dos acervos. Museólogos, historiadores e arquivistas precisam trabalhar lado a lado para que essas instituições culturais construam exposições que aproximem o público da história. O papel educativo desses espaços é muito importante. Contudo, sem o investimento dos governos, esses pro issionais nada podem fazer. O que posso dizer é que não sigam nosso exemplo, não virem às costas à sua história, aos seus bens culturais e educativos. Creio que formar quadros pro issionais e construir espaços ísicos para abrigar, conservar e expor as obras que forem restituídas devem ser parte do projecto dos governos europeus. Não basta devolver, me parece muito mais justo que se criem equipes internacionais colaborativas de invistam na formação de pessoal e na construção de museus e centros culturais. Essa sim seria uma acção efectiva de restituição e reparação justa. Uma estratégia que possibilitaria a circulação de exposições, para que tanto africanos quanto europeus tenham acesso a informações sobre a história dos bens subtraídos, roubados, negociados no contexto do colonialismo e, o que me parece mais importante, conheçam os rostos por detrás dos objectos: as pessoas envolvidas desde a sua fabricação até a sua chegada a exposição. Porque essa é uma história global que precisa ser disseminada e contada pela perspectiva africana para todos. Descentralizar a escrita da história, a circulação de conhecimento, eis o desa io. Da abordagem colonial já estamos fartos!