Oitenta anos de angolanidade
“Não são oitenta anos de idade, são oitenta anos de angolanidade”, sai da sua retórica “blindada”, e assim atira Manuel Rui aos jornalistas que o cercam, para não desassociarem a idade da história de um homem que conheceu e viveu “na prática” as várias faces de um país que amanhã, 11 de Novembro, festeja os seus 46 anos de Independência. Ora, Manuel Rui chegava, na manhã deste dia, no anfiteatro “Amélia Mingas”, na Faculdade de Humanidades, aos 80 anos Dque isposto à breve rajada de perguntas
a colectiva de imprensa ansiava “disparar”, foi preciso seguir-lhe o fio do pensamento, que se desdobra saborosamente sobre vários assuntos, mantendo-se firme numa sobriedade férrea, num tom terno, numa análise que, mais do que buscar o arrojo das ideias, sempre se harmoniza num modo que lhe ficou característico e, por isso, justificou: “Eu sou escritor desde dentro do ventre da minha mãe, porque quando nasço só aprendo a falar. A arte nasce connosco. Mas é preciso escrever sempre. Cada vez que se escreve a pessoa aperfeiçoa a sua escrita. Eu tenho experiências interessantes sobre isso”.
Da flagrante acusação de preservar um feitio onde combina ironia e irreverência, do próprio se ouviu algumas palavras que definem por inteiro a sua postura. “Eu nunca tive vocação para muitas coisas, preservo o meu lado anárquico, a minha maneira de pensar. Aliás, no meu livro “Kalunga” trago uma terra sem nome, exactamente para os colonos não irem lá buscar escravos”, partilha.
A olhar para a vida do país, no pedestal dos seus oitenta anos, esta figura que tem o seu nome na forja do hino nacional, “escrito em dez minutos, às pressas”, com a urgência determinada pelo momento, diz ter coisas boas e más para recordar sobre a pátria. “O pior erro foi não termos conversado e eclodiu a guerra. Acho que isto estaria bem diferente”, aponta Manuel Rui. CAIA QUEM TIVER QUE CAIR
Mas o rol do que não lhe faz feliz não termina por aí. Na qualidade de membro fundador da União dos Escritores Angolanos, não se deixou ficar em silêncio diante das notícias pouco alegres sobre a casa mãe das letras angolanas. “Pensou-se num fundo social, que nunca aconteceu. Depois fizemos um refeitório para os trabalhadores e comia-se bem, editava-se livros e os trabalhadores recebiam os seus salários, tanto que eu entendi que o trabalhador mais antigo recebesse uma carrinha. É uma vergonha hoje a EUA não ter sequer dinheiro para comer. É preciso fazer uma assembleiageral extraordinária, porque isso é uma vergonha para os nossos escritores, caia quem tiver que cair, não pode ser”, desabafou Manuel Rui.
Para o futuro imediato, Manuel Rui disse querer fazer, entre outras coisas, a publicação de um livro de poesia, que conta com ilustrações de Ondjaki, e plantar um limoeiro no jardim da União dos Escritores Angolanos.