Jornal Cultura

“Acho que vivemos tempos de muita loucura”

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Sob égide da editora Asas de Papel, o escritor angolano Sérgio Fernandes vai lançar hoje, às 17h, na Praça da Unidade Africana (Miramar), a sua nova obra literária, intitulada “O Advento da Loucura”. O escritor concedeu esta entrevista ao Jornal Cultura às vésperas do lançamento deste que é o seu segundo romance. Sérgio Fernandes nasceu a 4 de Março de 1984, nas Ingombotas, em Luanda. Formou-se em Política Internacio­nal em Monterey, Califórnia, EUA, através da bolsa Fulbright. Estreouse na literatura em 2019, com a obra “O Último dos Sonhadores”

O livro traz, ainda na dedicatóri­a, a seguinte frase: “Que a loucura da vossa geração seja melhor que a da minha”. No fundo, acredita que são tempos e sociedades que produzem loucos? Por um lado, não é, a priori, uma toma presunçosa?

Não acho que seja uma tomada presunçosa. Acho que vivemos tempos de muita loucura. É só assistir as notícias na televisão ou na rádio. Um pai que mata o filho porque desejava uma promoção no serviço, mulheres que arriscam a própria saúde e a própria vida para aumentar partes de corpo para depois atrair parceiros ricos, pessoas tão ricas que gastam milhões em garrafas de champanhe para lavar os pés dos filhos, enquanto há famílias que nem um pão têm para dar aos filhos, um camião de arroz tomba e o motorista não é socorrido, pelo contrário, o camião é saqueado por pessoas que subitament­e se tornam ladras. São tempos de loucura e de muito medo. Hoje temos medo de tudo, de sair à rua, de apanhar de táxi, de não sermos capazes de sustentar os nossos filhos, e parece que em tempos de crise econômica a loucura é ainda maior, as pessoas são capazes de tudo para garantir o pão, o dinheiro, um cargo ou um pouco de poder.

Porém, a meio do romance temos uma curiosa frase: “a loucura é redentora”…

Essa frase não é minha é da personagem (risos). Mas acho que é pelo facto de que os dementes são inimputáve­is. A pessoa comete um crime bárbaro, mas se alegar ou conseguir provar insanidade está perdoada. É só os criminosos de hoje, um homem viola uma criança e diz que não sabe o que lhe passou pela cabeça, diz que é o diabo e parece que está perdoado. A tática de alegar loucura tem sido muito usada por advogados em todo o mundo.

Foi intenciona­l não definir o tempo dos acontecime­ntos?

Sim, é intenciona­l não definir o tempo. Porque as ações das pessoas e as suas lutas, os seus medos, os seus delírios e as suas táticas podem ser encontrada­s em várias épocas da nossa história, não apenas a angolana mas também de vários países africanos. E talvez ainda vamos assistir muito mais disso no futuro. Espero que não, mas receio que sim.

Afinal, em que circunstân­cias lhe vieram as ideias do livro?

Tive a ideia para este livro numa altura em que ocorriam várias transições políticas em África, no Sudão do Sul, na África do Sul, no Zimbábue, em Angola e fui prestando atenção às expectativ­as, aos medos, a ansiedade que se geram nestes períodos.

Foi o final que desejou? Ou seja, como foi deixar que o livro terminasse ali?

Acho que era o final que o livro pedia. As personagen­s e as suas acções levaram-me para este final. Não tinha o final planeado quando comecei a escrever. Foi para este fim que a própria trama me conduziu. Escrevi o que a própria história me pediu.

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O escritor angolano Sérgio Fernandes lança hoje o seu segundo romance intitulado "O Advento da Loucura"

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