Jacinto Tchipa: a voz rouca “militarmente” imortalizada na música
O coronel-cantor das FAA que encantou gerações
Opaís atravessava, no princípio da década de oitenta, um dos momentos mais críticos da sua história, enquanto nação livre e indepenDENTE, COM O CONFLITO ARMADO no epicentro de todas as amargura e agonias. Os relatos provenientes dos campos de batalhas, como no Cunene e Kuando Kubango, destronavam à resistência de esperança, de regresso a casa, das mães que viRAM OS FILHOS PARTIREM EM Defesa da pátria.
Foi nesta envolvente, de tristeza e esperança, que a música de intervenção no seio dos militares, como têmpera às adversidades da guerra, ganhara espaço, onde as canções de um jovem de voz rouca, no auge dos seus verdes vinte e cinco anos, atingiram dimensão nacional: Jacinto Tchipa.
Quando as músicas de Jacinto Tchipa, de composições imbuídas de fortes mensagens patrióticas e fé, começara a invadir, entre 1983 e 1987, as ondas da rádio e pistas de danÇAS, AS PESSOAS FICAVAM Extasiadas, em que as lágrimas, em cada rosto, davam sinais que também estavam presentes e convidadas a cantar e dançar “cartinha da saudade” PARA O fim DA GUERRA EM Conforto aos corações de todas as mães de Angola.
José Machado, simplesmente Mambarrô, era, à época, “dono do pedaço” do univerSO MUSICAL NO PAÍS, MAS O FILHO natural da Caála, um calejado “FAPLA”, impõe-se com um talento invulgar e avassalador, sem dar espaço a concorrência, erguendo, duas vezes consecutivas, 1986 e 1987, o caneco do “Top dos Mais Queridos”, o maior concurso da música angolana promovido pela Rádio Nacional de Angola.
Jacinto Tchipa começara, dentro da classe castrense, por alicerçar uma carreira artística que o tornaram um compositor de canções intemporais que, anos e anos, encantaram e encantam gerações, com incidência nascidos nos anos 60 e 70, pelo facto de muitos deles terem evidenciado, de perto, as fagulhas das artilharias nas trilheiras de combate.
Alberto Lourenço, actualmente coronel da Polícia Militar, garante que quando, em 1987, com patente de aspirante, foi destacado para uma unidade da FAPLA, na comuna do Kunje, província do Bié, inspiRAVA-SE NAS CANÇÕES DO FINADO Tchipa para, e meio a choros, endereçar cartas à família residente no bairro Sambizanga, em Luanda.
“Não há dos militares, daquele tempo, que não sentiam as canções de Jacinto Tchipa. Éramos na altura jovens e quando os ataques apertavam, muitos de nós, entre 19 e 21 anos, choravam ao pensarmos se sairíamos vivos e nas nossas famílias. A música acalmava-nos, em que as do Tchipa eram ‘bisadas’ até à EXAUSTÃO NO QUARTEL”, CONTA ESTE OFICIAL, QUE, POR INERÊNCIA missão da Polícia Militar, participara da cerimónia funeral do coronel-cantor. REPRESENTANTE “LEGÍTIMO” DO HUAMBO
A notícia da morte de Jacinto Tchipa, aos 63 anos, abalou a classe artística do país, a legião de fãs e a sociedade em geral. Na província do Huambo, de onde é originário, o sentimento de consternação foi manifestado por familiares e amigos que privaram, em várias etapas da vida, com TchiPA, QUE DEIXOU à IMORTALIZAÇÃO TRÊS OBRAS DISCOGRÁFICAS, Estreando-se com disco de vinil, intitulado de “África”, em 1980.
“Eu, no princípio da minha carreira, já imitei várias vezes as músicas de Jacinto Tchipa. Foi um dos meus ídolos, com quem, depois, partilhei os palcos”. As palavras são de Justino Handanga, que diz ter perdido uma “das minhas maiores referências de luta e persistência” e “monstro da música” angolano, que, ainda, tinha muito para dar à cultura.
Jacinto Tchipa é descrito, pela sua irmã mais-nova, Venância Abel, como tendo sido “um irmão honesto e comprometido com a família”, pelo que a morte deste apanhou todos surpreendidos, numa altura que estava a recuperar, satisfatoriamente, da doença.
BESSA TEIXEIRA, CONTEMPORÂNEO DO FINADO, ASSEGURA TER vividos momentos memoráveis com Jacinto Tchipa, tanto na música e como companheiro de trincheira nas Forças Armadas Popular de Libertação de Angola (FAPLA) e nas FAA, salientando terem actuado no Rivungo, Calai, Cuangar, na região Cuando Cubango, e no Luau, província DO MOXICO.
Jacinto Tchipa, que nasceu, em 1958, na aldeia do Calunjinji, sector Cawengula, no município da Caála, foi, segundo Albano Simão Urbano, outro contemporâneo, “um ciDADÃO EXEMPLAR E DE FÁCIL TRATO”, que, por meio da música, à UNIFICAÇÃO DOS MUNÍCIPES NAS “tarefas patrióticas” para o bem-estar colectivo.
A província do Huambo tinha em Jacinto Tchipa, destaca Jeremias Piedade Chissanga, director do Gabinete provincial da Cultura Turismo, Juventude e Desportos, “como representante legítimo na cultura angolana”, em que as suas músicas, no período de guerra, serviram de “consolo e esperança de vida melhor” a todos os angolanos.
ATRIBUIÇÃO DE RUA
O músico Jacinto Tchipa proporcionou, ao longo da carreira, alegria nos palcos em que actuaram. A atribuição de uma rua, na província do Huambo, com o seu nome estivera em abordagem num programa radiofónico. O seu legado, defenderam, é merecedor dessa homenagem, pelo contributo prestado à Nação, como militar, deputado, cantor e activista social, na resolução de problemas sociais nas comunidades.
Como homem ligado à música, Tchipa era defensor da criação de uma academia artística, sustentado no facto do país dispor de uma classe de artistas com capacidade criativa, à dimensão mundial, mas faltando uma formação específica em artes. Esta foi mais uma das razões apontadas para que a atribuição de uma rua como o seu nome se torne, em breve, uma realidade.
Os restos mortais de Jacinto Tchipa repousam, desde o dia 6 de Novembro, no cemitério do Benfica, em Luanda. Mas, Rúben Abel, seu irmão maisvelho, pede a transladação para o município da Caála, para, como o último desejo manifestado pelo próprio – em “cartinha da saudade” -, o eterno descanso na terra natal.