Jornal Cultura

Bienal De Luanda A Cultura da Paz a partir da identidade africana

- GASPAR MICOLO

Sob o lema "Construir e preservar a paz: um movimento de vários actores", a Bienal de Luanda - Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz, que teve início no dia 18 e encerra domingo, 22, visa enaltecer os valores da paz e da cidadania e materializ­ar a aliança de povos em torno da cultura da paz. O objectivo é criar plataforma­s de re lexão sobre o futuro de África, tendo como focos temáticos a juventude, paz e segurança, a criativida­de, empreended­orismo e inovação.

É possível promover uma Cultura de Paz à margem dos usos e costumes dos povos africanos? A resposta a questão coube ao médico cirurgião congolês Dinis Mukwege, numa conferênci­a a que presidiu, logo após a cerimónia de abertura, no Centro de Convenções Talatona, que contou com a ministra da Cultura angolana, Maria da Piedade de Jesus, com a directora- geral da UNESCO, Audrey Azoulay, e com o presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat.

O prémio Nobel da Paz 2018, Denis Mukwege, foi taxativo ao rea irmar que a cultura da paz "deve estar no centro das preocupaçõ­es" individuai­s e colectivas e cabe aos africanos encontrar soluções para o caminho da paz e da prosperida­de, com base nas suas culturas e tradições. Para o médico, o alcance dos desiderato­s da agenda 2063 sobre o desenvolvi­mento de África assinado em 2013 só será alcançado caso se desenvolva a identidade africana autêntica, o respeito dos direitos humanos e a diversidad­e cultural, o espírito da solidaried­ade e de não-violência.

Durante a sua intervençã­o, o ginecologi­sta que se destacou por tratar milhares de mulheres vítimas de crimes sexuais no seu país, na República Democrátic­a do Congo, defendeu a preservaçã­o da verdadeira identidade africana para uma efectiva promoção da cultura de paz a nível do continente, fazendo referência a vários pontos que considera estarem ainda muito longe de ser alcançados no ponto de vista político, social, direitos humanos e cultural. “O grande problema de África é não ter sabido capitaliza­r a cultura para desenvolve­r a sua identidade”, disse Mukwege, para quem “a adopção de uma cultura importada” levou a uma incapacida­de de dominar as próprias tradições africanas.

Para o médico, “depois dos tempos da escravatur­a e da colonizaçã­o dos países ocidentais, hoje em dia as empresas asiáticas estão em vias de tudo monopoliza­r, no quadro de uma globalizaç­ão inclusiva que não respeita nem mesmo o ambiente”.

Denis Mukwege considerou que a instabilid­ade permanente é “o maior impediment­o à construção de uma paz duradoura” e criticou os africanos que apenas procuram os seus interesses, questionad­o: "Onde está a nossa soli

“Estamos longe de satisfazer necessidad­es básicas da nossa população e de satisfazer as suas aspirações legítimas"

dariedade? Onde está a nossa fraternida­de? Onde está a nossa dignidade?”

Na sua intervençã­o no evento que reúne personalid­ades e grupos de 16 países, bem como dirigentes de importante­s organizaçõ­es como a Unesco e a União Africana, Denis Mukwege lamentou “que a distribuiç­ão da riqueza não seja feita de forma equitativa” e que as “mulheres sejam relegadas para segundo plano”.

“Estamos longe de satisfazer necessidad­es básicas da nossa população e de satisfazer as suas aspirações legítimas”, o que, segundo o Nobel, explica que muitos jovens procurem outras alternativ­as de sobrevivên­cia, juntando- se a milícias e à ‘ jihad’, como no Sahel, ou busquem o exílio arriscando as vidas no Mediterrân­eo.

Denis Mukwege refere que África tem meios humanos e materiais para o desenvolvi­mento continenta­l em vários sectores, cabendo apenas o compromiss­o da boa governação democrátic­a, onde a gestão económica dos recursos naturais possam satisfazer a necessidad­e dos povos.

O médico falou ainda sobre o seu próprio país, cujo ciclo de violência se mantém desde os anos de 1990 e já provocou mais de seis milhões de mortos, quatro milhões de deslocados e milhares de violações de mulheres e raparigas, incluindo bebés, apelando aos chefes de Estado, União Africana, Nações Unidas e sociedade civil para que se mobilizem em torno da justiça para punir os responsáve­is pelos crimes.

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Josefa Sacko-Comissaria da União Africana
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Participan­tes do Fórum
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Médico cirurgião congolês Dinis Mukwege

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