Contagem Decrescente: a Vida preto no branco
I. Vídeo
Deve haver uma linha do semtempo de onde cresce essa música clássica e se enraíza na sala de exposições do Centro Cultural Camões, nestes últimos dias de Fevereiro de 2019, e faz respirar as imagens que José Silva Pinto ( Tonspi) sequenciou em vídeo, no pequeno ecrã fechado sob cortinas nocturnas: “Hoje é o primeiro dia da minha morte. Hoje é o dia em que gostava que começasses a viver”, lê- se no ecrã, passam acordes de música sacra, “os que não conseguem sentir estas dores já estão mortos há muito tempo.”
Esta vídeo-montagem do FIM do “primeiro dia da minha morte, um relato das minhas outras mortes”, induznos, a nós, angolanos, a caminhar sobre as areias da nossa História mais recente, a da Independência, e interrogarmo-nos sobre esses despojos humanos da guerra: como chegámos a tanta desangolanidade?
Pessoas em ruínas, cacos e estilhaços humanos, a vida ali posta preto no branco, tal e qual a arte nos fala o que o povo não diz de boca aberta. Por isso, devia haver uma agenda cultural para os nossos dirigentes viverem também os ambientes culturais que os artistas dão à luz, pois Cultura não é só Carnaval. Na exposição Contagem Decrescente, é de facto Angola que morre, mas uma morte que anuncia o seu oposto dialéctico: PODES COMEÇAR A VIVER AGORA.
II. Fotogra ias
Vivamos as escadas do Centro Camões. Logo à entrada do hall maior de exposições, está o próprio Tonspi, preto no branco como todas as 47 fotografias e os três desenhos, com as mãos sobre a cabeça, tentando travar a água da vida que o lava das imagens doídas no coração.
A Vida levanta as veias sob a pele das velhas mãos laboriosas, sem tempo para o verniz, nem para a manicure. O seu Início é uma sede de viver, uma Prece a uma parábola desfeita numa cruz.
Mesmo descalços, os pés sempre conservarão alguma Dignidade, se o Amor for uma constante, se o Trabalho oferecer- nos, em troca, algum sorriso na berma de uma estrada indiferente. Sonho, Luz e Liberdade – signos da adolescência, um homem de Família constrói uma mansão de pau- a- pique e escancara os céus com a música do seu aparelho SHARP sobre um chão de terra batida.
Angola é um país de Alimento. A Gratidão frente a um prato de esmalte já amolgado com arroz transforma a mesa em santuário e Deus recebe esse gesto, mesmo que algum dos dois meninos ou os que não estão à mesa a jantar vier um dia a ser ministro e nunca se lembrar dos pratos de esmalte amolgados sem arroz.
Sou Pessoa nas expressões cavadas de angústias do casal de maisvelhos, sou Único numa plateia à espera de multidões, sou Completo nas muletas que comeram o passo ( in) certo do presente, a Serenidade pode esconder outra alma dentro da alma, sou Força de um olhar acendendo a energia da comunhão vital, mãos estendidas nem sempre pe-
dem Ajuda, nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que esquece no dedo branco de Deus.
Para a Infância basta o Amparo das mães e das irmãs mais- velhas, à Inocência nunca se pede contas, nem se oferece muros.
E eis- nos a Caminho. Sou Paz numa Terra agreste e imensa, a Água coa uma Luz filtrada entre nuvens e sentinelas de eucaliptos, além a Infinitude do deserto deixa em nossa boca um sabor a eternidade desconhecida, o Céu do planalto parece uma invasão de marcianos ( quem disse que os aliens são canibais como nós?)
Por isso, também eu “Nasci hoje”, eu José Luís Mendonça, de barba ainda branca a caminho da hominização ( in) completa: a fala penetrante do olhar.
III. Desenhos
A exposição Contagem Decrescente fecha com três desenhos: a fragilidade do homo sapiens, lâmpada do mundo. Como escreveu Mateus, o evangelista: “não se acende uma candeia para colocá- la debaixo de um cesto. Ao contrário, coloca- se no velador e, assim, ilumina a todos os que estão na casa.”