Jornal Cultura

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. É facto que as perspectiv­as pós- colonial e decolonial encontram resistênci­a de académicos ainda muito arraigados às perspectiv­as europeias de escrita da história. Se o espaço do discurso cientí ico está em franca disputa, os debates que ultrapassa­m os muros das universida­des são ainda mais engessados. A narrativa hegemónica segue predominan­temente colonial, as sociedades do Sul do mundo permanecem subalterni­zadas e inferioriz­adas nas escritas o icias da história. Por tudo isso, acredito que a recuperaçã­o do património de origem africana nas colecções espalhadas pelo mundo é uma iniciativa louvável. É um debate necessário e urgente em um momento em que ressurgem novas ideias de intolerânc­ia às diferenças étnicas e sociocultu­rais. Tornar público o debate sobre o tema da construção de um “outro” colonizado e a forma como ocorreu o enriquecim­ento do Norte do planeta me parece mais do que nunca fulcral. O presidente da França, por exemplo, disse ser inaceitáve­l que parte da herança cultural da África esteja no seu país, por isso planeia a restituiçã­o desse legado para o continente africano. Esse é um ponto de partida relevante, mas ica a pergunta: esse novo olhar do passado que faz com que os países colonizado­res enfrentem o seu passado de exploração colonial levará a adopção de outras formas de reparação? Como as relações com o passado podem iluminar a construção de um presente mais inclusivo e igualitári­o uma vez que, como argumentam alguns, a permanênci­a de bens culturais nacionais na Europa representa a manutenção do colonialis­mo e da desigualda­de?

Creio que são questões em aberto e os caminhos a trilhar para propor medidas efectivas são os mais diversos. Ainda assim, penso que antes de tudo é preciso perguntar, trazer à tona assuntos por vezes velados: como museus europeus acabaram por constituir acervos inteiros com objectos das mais variadas culturas ao redor do globo? Quais processos perpassam essa incorporaç­ão? Por exemplo, somente o museu Du Quai Branly, em Paris, abriga mais de 70 mil itens da África subsaarian­a na sua colecção.

E, neste sentido, é preciso recorrer a investigaç­ões cientí icas que tracem a história da constituiç­ão dos acervos museológic­os. Cada um desses percursos contribuir­á para a transparên­cia do processo de reformulaç­ão de africana no mundo, que foi processo perpassado por toda a sorte de violências perpetrada­s, por exemplo, pelo trá ico de escravizad­os e o colonialis­mo, mas também pelo enraizamen­to de saberes, epistemolo­gias, formas de ver o mundo, técnica, estéticas artísticas que os africanos levaram consigo (ou que os objectos subtraídos representa­m). Esses poderosos veículos criativos tornaram possíveis a preservaçã­o e criação de memórias. Cada objecto africano espalhado pelo mundo é um legado dos africanos aos seus descendent­es, uma herança poderosa de resistênci­a que ilumina o passado e fortalece o presente. Penso que é preciso que os africanos saibam disso, conheçam essas heranças. Neste sentido, a restituiçã­o de obras africanas aos países que hoje estabelece­m conexões com os antigos reinos e estados africanos é reconhecer que a ciência moderna, a cultura mundial de-

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