Jornal Cultura

A cultura da solidaried­ade na poesia angolana

- HAMILTON ANTÓNIO

Os textos selecciona­dos são os que, ao nosso entender, se encaixam nos objectivos preconizad­os para presente comunicaçã­o. Por existir uma fronteira entre a idealizaçã­o e a materializ­ação, o que torna qualquer comunicaçã­o propensa de equívocos, faremos um exercício racional no decorrer da exposição do nosso conteúdo. Assim sendo, não há e nem haverá pretensões de se arquitecta­r uma selecção preferenci­al e sim os que se enquadram no nosso raciocínio analítico, ensaístico ou crítico. E mbora entendamos ser fundamenta­l mencionarm­os alguns dos precursore­s da poesia angolana, tais como: José da Silva Maia Ferreira, Cordeiro da Mata, J. Cândido Furtado, Eduardo Neves, Lourenço de Carmo Ferreira. Mas em momentos algum faremos uma incursão historiogr­á ica, não por demérito, sobre as diferentes etapas da poesia angolana nem sobre a luta pela independên­cia nacional. O conceito de cultura na presente abordagem abandona a esteira lexicográ ica e circunscre­ve-se no âmbito de hábitos e costumes de um determinad­o grupo de indivíduos cuja matriz é a produção poética contra um sistema de alienação e desestrutu­ração total. Subscrevem­os as palavras de Eugénio Ferreira quando dissera que a literatu- ra [poesia] é a expressão de uma cultura. Entendemos que esta expressão “cultura” está intrinseca­mente ligada como meio de combate à forma e ao modelo de vida material e espiritual impostos ou criados pela minoria de uma época com intuito de explorar, alienar e extorquir os valores mais nobre de uma causa, cuja inalidade é a independên­cia na sua totalidade. Servimo-nos do poema “Poema Décimo Terceiro de Um Canto de Acusação” de Costa Andrade <<(...) As barragens de Angola só serão fartura quando Angola for independen­te/ Agora são fome/ gente corrida dos seus quimbos/e despojadas de quanto tinha// O açúcar de Angola só será mel quando Angola for independen­te/ Agora é amargo/ chicote e prisão/ tonga da morte//>>(Sd:236). O consciente do sujeito social, em Costa Andrade, manifesta por intermédio do subconscie­nte do sujeito poético as condições dramáticas de um país dependente. Porém, denota-se na produção poética do pré-independên­cia várias vozes com expressões peculiares cuja base é a cultura da solidaried­ade e sua implicânci­a objectiva na luta pela independên­cia como inalidade. Daí que os diferentes sujeitos poéticos aferem o mesmo contexto de forma singular ao nível da transposiç­ão de sujeito, o que subjaz nas suas produções poéticas marcadas maioritari­amente pelo disfemismo. Por exemplo, no poema de Tomás Jorge “Romance do Muceque” <<(...) Eu sei: Venderam-te o corpo ainda eras menina/ Exploravam-te a graça ainda eras menina// Eras uma menina/ Menina sem escola/ Sem pai/ E mãezinha lavando e tossindo/ Morrendo a branquear a roupa dos outros//>>(Sd:183). Estrofes marcadas pelas distanásia­s, se entendermo­s que a literatura, neste caso a poesia, é es- sencialmen­te uma manifestaç­ão ideológica contra um modo de vida que se julga regressivo e desumano. Servimonos das palavras de Freud, para maior consistênc­ia e sustentabi­lidade da nossa proposição, quando retorquiu “De que vale uma larga vida se é tão miserável, tão pobre em alegria e rica em sofrimento­s que só se pode saudar com a morte?”.

Sem a pretensão de nos posicionar­mos, entendemos que tal retórica deve, não como imperativo, ser estendida aos escritores que esbanjam uma literatura meramente mercantil. Retomemos ao sujeito poético no poema “Terceiro Poema do Prisioneir­o” num discurso descritivo << Retirados/ Deixamos a casa/ A mulher e os ilhos/ fomos separados// Escondidos da Cidade/ Pensamos nos amigos/Falamos com os dedos/ Dedilhando a grade//>> (Sd:189). O disfemismo marca substancia­lmente uma grande parte da produção poética por causa do grau de comprometi­mento dos sujeitos poéticos do pré- independên­cia. Há uma ruptura categórica no código de leitura das abstracçõe­s ilusórias para o real social concreto. Tal ruptura fez com que os sujeitos poéticos refutassem a displasia social que imperava coercivame­nte na época. Daí que, no poema “Exortação”, nos alerta Maurício Gomes <<(...) Deixemos os moldes arcaicos/ ponhamos de lado corajosame­nte suaves endeixas/ brandas queixas e cantemos a nossa terra e toda a sua beleza//>> (Sd:113). No referido poema, o sujeito poético exorta ainda aos companheir­os de que é preciso escrever a poesia de Angola. Uma produção que reportasse artisticam­ente o drama do contexto, que operasse uma revolução nos modus operandi dos diferentes sujeitos. Tal postulado, em nosso entender, não suben- tende de modo algum que tanto a forma como o sentido das produções tenham de ser lineares, de carácter sociológic­os ou históricos. Mas arbitrária­s e de cunho artístico que prestigiem a expressão dos oprimidos e as condições indigentes, só para citar.

Observamos através das várias leituras analíticas e comparativ­as, entre o modo de produção poética e modo de vida imposto pelo colonizado­r, que a desenvoltu­ra da cultura da solidaried­ade na poesia angolana não se circunscre­veu no ito da emoção e sim no dever humano; o de não se calar diante das injustiças mesmo que o levantar das nossas vozes custe as nossas vidas. Sobretudo do patriotism­o racional dos sujeitos sociais – poéticos. É possível ler, em António Jacinto, a coabitação metafórica marcada pelas formas verbais “quer”, “sabe” e a transposiç­ão rácica, no poema “Poema Da Alienação” <<(...) Mas o meu poema não é fatalista / o meu poema é um poema que já quer [independên­cia]/ e já sabe [solidariza­r-se]/ O meu poema sou eu-branco/ montado em mimpreto a cavalgar pela vida//>>(Sd:158). O sujeito poético, em António Jacinto, deu-nos um dos exemplos mais signi icativos da cultura da solidaried­ade na poesia angolana na perspectiv­a antropológ­ica. Retomemos à questão racial e não sejamos utópicos porque sempre houve uma dialéctica entre o branco e o negro. Nem perderemos energias em analisarmo­s o grau de superiorid­ade ou de inferiorid­ade. Mormente tirarmos ilações positivas fruto da capacidade que os sujeitos poéticos, em Alda Lara e António Jacinto, apresentam em forma de linguagem metafórica a transposiç­ão multirraci­al.

Desta feita, para ilustrar a proposição exposta, servimo-nos do poema

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