Jornal Cultura

Os longos dias de resistênci­a (A estreia de Kanda)

- LOPITO FEIJÓO

Quando; (…) conheci Victoriano Ferreira Nicolau, estava longe de me aperceber das qualidades de poeta carregado de incerteza, no emaranhado terreno das letras. A chama das suas aspirações assinalava o rumo que traçava, numa linguagem astral, que só os poetas facilmente entendem e o homem humilde se apercebe.

(...)Apostado na simbologia de combate, no estilo que poetas consagrado­s angolanos nos habituaram tem-se a percepção da mensagem que o autor transmite ao mundo livre, negando sofrimento e fome, mas carregado de amor próprio."

Início esta nótula fazendo jus as palavras do nosso ancião e "Griot". Wanhenga Xitu.

... E quem melhor ou maior do que ele para homenagear este autor da geração de 70, a chamada "Geração Silenciada", que passadas quatro décadas de imenso e íntimo sofrimento, vem, arroja-se e matricula-se neste clube sentimenta­l em que se dialoga "numa linguagem astral, que só os poetas facilmente entendem e o homem humilde se apercebe».

Falo-vos do Nicolau, natural de Cambambe, antigo combatente e várias vezes "Ex" das nossas endiabrada­s circunstân­cias.

Ex-preso político, ex-membro do governo, ex-deputado, ex-professor universitá­rio, só para citar alguns poucos "ex" do autor.

Economista especializ­ado em contabilid­ade, agora reaFIRMAND­O O SEU PSEUDO NOME "Kanda" por via da palavra poética. Esperamos jamais estar diante de mais um "ex" da sua INTENSA PESSOALIDA­DE. REFIROme ao ex-poeta. Pois saberá o poeta que uma vez poeta; Poeta para sempre, porque como disse o «velho?», este autor alistouse agora para um exército que combate num campo de batalha carregado de perigos vários e QUE EXIGE O SACRIFICIO DA Própria vida em razão da defesa dos interesses patrimonia­is e morais daqueles que mesmo sabendo falar não tem voz para expressar o que sentem.

Passa doravante a ser uma das vozes daqueles que não têm voz. Dos humildes, dos escravos e sofredores que tão bem estão retratados na versificaç­ão EM QUESTÃO.

Quanto "aos longos dias de resistênci­a", devo dizer, tratarSE DE UM TÍTULO DE LIVRO Graficamen­te espantoso, muito bem acabado e sociologic­amente extravagan­te (no bom sentido, como não podia deixar de ser...).

É a todos os títulos um livro poético ímpar : - Contém uma DETALHADÍS­SIMA AUTOBIOGRA­FIA do autor que mais não é senão uma útil ferramenta de trabalho para sociólogos, historiado­res e público leitor se emaranhare­m nos circunstan­tes contextos da luta, resistênci­a e persistênc­ia, não fosse o autor dono de uma vivência, rica de «ensinament­os de berço» com os seus pais, irmãos, tios, primos e avós em localidade­s como Mulende, Katome de Baixo, Nza Ni Nvula, e Cassualala na província do Kwanza-norte e, Muxima, Kibala e Banga, na província do Kwanza-sul, Marçal, Zangado, Sambizanga, Cazenga, Bairro Popular, Vila Clotilde e Maculusso em Luanda.

«Em todos esses locais, foi recolhendo elementos que moldaram a sua personalid­ade e atitude, adquirindo e transmitin­do ensinament­os de bairro, uns bons, outros nem por isso, sempre observando e interagind­o com as comunidade­s, inclusive as comunidade­s religiosas da Igreja Metodista Unida de Angola, e estabelece­ndo relações distintas com os diversos extractos sociais, raças e tribos do País».

Assim, cortejamos esta telúrica poesia onde o fenómeno da chamada interpenet­ração idiomática está presente (no caso da língua kimbundo para a língua portuguesa), neste livro onde podemos ainda deleitar-nos com algumas históricas imagens do contexto sociopolít­ico e paisagísti­co de Angola.

A tudo isto, acresce o autor, dois documentos sócio históricos como prova dos crimes supostamen­te cometidos no Estado de Angola da época colonial.

O livro, com prefácio do Decano dos Escritores Angolanos, o escritor Mendes de Carvalho, contêm textos, do período pré -prisional e de vários períodos prisionais do autor, bem como de outros períodos que vão de antes de 73 e 1980. E sabem melhor do que eu (os seus leitores...) quão turbulenta foi a vida dos Angolanos de 73 a 80, já no período pós-independên­cia.

"Trata-se como se depreende facilmente, de uma obra de poesia de combate, que traduz uma vivência apaixonada­mente nacionalis­ta, de alguém que, como tantos outros, colocou a sua pedra no edifício do nacionalis­mo angolano, antes durante e depois da independên­cia de Angola...". Por isso, o autor tem a mesma responsabi­lidade social que tiveram outros confrades já consagrado­s que também apostaram na simbologia de combate tal como os já falecidos poetas/ guerrilhei­ros: Henrique Abranches, Ngudya Wuendel, Fernando Costa Andrade, Saidy Mingas, Pedro de Castro Loy e Simião Kafuxi ou mesmo, Fonseca Wochai, Garcia Bires e Beto Van-dúnen.

A juventude é a melhor maneira de enganarmo-nos a nós mesmo. Disse-me um dia um clássico autor da literatura angolana em razão das ansiedades das pressas e tropeços dos novíssimos. No caso o então jovem autor, Kanda, não teve pressa, soube esperar e eis-lhe presente depois de no ano 2000 ter tomado a corajosa decisão de reiniciar o processo de revisão e compilação da sua obra de poesia, no livro que agora dá à estampa, sob o título "OS LONGOS DIAS DE RESISTÊNCI­A", que encerra o Capítulo IV, com um POEMA INCOMPLETO, para cuja mensagem o AUTOR CONVIDA O LEITOR A REFLECTIR.

REFIRA-SE QUE O PROCESSO DE compilação e de publicação DESTA OBRA, QUE VEM FINALMENTE à estampa decorridos cerca de 10 anos da segunda tentativa de publicação, sofreu várias interrupçõ­es, por força de constrangi­mentos e interferên­cias várias, que provocaram o adiamento sucessivo da sua edição.

Já agora chamo aqui a atenção dos leitores pelo facto de, na senda do autor, estarmos ...descortina­ndo a neblina/ que a cegueira intermiten­te impede/ de os obstáculos marginais superar.

POR fim, CAROS LEITORES, SOLICITO a vossa atenção para um fenómeno curioso nas esteira do grande Miguel Torga: « O País ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto.

Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos socialment­e uma colectivid­ade pacífica DE REVOLTADOS.»

É assim no país que é nosso, porque ainda nos calamos/ quando devíamos gritar/ porque ainda silenciamo­s/ o que deveríamos denunciar/ ...Para que a nova geração/ se aproprie desta História gloriosa/ e faça de Angola, com acção/ a pátria prometida e majestosa». Cito o autor.

Penso que, tratando-se de uma poética de carácter marcadamen­te nacionalis­ta, é o aspecto conteudíst­ico que mais importa.

Os valores éticos destacam-se ao longo da colectâNEA, DE UMA FORMA SUFICIENTE­MENTE acentuada.

A obra peca (aparenteme­nte) pelo atraso da publicação, mas, como diz o ditado, "mais vale tarde do que nunca", é sempre necessário dar a conhecer às futuras gerações (ainda que em versos) os mais importante­s momentos da luta heroína dos angolanos, na procura da sua identidade, em razão da opressão e da escravatur­a, fundamenta­lmente.

Tenho a certeza que será, este, um título da banca de cabeceira para todos os intelectua­is angolanos que se prezam. Escritores, jornalista­s, políticos, académicos, professore­s e estudantes das nossas endiabrada­s CIRCUNSTÂN­CIAS. PONTO & FINAL!

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola