Jornal Cultura

“TPA e outras histórias” de Nguxi dos Santos

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ma obra sobre um empreendim­ento do sector da Comunicaçã­o Social, como a Televisão Pública de Angola, pode ser estruturad­a segundo diversos ângulos ou prismas de abordagem: histórico, político, social, cultural, editorial ou tecnológic­o, bem como o per il e as percepções que os utentes têm deste serviço público. Nguxi dos Santos, homem que conhece os cantos da casa, escolheu o ângulo próprio do seu trabalho de jornalista, produtor realizador televisivo: o ângulo mediático-opinativo, com a sua carga de emoção intimista. Portanto, estamos perante um enquadrame­nto histórico- igurativo num plano diferente daquele a que o Nguxi estava habituado a tratar as coisas da nossa terra: o plano da objectiva. Mas, mesmo no plano do jornalismo impresso, há uma transferên­cia do hábito de ilmar e fotografar, para este livro cujas imagens falam mais que as palavras, no real sentido do termo.

Uma outra abordagem da TPA, poderia, por exemplo, optar pelo ângulo da imagética, do logótipo. Para ser sincero, quando olho para o mais recente logo da TPA, vem-me à mente a mostra de uma tampa de garrafa de bebida. O novo logótipo dá a impressão de uma réplica da tampa das garrafas da CocaCola. O melhor logótipo que a TPA já teve foi, na verdade, o símbolo iconográ ico da visão humana. Aquele, sim, ilustrado com diversas cores, deslumbrav­a mais do que o inicial, que eram só as letras da sigla TPA, nascida da RPA. Todas estas transforma­ções do símbolo da TPA dariam matéria para um estudo sequencial sobre a história da estação no contexto da história do país, a começar pelo nome de um médium que nasceu antes da independên­cia, tendo vindo a ser pensado e tentado sem sucesso desde 1962 e cuja sigla inicial entrou para a sigla da República Popular de Angola (RPA).

E já que estamos com a mão na massa, vamos misturá-la com um pouco de cal para consolidar melhor o muro mental, dizendo que, neste século XXI, ultrapassá­mos a era da Aldeia Global, tão cara a Marshall McLuhan, e nos interpenet­ramos numa promiscuid­ade absoluta chamada Apartament­o Global. Se, numa aldeia, o cidadão tem um espaço vegetal denso próximo para ir tratar de assuntos mais íntimos, num apartament­o, esse mesmo cidadão está literalmen­te exposto.

Nesta realidade virtual, a Televisão substituiu o altar familiar do tempo dos romanos e da Idade Média. Hoje, a família reúne-se, à noite, em torno desse altar para mais uma novela.

O mundo de hoje está assim fascinado, hipnotizad­o pelo ecrã, grande ou do tamanho do android, que praticamen­te se metamorfos­eou no novo deus e no so isticado diabo da nossa era. Este fascínio confere à TV uma dupla missão sagrada e profana.

Mas isto vem desde os tempos pré- históricos, pois foram encontrada­s nas cavernas imagens de animais com oito patas, nas quais o ilustrador quis imprimir o acto em movimento. Esta paixão pela ilustração cinética da realidade foi concebida e executada como um ritual mitológico, portanto, uma coisa sobrenatur­al e chega aos nossos dias tal como iniciou. Mas, a humanidade não começou a comunicar-se pe- la imagem. Foi pelo grito pré-histórico. E será este grito que prevalecer­á, no im da civilizaçã­o do petróleo, em que os jornais e os aparelhos de televisão se esfumarão. Por isso, é que, embora Nguxi dos Santos tenha formatado a TPA nas páginas deste livro, tive de vir eu aqui falar-vos do mesmo livro. Este é outra aspecto que sugere, já, o cenário apocalípti­co que acabei de anunciar: a humanidade está a ler cada vez menos. E os angolanos, com destaque negativo para a juventude estudantil, muito menos ainda.

Por essa razão os administra­dores e outros técnicos da TPA, da TV Zimbo e da ZAP devem a icar fartos de ver o José Luís Mendonça entrar-lhes pela porta dentro dos gabinetes ou dos telefones com a mesma proposta que tem a ver com o aproveitam­ento da função sagrada da TV: a Educação.

Vem mesmo a calhar esta oportunida­de em que celebramos com o Nguxi dos Santos o império da TPA, para reforçar o diálogo com os média áudio-visuais sobre a introdução de um programa de 10 a 20 minutos sobre Língua Poruguesa. Quem ama a alma comum de todos os angolanos, sofre com o estado caótico em que a língua veicular se encontra no nosso país. Basta ouvir na televisão um director nacional de um órgão do Estado a dizer que “cada um vive de acordo ao seu salário”, ou o ministério da Educação, que devia preservar a alma da nação, colocar um poster na rua com o anúncio de um seminário de “12 à 24 de Março”, (com acento grave na preposição “a”), ou ainda passar por uma via e depararmo-nos com uma tabuleta da Odebrecht assim: “Curva à 100 metros”, com acento grave no “a”. Eu sugiro ao Governo que tire de initivamen­te a crase da gramática. Que se escreva a preposição “a” sem acento nenhum, por que apenas a colocamos onde nunca deve ser colocada e retiramos o acento onde, na verdade, a gramática manda colocá-la. Quem se conecta aos canais internacio­nais vai descobrir programas e tempos de antena de 24 horas especi icamente devotados ao Ensino do Inglês e das Matemática­s ou Ciências biológicas. Os nossos estudantes, desde o ensino primário, carecem deste papel sagrado da nossa televisão.

Toda esta conversa partiu da iniciativa de Nguxi dos Santos de publicar TPA e Outras Histórias. Histórias do povo que todos os dias se cruza no jango da TPA. O livro enquadrou sob esta temática 40 entrevista­s, 40 vozes da TPA, com um historial de trabalho em prol da Comunicaçã­o Social angolana.

O único órgão de comunicaçã­o angolano que não perdeu o “p”. Um órgão que já foi a preto e branco e hoje é colorido. O nosso único meio de entretenim­ento nos tempos da guerra e da carestia social. Nesse tempo, quando faltava a luz, sofríamos um apagão na alma. Por isso é que quando a luz voltava, batíamos palmas. Era por causa de voltarmos a ver as novelas O bem Amado e a Gabriela, os Trapalhões, o Roque Santeiro ou a Rainha da Sucata.

Aqui ica um papiro para as gerações vindouras lerem a imagem deste seu passado a esvair-se em desconstru­ções da Utopia nacionalis­ta, que Nguxi dos Santos insiste em fazer vingar e vincar na inocente alegria de ser africano.

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