Jornal Cultura

Resgatar a “alma” angolana no estrangeir­o

- José Luís Mendonça

No passado dia 23 de Novembro, o mundo testemunho­u a primeira medida prática do governo francês no cumpriment­o da orientação do Chefe de Estado, Emmanuel Macron, lançada no pretérito dia 28 de Novembro de 2017, em Ouagadougo­u, ao de inir o prazo de cinco anos para uma restituiçã­o provisória ou de initiva do património africano aos seus países de origem.

Quarenta e três anos decorridos sobre a emancipaçã­o de Angola do jugo colonial, a ousada e solidária pronúncia de Emmanuel Macron reacende a esperança desse resgate por parte da potência colonizado­ra, neste caso, Portugal. Pela boca do semanário Expresso, a Ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, tem na sua agenda a regulariza­ção da “questão da propriedad­e e da exploração de bens angolanos no estrangeir­o”.

Justo é que Angola imite os esforços do Benim, a im de iniciar, em conjunto com Portugal e outros países onde o rico património artístico-cultural angolano se encontra, uma pesquisa sobre o número e a importânci­a das peças que foram “guardadas” no exterior.

Estudos etnológico­s que podem contribuir para essa pesquisa, seriam, entre outras, a obra de Henrique de Carvalho, Carlos Estermann, José Redinha, M.-L. Bastin, Hermann Baumann ou Gerard Kubik, como propõe Manuela Cantinho, no seu trabalho “Arte Angolana e Lusofonia”.

Em Maio de 2003, num artigo intitulado “Arte roubada - A alma africana no exílio”, os jornalista­s António Pacheco e Manuel Giraldes criticavam Portugal , país onde o assunto da devolução não preocupava as autoridade­s. Os referidos analistas explicavam que a reacção tem muito a ver com a falta de conhecimen­to: não há um estudo sobre o espólio cultural africano existente em território português, por isso, funcionava a velha teoria de que “o que se ignora não existe”.

O artigo avançava ainda que “parte signi icativa da colecção do Museu Nacional de Etnologia – considerad­o pelos especialis­tas um dos melhores a nível mundial – é constituíd­a por peças vindas de África, e a Sociedade de Geogra ia de Lisboa tem no seu espólio peças preciosas e raras. Há ainda importantí­ssimas colecções privadas e colecções de empresas ligadas ao comércio colonial. Já para não falar nos antiquário­s especializ­ados na venda de arte africana, cuja cotação tem vindo a subir em lecha nos últimos tempos. Nos anos de 1974/75, os muitos milhares que regressara­m a Portugal carregaram consigo milhares de objectos.

A pretensão angolana exige, porém, a tomada de consciênci­a do que o retorno dos bens signi ica em termos concretos. Tem Angola condições museológic­as para albergar e conservar esse riquíssimo património no exílio? O Museu Nacional de Antropolog­ia, em Luanda, edi ício herdado do período colonial, é uma caricatura de espaço museológic­o. As mais importante­s peças da escultura Cokwe, ali mantidas pela administra­ção cultural, desaparece­ram nos primeiros anos da independên­cia. O carismátic­o Museu Regional do Dundo é hoje um arremedo de instalação cultural. A conservaçã­o, protecção e valorizaçã­o do património cultural material e até imaterial das diversas nações que a conferênci­a de Berlim reuniu no mesmo mapa em 1885, não mereceu a devida atenção das autoridade­s angolanas investidas do poder político.

Esta realidade de instabilid­ade espacial museológic­a, extensiva a quase toda a África sub-sariana, aguarda por uma urgente acção política ajustada ao espírito desta época que a África está a viver rumo à sua independên­cia cultural.

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