Tchipa e o despertar da filosofia de um povo humilde
Quem conheceu Tchipa antes do seu sucesso adivinhava nele a vontade de se descobrir enquanto músico distinto e influenciador para uma nova maneira de fazer a arte, o que veio a ocorrer com o apoio e a sensibilidade de Eduardo Paim.
Considerando o contexto de guerra na altura, o músico apelava ao amor a unidade a solidariedade e a nostalgia retratada na cartinha da saudade, num tempo em que as esperanças por ver uma vida melhor quase se esgotavam.
0 percurso militar de Tchipa permitiu-lhe palmilhar pelas trincheiras de combate, levando um canto promissor e a esperança de ver invertido o quadro sombrio que se desenhava no horizonte, o músico era o bálsamo para a tropa e familiares separados pelo ensombrar da pólvora.
Com o agrupamento Os Fachos, o cantor soube abrir corredores para se impor entre os cantores militares, aliás, era um dos ícones a par de Jose Kafala e os tovadores José Fixe e Manuel Corado, fazendo com que nas casernas o sonho dos soldados passasse também pela música.
Os desafios da recolha levaram Jacinto Tchipa a buscar temas “ekumbi lyanda tukalala Pi” -anoiteceu, onde vamos dormir, na busca do refugiu no teatro de guerra e chuva a cair, era o desafio do momento e a necessidade de mudança para a construção do pais, apelava o músico. Em “Afrika (tunda vouwlema)”, o cantor clamava para a saída da escuridão invocando o atraso a que o continente se remeteu, a miséria, fome, a escravatura e morte do seu povo sem que se conheça a culpa ou razão de tanto sofrimento.
Jacinto Tchipa surgiu num momento de transição da música urbana e influenciou carreiras com a introdução de uma rítmica distinta na canção em Angola, assim como adicionou a língua umbundo como base das suas letras, estas, que se transformaram numa melodia ímpar de se ouvir com gosto.
Quem seguia Tchipa notava o esforço que os seus fãs faziam para cantar as suas canções, inventando palavras por não dominarem a língua, o desejo seguir o cantor que brilhava em palco, nas televisões e nas rádios nos interiores das residências e viaturas era enorme.
Sente-se na música de Tchipa o despertar da filosofia de um povo humilde, que afoga as mágoas nas canções de embalar e retrata assim um modo de vida distinto. É reconhecida a influência das canções entoadas pelas populações do centro de Angola, com temáticas sui generis onde Tchipa busca o folego para embriagar quem o ouve.
“Maie, maie, maie” (ela disse mana kolela), olombongo viofumbelo, nota-se a maneira cuidada como Tchipa trata a música, respeitando conceitos próprios da arte em si, buscando apresentar de forma fiel uma herança ancestral e elevar a língua mãe como seu verdadeiro património.
Acredita-se fielmente que Tchipa, depois de uma geração que o antecedeu, representados por Zé Viola e Tchinina, intermediou e inspirou o surgimento de músicos como os irmãos Moniz e Beto de Almeida, Sabino Henda, Bessa Teixeira, Justino Handanga, estes, que felizmente, encontraram um corredor antes desbravado por este astro.
A trajectória de Jacinto Tchipa e a sua obra, definem-se como abertas para serem apreciadas numa conjuntura intemporal.